Diga-me com quem andas...
... E te irei quem és! Dito popular bastante conhecido, a afirmativa traz-nos implicitamente a ideia de que, por vivermos em grupos, os comportamentos, hábitos e posturas destes grupos acabam por determinar também o nosso próprio comportamento. Difícil encontrar argumentos para discordar deste fato, bastando para isso observarmos as situações mais comuns do dia a dia para concluirmos quão acertado é o ditado: adolescentes que se vestem, se comportam e falam o mesmo dialeto, executivos de uma empresa ao se apresentarem em público; especialistas em vinhos ao comentarem suas descobertas... A lista é extensa, e não quero cansar meus queridos leitores e leitoras, que possivelmente já devem ter refletido sobre os grupos dos quais participam. Que fique claro, isso não é nenhum demérito; eu mesmo faço parte de inúmeros grupos: professores, colunistas, autores, planejadores financeiros, corredores de rua, dentre outros.
Bem, e onde aparece o problema a ponto de eu dedicar o artigo de hoje ao tema? Ganha uma carteirinha de sócio fundador do Clube dos Gastadores quem já percebeu que vou tratar dos impactos que este tipo de comportamento pode – não necessariamente ocorre – em nosso orçamento. Citarei dois casos reais (nomes fictícios) sem, contudo, apontar as distorções – ééé, quero forçar a sua reflexão –, que ficará para o final do texto.
(1) O corredor de rua: Como citei em parágrafo anterior, tenho por hábito participar de corridas de rua, tão populares hoje em dia, transformando manhãs de domingo em ensolaradas confraternizações. Mas, engana-se quem ache que se trata de um lazer gratuito, pois, na média, para se inscrever e ter direito à camiseta, energéticos, água pelo caminho e medalha para os que concluem a prova, paga-se aproximadamente R$ 140 por evento. Além disso, não custa lembrar que pelo menos um tênis apropriado para corridas você precisará ter, com preços que variam entre R$ 150 a mais de R$1.000. Para bolsos mais recheados, há ainda o relógio com GPS e controle do batimento cardíaco, óculos, viseiras, shorts, meias, suporte para telefones, e muitos outros; a conta pode ser cara! Pois bem, um conhecido meu, o Bruno, que trabalha como auxiliar administrativo em uma empresa e participa destes eventos – disse-me que a empresa o estimula pagando sua inscrição – estava todo-todo com o tênis-último-tipo recém adquirido em 6 parcelas de R$ 199... sem juros... Bom negócio, não?
(2) O pequeno empresário: Rafael tem um pequeno negócio ligado à prestação de serviços que lhe garante uma boa renda ao final de cada mês. Como acredita no papel que a educação tem na formação do indivíduo, matriculou seu único filho em uma escola tradicionalíssima carioca, cujas mensalidades ficavam muito além do razoável para seu orçamento, algo próximo dos 25%. Vale pelos relacionamentos que meu filho terá, alegava Rafael, o que de certo modo é verdade pois, convivendo com crianças vindas de famílias bem abastadas, possivelmente no futuro teria maior facilidade no mercado de trabalho, não é mesmo?
Os casos reais citados mostram exemplos de pessoas que tentaram pular alguns degraus em sua condição financeira para imitar padrões de consumo acima do que poderiam:
(1) Bruno, ao assumir uma prestação correspondente a quase 10% de seu salário para um consumo de fim de semana, no mínimo teve que apertar o cinto em outras despesas decerto mais essenciais. Não custa lembrar que para pessoas com renda mais modesta, o peso da alimentação, transporte e outras despesas do dia a dia tende a ser muito expressivo quando comparados a de pessoas de renda mais folgada. Em uma outra corrida que o encontrei, queixou-se longamente que sua vida estava toda enrolada, sem capacidade de pagamento para honrar compromissos usuais.
(2) Rafael subestimou os demais custos que seu filho passou a exigir para efetivamente fazer parte do grupo dos amigos da escola: viagens para fora todo ano, videogames de último tipo, roupas e assessórios de grife, e por aí vai. E, diante da impossibilidade de bancar tais despesas, a única alternativa que lhe sobrou foi transferir o filho para outra escola mais de acordo com o seu padrão-de-vida, com todos os inconvenientes que tal atitude acarreta: readaptação, ressocialização com novos amigos que já estavam juntos antes, perda de um ano letivo na transferência por conta de diferentes programas curriculares.
Conclusão: Usufruir das boas coisas da vida é algo que todos queremos, sem exceção. Pode até mesmo servir de estímulo para procurarmos melhores colocações profissionais, investirmos com mais sabedoria ou pouparmos para, em um momento futuro, conseguirmos chegar lá. O equívoco está em queimarmos as etapas necessárias para que estes sonhos se realizem e, consequentemente, acabarem por se tornar verdadeiros pesadelos. Nunca é demais estarmos atentos a todos os fatos!
Um grande abraço e até a próxima semana!
Graduado em Engenharia Civil (UFRJ), teve experiência profissional construída marcadamente na área financeira, iniciada na Controladoria do Grupo Exxon Foi professor no Grupo Ibmec lecionando disciplinas da área financeira (Matemática Financeira, Estatística, Finanças Corporativas, Gestão de Portfolios, dentre outras)
Paralelamente a estas atribuições, passou a assinar uma coluna semanal sobre Finanças Pessoais no jornal O Globo, tendo a oportunidade de esclarecer as principais dúvidas dos leitores sobre orçamento pessoal, dívidas, aposentadoria, financiamento imobiliário e investimentos. O sucesso atingido pela coluna proporcionou inúmeras participações em palestras, comentários na mídia escrita e televisiva, além da publicação de outros sete livros tratando o tema.
Após obter a certificação de planejador financeiro (CFP® Certified Financial Planner) associou-se à BR Advisors, grupo especializado em soluções financeiras.