Dos inúmeros momentos que compartilhei na vida com Ricardo Esch tenho a certeza que a grande maioria deles só me proporcionou alegria e bem estar. Tínhamos uma sintonia e uma harmonia de “comuns-quereres” .
Compactuávamos ideias, desejos, ideologias e outras tantas vãs filosofias. Houve uma época nos anos 70 que fumávamos a mesma marca de cigarro(Rothmans), curtíamos as mesmas bandas de rock(numa lista encabeçada sempre por Deep Purple), bebíamos a mesma bebida(qualquer coisa a base de vodka) e, consequente mente o “timing” de ambos à embriaguez era bem semelhante. Éramos amigos de copo e de cruz. Dividíamos sobriedades inconfessáveis, porres intermináveis e entre um estágio e outro tentávamos decifrar certas razões vitais que quase sempre acabavam mandando a sobriedade pro espaço.
Eschin era uma pessoa que tentava enxergar a vida pela lente da lógica e da ética( uma de suas lógicas vitais). Me lembro que ainda nos anos 70 já sonhávamos em escrever livros e ficávamos,entre um gole e outro ,discutindo o pessimismo literário de Schopenhauer e o esculacho social das poesias de Bucowski; discutíamos entre solos de guitarra de Blackmore, Clapton ou Page, o papelão que Nixon estava expondo os EUA na guerra do Vietnã. Isso tudo dito hoje não tem nada de anormal, mas porra, tínhamos por volta de 15 anos na época.Quem nessa idade perdia tempo com esses “papos cabeça”? É certo que de vez em quando caíamos na mesmice e nas abobrinhas ,tipo zoação de torcedor(apesar de muito em comum, no futebol torcíamos para times diferentes)ou a cor da calcinha de alguma fulana que sonhávamos azarar.
Em 1981 é lançado Linhas- Lutas, Sonhos e Decisões, seu primeiro livro de poemas. No fim da dedicatória do exemplar autografado que tenho até hoje ,uma cortante e afiada declaração “talvez o único amigo que entenda o real significado dessas linhas.” Emocionei!
Meses depois comentando e até questionando o que ele havia escrito pra mim, me confessou que talvez nem ele tenha entendido direito o significado daquelas “confusas e mal traçadas linhas”. Eu discordei, disse ter adorado a obra e que aquelas certamente eram suas “talentosas e bem traçadas linhas”. E ele como sempre surpreendendo, afirmou que o objetivo daquele livro não era ser reconhecido nem entendido, muito pelo contrário. O livro o desfigurava por inteiro, pois tudo o que ele escrevia, não era o que ele vivia. O livro era a antítese do seu próprio ser, tipo um contraste de si mesmo. Que sacada genial, meu amigo! Percebi enquanto ouvia silenciosamente tais explanações que os nossos papos sobre Schpenhauer e Bukowski valeram para alguma coisa. O Livro Linhas é para mim, o melhor de todos os que ele escreveu e, certamente, influenciou e incentivou a minha vontade de também “ser escritor”, o que acabaria ocorrendo somente sete anos depois, quando publiquei meu primeiro livro.
Ironicamente, na última vez que nos encontramos, num boteco do Leblon, voltamos a falar de literatura e poesia. Brinquei e disse que gostaria que ele escrevesse o prefácio do meu novo livro. Ele meio que se esquivando disse que não se sentia “a altura”. Que minha poesia era “muita areia” pro caminhão dele. Eu retruquei e disse que eu quase não escrevia mais poesia e sim alguns “hai-kais” encorpados. O poeta aqui é você, não eu, afirmei. E ele, com sua genialidade de sempre vaticinou:”Não somos poetas e sim espectros de poetas”.
Na verdade meu amigo Eschin hoje incendiou o espectro de minhas lembranças. O pouco(ou quase muito para quem leu até aqui)que acabei de escrever sobre nós é uma reles fração de segundo dos momentos mágicos que dividimos, na infância, na adolescência, e na fase adulta(que muitas vezes insistimos em evitar). Afinal ,são mais de 50 anos ou, como ele gostava de dizer, 50 translações. Desde os jogos de botão no tempo da terceira turma do primeiro primário do Santo Inácio em 1965, passando pela primeira festa em que dancei música lenta de rosto colado com uma gatinha,amiga de sua irmã; do primeiro beijo na boca(aliás tínhamos naqueles bons tempos algumas bocas em comum)que consegui dar numa festa , entre tantas que fui, no salão térreo de um tal edifício na rua Xavier da Silveira.De tantas noitadas, farras e outros tantos inesquecíveis momentos, como por exemplo alguns jogos do Brasil nas copas de 1970, 1974, 1978 e 1982. Viagem de trem para BH, depois Ouro Preto e Mariana. Outras tantas a Petrópolis , Itaipava, Nova Friburgo...
Pensando bem, meu amigo, nossas “bodas de ouro” de companheirismo e boa convivência dariam certamente um bom livro, que nunca será escrito, mas tenha a certeza que todo esse “conteúdo” está, a partir de hoje, publicado nas páginas de minhas melhores lembranças assinado pela minha eterna gratidão e admiração...
Publicitário, radialista, poeta e escritor. Carioca, radicado em Alagoas desde 2002, trabalhou em diversas campanhas eleitorais no estado. Foi diretor da Organização Arnon de Melo (OAM) e do Instituto Zumbi dos Palmares (IZP). CEO - Press Comunicações Diretor/Editor - Revista Painel Alagoas Editor - Coluna Etcetera (impressa e digital)