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23/11/2017 às 09h30

Geral

Assédio sexual. Quem tem culpa?

Um crime impune no medo e na "culpa" das vítimas

Divulgação

Eliane Aquino

 “Estava trabalhando há cerca de seis meses, quando um dia, final de expediente, meu patrão me chamou na sala dele e disse que me admirava muito, que eu era talentosa e bonita. A forma como ele falou, me encarando, nós dois em pé, frente a frente, me incomodou, mas achei a princípio que era viagem da minha cabeça. Agradeci e fui embora. No dia seguinte, quando ele chegou, foi até a mesa onde eu estava, me sorriu olhando nos meus olhos, e repetiu que eu era uma moça muito bonita.  Passei o dia constrangida, cada vez que falava com ele. Durante os dois dias seguintes, ele voltou a me tratar com normalidade e eu senti alívio. Mas no terceiro dia, quando não havia ninguém, ele me abraçou, eu pedi para ele parar, tentou me beijar, enfiou a mão por dentro da minha blusa, dizia todo o tempo para eu ter calma, que ia cuidar de mim, até que eu mordi a mão dele, ele me soltou, eu saí chorando e não voltei mais. Minha mãe que foi lá levar minha carta de demissão”, L.V.M, 25 anos, atendente em um consultório médico em Maceió.

Não. Ela não denunciou o médico. Nem mesmo em casa, à exceção da mãe, L.V.M compartilhou seu drama. Sentiu-se humilhada, machucada, envergonhada. Estudante de fisioterapia de uma faculdade particular, a jovem achava que tinha encontrado o emprego de seus sonhos. Um bom consultório, um médico gentil, sentia que ali poderia aprender muito já que escolhera como área profissional, a saúde. Durante meses, enclausurou-se. A cena vivida lhe dava tremores físicos. Ficou pelo menos uns dez dias sem sair de casa, perdeu aulas, afastou-se de todos. O amor e a compreensão da mãe a ajudou a se levantar. “Senti-me estuprada na alma e me arrependo por não ter denunciado, mas achava que ninguém acreditaria em mim”, revela. “Tinha medo de que me acusassem de ter facilitado o assédio, a mulher parece ser sempre a culpada, não é?”, questiona, entristecida, ao lembrar-se do fato acontecido há três anos.

Infelizmente o caso de L.V.M não é um fato isolado e nos últimos tempos as denúncias de assédio sexual têm saído dos armários, como numa defesa natural para se prevenir esse tipo de crime, a grande maioria contra as mulheres. Dentro de ônibus, na escola, no trabalho e até em casa, o assédio sexual parece exercício permanente do machismo no Brasil. Não há uma estatística formal sobre esses casos, porque a maior parte deles nem chega a ser denunciada. Segundo Gorette das Graças Lins, psicóloga, tem sido no divã da análise que muitas dessas histórias são divididas, de forma sigilosa, com terapeutas. “Há, na verdade, para algumas dessas mulheres, e isso no passado era mais visível, um sentimento de culpa por essa situação”, destaca. “Na terapia, elas tentam se livrar da culpa que não existe”, acrescenta.

Semana passada, o jornal e o portal de notícias Gazeta de Alagoas trouxeram matérias sobre denúncia de assédio sexual na Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal). Servidores e professores iniciaram uma campanha pelas redes sociais, com o objetivo de expor os “assediadores”. Em 2016, o advogado Bruno Henrique Costa Correia foi denunciado pelo Ministério Público Estadual de Alagoas pelo suposto estupro cometido contra uma adolescente de 17 anos, em Maceió. O processo tramita na 14ª Vara Criminal da Capital. A defesa nega a acusação de estupro. Na época, o pai da jovem, jornalista Plínio Lins, contou que o acusado deu uma carona à estudante, em outubro de 2015, mas antes de seguir para o destino correto, teria passado em seu escritório e cometido o crime: "ele tirou a roupa da minha filha, ameaçou e tocou nas partes íntimas dela. Ela gritou e ele parou com a ação".

Em outubro deste ano, veio à tona o caso de um médico em Maceió, denunciado por algumas pacientes de abuso sexual. O Conselho Regional de Medicina apura o caso. Relato da paciente: “Ele (o médico) tirou uma luva de dentro da sua própria bolsa e, sem nenhuma delicadeza, enfiou o dedo médio na minha vagina. Enfiou e tirou o dedo umas quatro vezes e disse que se eu ficasse excitada, era normal, se eu gozasse, também era normal. Você chegou lá?, perguntou ele me deixando constrangida”. Outras pacientes também deram depoimentos semelhantes sobre a forma de agir do médico.

L.V.M diz que nem sempre é possível, de cara, constatar que alguém é um assediador nato. “O meu ex-patrão, por exemplo, casado, vivia ligando para a esposa, fazendo declaração de amor, cuidadoso com os filhos, bom profissional, elogiado pelos pacientes, e não acredito que eu tenha sido a única a sofrer assédio por parte dele. Talvez ele seja um psicopata”, alerta a jovem, que concluiu o curso de fisioterapia e faz análise até hoje para superar o trauma vivido. “Aqueles minutos, para mim, é um tempo sem fim”, lamenta.

O assédio sexual é crime, sim, consiste no fato de o agente “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente de sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função” (CP, art. 216-A, caput). E para dar início à ação penal, basta que a vítima preste queixa. Mesmo que ela não possua elementos suficientes, deverá ser realizado previamente o inquérito policial, o qual dependerá da comunicação do fato e autorização da vítima para que o Delegado de Polícia possa investigar. Pode-se usar como provas os bilhetes, mensagens eletrônicas, presentes, entre outros. Gravações telefônicas e ambientais de conversas, desde que feitas por participante das mesmas, também são admitidas como meio de prova.


Crime atinge em especial as mulheres*

Comentários sobre o corpo, galanteios e elogios atrevidos são algumas das condutas que podem caracterizar o assédio sexual no trabalho. O tema não é novidade e atinge principalmente a mulher trabalhadora, sendo um dos instrumentos de dominação. Para e punir tal prática, a conduta foi criminalizada, no sentido de evitar a violação do direito dos trabalhadores à segurança, respeito, dignidade e integridade no ambiente de trabalho. Mas afinal, o que é assédio sexual?

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) definiu o assédio como atos de insinuações, contatos físicos forçados, convites impertinentes, desde que apresentem uma das características, como, ser uma conduta clara para dar ou manter emprego, influir nas promoções na carreira do assediado, ou prejudicar o rendimento profissional, humilhar, insultar ou intimidar a vítima.

Ou seja, assédio sexual consiste na abordagem repetida de uma pessoa a outra, com a pretensão de obter favores sexuais, mediante imposição de vontade. O assédio sexual ofende a honra, a imagem, a dignidade e a intimidade da pessoa. É importante ressaltar que, em casos excepcionais, pode ser desnecessário o requisito repetição da conduta em situações em que o ato, ainda que praticado uma única vez, seja bastante grave.

* Wagner Advogados associados


“Ainda acho que foi por minha culpa”

"Eu tinha medo de falar pro meu pai e ele achar que era eu que estava fazendo isso, porque uma das vezes que aconteceu foi com o melhor amigo dele, que queria ser meu padrinho. Eu não podia falar pra minha mãe porque uma das vezes também foi com o cara que ia casar com minha avó. Um professor chegou pra mim e disse: 'Não adianta você falar, porque entre a palavra de um professor e um aluno, vão acreditar no professor, e não no aluno'. Se me perguntarem por que aconteceram essas coisas comigo, eu ainda acho que foi por minha culpa, e a gente não pode pensar assim. A criança não tem culpa" (XUXA).

“Meu padrasto me estuprou”

“Sei lá porque, toda vez que eu ficava sozinha com meu padrasto eu sentia calafrios. Eu estava com 15 anos e há quatro ele morava conosco. Um dia, ele me pediu para ver se tinha um arranhão nas costas dele, pediu para eu levantar a camisa, e começou a falar baixinho, dizer meu nome de forma diferente, tive medo, mas fiz o que ele me mandou. De repente ele me abraçou, começou a me beijar. Fiquei muda, não conseguia dizer uma palavra. Ele falava algumas coisas ao meu ouvido, e eu tremia totalmente. Ele me estuprou ali, na sala da minha mãe. Foi horrível. Depois disso, emudeci, adoeci, perdi o ano na escola, fugia dele, até que uns dois anos depois, quando ele e minha mãe se separaram eu tive coragem de contar a ela. Tinha medo que ela não entendesse, mas já não suportava o peso. Ela quis denunciá-lo, mas alguns parentes acharam melhor não, iriam me expor. Isso já tem dez anos, mas ainda dói muito” (Maria Clara  Benjamin, 25 anos, enfermeira).



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