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25/11/2020 às 18h35

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Maradona - A Copa do Mundo e as Malvinas Argentinas

O dia em que o mundo inteiro estava de olho em Maradona. A prova física, real e de chuteiras da existência de Deus.

Reprodução

* Mateus Magalhães

Maradona estava com a bola aos pés. Ele estava prestes a ensinar aos ingleses que canhões de guerra não ganham partidas de futebol, e faria isso sem clemência, como uma bomba atômica largada de avião sobre um capão de lavradores. Quando ele rodou no eixo do mundo e matou três com apenas dois toques, Victor Hugo Morales, o histórico narrador argentino, levantou-se na cabine. "Arranca pela direita o gênio do futebol mundial!". 

A Copa do Mundo e as Malvinas Argentinas

Quando os homens criaram o futebol, alguns astros, no céu, deviam estar alinhados de uma maneira diferente. Nunca tive problemas para acreditar no invisível, daí o meu recorrente apego a deuses, a milagres, a magias. E, por isso, acredito que o futebol, quando nasceu, foi envolto numa névoa encantada, a qual lhe deu uma série de poderes inacreditáveis.

Um destes poderes, para mim, é justamente o de explicar com maestria não só as relações humanas, mas os conflitos geopolíticos do mundo – às vezes apazinguando-os, mas muitas vezes tornando-os ainda mais vivos. O futebol fez com que o Santos de Pelé parasse a guerra da Nigéria, mas também tornou-se o palco para a disputa entre os católicos e os protestantes, na Escócia, entre o Celtic e o Rangers, por exemplo.

A Copa do Mundo, então, já que é o maior momento do futebol, não ficaria à parte deste grande espetáculo. Na Copa da França, vocês lembram, em 1998, uma partida talvez tecnicamente desinteressante chamou mais atenção do mundo que qualquer gol de Ronaldo ou lançamento de Zidane: Estados Unidos 1, Irã 2, pela fase de grupos. Os países, inimigos políticos há décadas, caíram no mesmo grupo. E o governo do Irã, àquela altura, tratava o embate como uma guerra.

Mas os atletas iranianos, ao contrário, não. Fizeram da partida, inclusive, um grande ato de protesto contra o governo do país à época: porque, anos antes, o regime matara Habib Khabiri, então capitão da seleção. Entregaram flores aos atletas americanos, que retribuíram a gentileza, e ganharam na bola.

E quem consegue se esquecer de um certo Argentina x Inglaterra, numa certa Copa no México, com um certo baixinho canhoto com a camisa dez?

Em 1986, Maradona carregava o time da Argentina nas costas sozinho. Com algumas pontuais ajudas de Burruchaga, mas preferencialmente sozinho. Após derrotar o Uruguai nas oitavas, a Argentina faria frente à Inglaterra. E, quatro anos após a Guerra das Malvinas, o confronto ganhava ares de Odisséia. A Argentina enxergava nos pés de Maradona a possibilidade de conseguir sua vingança. E a seleção entrou em campo determinada a fazê-lo.

A Guerra das Malvinas foi um confronto bélico que envolveu os dois países apenas quatro anos antes, em 1982, pela posse de um arquipélago no sul do Atlântico. Com muitas perdas e muitos homens feridos, a Argentina saiu derrotada e teve uma localidade estratégica do seu território conquistada pelo imperialismo tardio dos ingleses. Mas, como já lhes disse, caiu nos pés de Diego Armando Maradona a possibilidade de fazer com que as coisas mudassem.

Mesmo que fosse só num campo de futebol. Mesmo que fossem só por noventa minutos.

Maradona estava com a bola aos pés. Ele estava prestes a ensinar aos ingleses que canhões de guerra não ganham partidas de futebol, e faria isso sem clemência, como uma bomba atômica largada de avião sobre um capão de lavradores. Quando ele rodou no eixo do mundo e matou três com apenas dois toques, Victor Hugo Morales, o histórico narrador argentino, levantou-se na cabine. "Arranca pela direita o gênio do futebol mundial!". Nesta tarde, nem os ratos saíram de suas tocas. O mundo inteiro estava de olho em Maradona. A prova física, real e de chuteiras da existência de Deus. E, para ele, deixar três ingleses no chão, batidos, indefesos, como que num passo rápido de tango que espalha no vento o perfume de mulher, não era suficiente. Ele queria mais.

Por Carlos Gardel, por Enrique Santos Discépolo, por Juan Domingo Perón. Pela tatuagem de Che Guevara em seu peito, pelos terreiros fechados na costa estuprada do Brasil, pela vergonha da guerra do Paraguai. Vejam Maradona mexer os braços. Vejam Maradona alinhar as pernas. Era absurdo, era incompreensível: este fenômenos da natureza condensado num homenzinho de um metro e sessenta de talento abissal. A língua de fora, como um touro louco, a seguir, a ganhar terreno. Quando ele derrubou mais dois, o mundo inteiro já sabia que ali, naquela tarde no México, seria marcado o maior gol da história do futebol. O goleiro saiu como um relâmpago, na vã esperança de conter o incontível. Como se fosse possível parar um deus.

Driblado o goleiro, chutada a bola para depois da marca da cal e estufada a rede, estava ali concretizado o maior lance da história de todos os esportes. Eternizado em inumeráveis canções e parágrafos, o mais bonito dos dois gols de Maradona contra a Inglaterra, naquela tarde abafada no México, contribuiu para a construção da figura mitológica de don Diego.

Pelos narradores que choravam nas cabines, pelas crianças que se abraçavam em Buenos Aires, pelos irmãos brigados que voltaram a se falar, pelos mortos que levantaram das tumbas para comemorar, pelos aleijados que voltaram a andar, pelos cegos que se suicidaram por não terem visto a magia do milagre mostrar-se possível pelos pés de um menino que crescera nas poblaciones, pela sabotagem europeia à indústria têxtil, e por outros tantos motivos, soube-se que este lance, este gol orgasmático, ficou sendo a vingança de um povo, um punho cerrado a gritar pela Argentina.

Pela guerra vingada. Por tudo isso, e por mais um pouco, é que a Copa do Mundo é um espetáculo. É por isso que o futebol explica a vida.


Veja o gol histórico   com a narração emocionante de Victor Hugo Morales


*Texto publicado na edição 17 (junho de 2018) na revista Painel Alagoas


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