Cláudio Jorge Gomes de Morais*
O positivismo foi o referencial teórico que determinou não só o assunto em questão, como também, a esfera da pesquisa social no mundo contemporâneo. Michael Löwy (1995) comenta: “as ciências sociais deviam funcionar exatamente segundo esse modelo de objetividade científica”. Essa corrente foi assim questionada por ter defendido uma posição reducionista da filosofia e da sociedade humana através das leis imutáveis para além de todo fazer social. As ciências sociais para o positivismo deveriam ser da mesma forma que as ciências exatas livres supostamente de ideologias. Na esteira desse pensamento, o conhecimento psi acabou transferindo para sua metodologia o fazer das “ciências rígidas”, ou seja, métodos de testagens, padrões de comportamento e classificação do psiquismo fazendo da loucura um status do poder na lógica do capital.
A crença no projeto da modernidade, ou seja, admiração pelo ideal de beleza e ordem deixou de lado a necessidade de estabelecer diante dos vetores da racionalidade uma crítica que pudesse revelar a impossibilidade da neutralidade do conhecimento científico com base no discurso da objetividade e imparcialidade. Assim, o Iluminismo que nos seus primórdios pregava a razão como uma das garantias da emancipação do sujeito moderno, entrou em crise quando os críticos do projeto da modernidade questionaram o caráter estratégico da ciência, atribuindo à mesma uma relação direta com o saber/poder. Após ter demonizado a razão e invertido os imperativos ético e gnoseológico para uma prática discursiva, a pesquisa ou pelo menos, uma boa parte dos pesquisadores deixaram de analisar a realidade social como fundamento da práxis.
O mundo ocidental desenvolve o projeto de docilização a partir do discurso cartesiano fundador da racionalidade moderna atrelado ao mundo do trabalho que silencia e neutraliza aquele que resiste à normatização imposta pelos saberes vinculados ao capital. Assim, tal discurso constrói um dispositivo de exclusão para combater o miserável, o vagabundo e o louco. O universo cartesiano justificou através do Cogito o mito da objetividade para desmistificar o mundo em prol do cálculo, da exatidão, da eficácia e da racionalidade técnica e instrumental do capitalismo.
Segundo Foucault, o século XIX defendeu a primazia da racionalidade sobre o mundo ocidental como afirma, Olgária Matos (2005) “Pode-se duvidar da existência do mundo, aos erros na ciência, ao delírio e à alucinação. Penso, logo existo é uma verdade primeira e irresistível, apta a fundar a ciência”. Foucault apontou a dolorosa vitória da razão cartesiana, com a qual se estabelecerá inevitavelmente o silêncio da loucura em pleno auge da modernidade.
Esse viés propõe pensar a loucura distinta daquela tipicamente positivista, baseada na racionalidade e pureza do comportamento e, acima de tudo, a serviço do capital. Porém, a proposta de se fazer uma saber dialético é, também poder, ao mesmo tempo, fundamentar o olhar sobre a batalha da reforma autoritária no Brasil, sem perder de vista a emancipação humana que a própria ciência perdeu de vista. No entanto, uma revolução na esfera psi que não entenda isto está socialmente na iminência de reproduzir o império cartesiano.
*É mestre pela Universidade Federal de Pernambuco
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