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20/06/2018 às 11h30

Cultura

Músicos amadores criam grupos para reviver antigos sambas esquecidos

Reunidos nos chamados agrupamentos de samba, eles resgatam raridades

Ledahí Dias Nascimento tinha 14 anos quando, no quintal de sua casa, a Escola de Samba Império Serrano foi fundada no Rio de Janeiro, em 1947. Filha de Tia Eulália, matriarca da escola de samba carioca, Dona Leda – hoje com 85 anos – é uma memória viva das primeiras décadas do samba. Às vezes, a lembrança daquele tempo vem em forma de verso, em um cantarolar saudoso, e, assim, uma melodia esquecida pode fazer história.

A memória de sambistas da velha guarda é o principal material de trabalho do agrupamento paulistano Glória ao Samba, que pesquisa músicas inéditas – nunca gravadas – das primeiras décadas do século 20 e que vivem apenas nas recordações de antigos integrantes das escolas de samba. Mais de 300 canções já foram redescobertas. Depois elas são tocadas em rodas de samba que fazem homenagem a compositores e escolas.

O trabalho de campo dos agrupamentos, grupos formados de músicos que se dedicam a pesquisar sambas antigos, é um verdadeiro quebra-cabeças. Muitas vezes, uma estrofe é descoberta com uma pessoa e um trecho seguinte se desvenda com outra. “A gente fica estimulando a memória dos sambistas antigos: ‘E esse pedaço aqui?'. Primeiro eles dizem: ‘ah, não lembro’. Mas aos poucos eles vão lembrando”, descreveu Paulo Mathias, integrante do agrupamento. O advogado Rafael Lo Ré, outro integrante, contou que esses encontros, normalmente, são informais. “Acima de tudo, a gente gosta de fazer aquilo, e acaba cultivando uma amizade. Então a gente repassa os bons tempos, vai falando, mostra uma letra ou outra e chega à melodia”.

No caso de dona Leda, o agrupamento conseguiu resgatar várias músicas. “Ela assistiu, desde pequena, às manifestações de samba em casa. É um documento vivo da história do Império Serrano. Nós levamos uma série de recortes de jornais, livros antigos, com letras da década de 1940, 1950 e ela lembrou da melodia”, contou Paulo Mathias, outro integrante do agrupamento. Ele se refere à música O Último Baile da Corte Imperial, composição de Silas de Oliveira, Waldir Medeiros e João Fabrício, que agora é cantada de forma completa em rodas de samba.

Antes que Dona Leda cantasse O Último Baile da Corte Imperial, a letra era apenas um registro histórico do samba enredo de 1953 do Império Serrano no livro Silas de Oliveira – do jongo ao samba enredo, publicado em 1981. No encontro do agrupamento com a sambista, ocorrido na sua casa, em 2014, os versos ganharam batucadas inéditas e a canção se completou. “O último baile imperial/foi realizado na antiga Ilha Fiscal. Os ilustres visitantes homenageados/partiram para seu país distante/com o êxito brilhante, emocionados”, diz a letra da música resgatada.

Estratégias de pesquisa

Subir o morro para ir à casa de um sambista octogenário, perambular nos bares à procura de um amante do samba, manter o olhar atento na quadra das escolas para identificar integrantes da velha guarda e viajar o estado em busca de pistas que levem a um antigo membro de escola de samba são algumas das estratégias utilizadas pelos componentes do Glória ao Samba nos 10 anos de trajetória. “A música e a pesquisa caminham lado a lado, a gente não diferencia. A gente gosta de falar sobre samba, de cantar, de compor. Nossa escola é falar sobre os antigos, exercitar esse samba dos antigos compositores. A gente só sabe fazer desse jeito”, explicou Rafael Lo Ré.

“Às vezes, a gente aprende com uma pessoa que não era compositora, mas que, de alguma forma, era membro da escola e que se lembra. Alguma pessoa mais antiga. É atrás dessas pessoas que a gente está correndo: moradores antigos, octogenários”, continuou Lo Ré. O caderninho de Jolete Azevedo, a Tia Jujuca, 89 anos, foi fundamental para algumas descobertas. Paulo Mathias relatou que, por causa da religião evangélica, ela já não frequentava rodas de samba, mas as lembranças permaneceram.

“Ela contou que, quando estava lavando louça ou fazendo outra coisa, costumava lembrar das músicas que eram cantadas, lembrava dos compositores e anotava tudo em um caderninho. Ali tinha uma infinidade de sambas do começo do Império Serrano. Foi assim que ela cantou muitos sambas antigos e desconhecidos para as pessoas da nossa geração”, disse Mathias.

Outro samba que teve a melodia redescoberta por Dona Leda conta um pouco da história da escola. “Império não tem padrinho, que eu saiba. A Portela ia batizar, mas já naquele ano nós ganhamos. Assim que a Império fundou foi campeã, aí já ficaram aborrecidos. Segundo ano, a Império campeã outra vez, aí o jornal: ‘Escola de Madureira é a escola que brilha’. Aí, pronto, começou a inimizade”, relembrou. Da intriga se fez samba. A Portela cantou: “Portela é despida de vaidade. Vitória para a Portela é banalidade, é banalidade, é banalidade”. E o Império retrucou: “Este é o Império Serrano, campeão de quatro anos. Quem disse que vitória é banalidade, para o Império não é novidade”.

Memória viva

Recortes de jornais da época encontrados em bibliotecas, livros sobre a história das escolas de samba ou até mesmo prospectos – folhas impressas com as letras que eram distribuídas nas rodas de samba – são alguns dos meios utilizados pelos integrantes do Glória ao Samba para descobrir músicas inéditas. Mas, às vezes, a própria memória do sambista é a fonte de pesquisa. Foi assim com Jarbas Soares, o Binha do Salgueiro, que revelou, em 2008, a Rafael Lo Ré, a canção Em 59, balançamos a roseira.

“Comecei a conversar com ele por telefone, a fazer uma amizade, para agendar uma ida ao Rio de Janeiro. Pelo telefone mesmo, ele me cantou esse samba”, relembrou Lo Ré. Se o encontro com Binha demorasse mais de ocorrer, a melodia poderia não ter sido recuperada, pois o sambista morreu em 2017. Paulo Mathias destaca que Binha do Salgueiro foi também um dos autores do primeiro samba enredo a falar da matriz africana do Brasil, com Chico Rei, de 1964, quando a agremiação foi vice-campeã do carnaval carioca e que teve a Portela como primeiro lugar.

O primeiro samba enredo da escola Paraíso do Tuiuti, por sua vez, nunca fora gravado. A descoberta da melodia ocorreu a partir do encontro com um dos compositores, Jorge Cardoso, em 2014. O Desenlace do Doutor Roquete Pinto embalou o desfile de 1955. “Ele estava cantando muitos sambas, sem muito critério, e eu estava gravando tudo. Quando aparecia algo diferente, ficava atento. Até que ele cantou esse samba. Eu não toquei mais o cavaquinho e ele cantou”, relatou Lo Ré. Cardoso também integrou a ala dos compositores da Acadêmicos do Salgueiro, sendo responsável pelo desenho símbolo da escola. O sambista morreu em julho de 2017.


Fonte: Agência Brasil

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