*Márcio Andrade
Um dos grandes sonhos da maioria dos brasileiros é a compra da casa própria, imaginário criado e incorporado por muito de nós e que cativa nossa atenção a cada oportunidade de se adquirir o tão desejado imóvel.
Prática bastante comum em território nacional é a venda de imóveis na planta, momento em que a construtora concebe a ideia e a propaga aos interessados. Portanto, tecnicamente, o que há é uma promessa de compra e venda, uma perspectiva de que, quando o imóvel estiver pronto, haverá, de fato, a venda ao promitente comprador.
O contrato de promessa de compra e venda figura como uma forma de garantir segurança, tanto à empresa construtora quanto vinculação do promitente comprador aos termos contratuais, quanto a este, que firmado a promessa terá certo e mantido os valores e condições de pagamento. Por tanto, o contrato preliminarmente firmado entre construtor e comprador deve conter todo conteúdo presente àquele futuro contrato de compra e venda que será realizado quando da construção total do imóvel.
Firmado o primeiro contrato de promessa de compra e venda a construtora, caso não insira cláusula de arrependimento, deverá estipular prazo para a conclusão das obras, podendo, o comprador, cobrar da empreiteira a entrega do imóvel no tempo estipulado – Art. 463 do Código Civil – sob pena de multa e eventuais danos morais e lucros cessantes, a seguir explicados.
O prazo para a construção do imóvel varia muito, a depender de vários fatores como a dimensão da empreitada, o local onde está sendo construída a obra, de fatores de logística, naturais, etc, mas sempre construtora deverá estipular prazo para entrega da obra e um período de carência, lapso este em que o comprador deverá aguardar por um novo prazo a entrega do imóvel adquirido.
Carência
O período de carência pode ser definido como o tempo “extra” que a construtora possui – além daquele estipulado para a entrega do imóvel – para finalizar as obras, desde que haja justa razão para tanto, isto é, desde que existam motivos plausíveis para a extensão do prazo de entrega como, por exemplo, atraso do fornecimento de materiais estruturais, chuvas muito fortes que causaram sérios atrasos nas obras, forte crise econômica, dentre outras razões que, obrigatoriamente, devem ser justificadas e apresentadas a todos os promitentes compradores. É o que juridicamente se chama de cláusula rebus sic stantibus ou, em termos mais acessíveis, a teoria da imprevisibilidade.
Geralmente, pelos contratos de promessa de compra e venda analisados cotidianamente, o prazo de carência estipulado pelas construtoras gravita em torno de 180 dias além daquele previsto para entrega da obra, mas pode varias conforme as dimensões do empreendimento e os outros diversos fatores apresentados.
Todavia, uma das principais dores de cabeça enfrentadas pelos consumidores é o atraso, além do período de carência, da entrega do estabelecimento gerando forte dúvidas ao consumidor em saber quais são os direitos que podem ser pleiteados quando a construtora usurpa o prazo de carência estipulado no contrato.
Quais são seus direitos?
Ao atrasar a obra além do período de carência, o consumidor goza de prerrogativas que podem ser cobradas diretamente à construtora ou, caso essa venha a negar – ou aceitar em termos de irrisória expressão –, perante a justiça.
Mas, quais são os direitos que o consumidor, nessa situação, poderá pleitear?
- Danos morais:
Talvez um dos danos mais difíceis de ser reparado é aquele sofrido no interior de cada um, o dano moral é decidido conforme cada caso concreto, mas, de forma generalizada, pode-se afirmar que a demora imoderada da entrega do tão querido imóvel, é motivo hábil para que se configure danos morais ao consumidor, haja vista que, via de regra, o imóvel próprio é um dos maiores sonhos da maioria da população brasileira.
Aqui vale ressaltar que todo dano moral deve ser analisado em cada caso concreto, não podendo ser generalizado.
Outro ponto importante é que a maioria dos julgados dos tribunais nacionais tem como entendimento preponderante que o atraso na entrega do imóvel além do prazo de carência seria mero aborrecimento não autorizando compensação por danos morais, mas isso é perfeitamente discutível em cada demanda judicial, conforme os casos concretos.
- Multas Contratuais:
A maioria dos contratos é abusivo neste quesito, isto por que as multas geralmente são atribuídas somente aos consumidores pelo atraso no pagamento das parcelas ou pela rescisão contratual, o que, por força do princípio do equilíbrio contratual não deve ser aceito.
Por essa razão, sempre que o contrato contiver cláusulas que estabeleçam multa somente ao consumidor este mesmo encargo deverá ser extensivo à construtora, obedecendo ao equilíbrio contratual.
Assim, quando a construtora atrasar injustificadamente a entrega do empreendimento os consumidores fazem jus ao pagamento da multa contratual, nos mesmos termos estabelecidos no contrato ao consumidor que atrase o pagamento dos valores acertados.
- Lucros cessantes:
Este é um tópico que merece bastante atenção do leitor, pois os lucros cessantes variam conforme cada caso e merecem análise minuciosa de todas as partes.
Os lucros cessantes podem ser definidos como todo valor pecuniário – financeiro – que se deixou de ganhar com o atraso da entrega da obra.
Acredito que a melhor forma de explica a situação é com um exemplo simples, mas que retrata a essência do instituto. Imaginemos o seguinte caso, um dentista adquire uma sala, “na planta”, em determinado empreendimento empresarial, o prazo de entrega da construção era de 2 anos com período de carência de 180 dias, todavia, a construtora somente entrega o edifício 2 anos após o término do período de carência ficando o consumidor sem o imóvel e sem poder exercer seu trabalho na forma como planejara. No presente uma possível forma para calcular que poderíamos fazer para poder mensurar o montante indenizatório seria a multiplicação do salário mensal médio de um dentista naquelas condições pela quantidade de meses de atraso que a construtora levou para entregar a obra.
Vale dizer que os lucros cessantes podem ser calculados de formas diversas, dependendo dos casos concretos, sendo o exemplo acima mero meio de esclarecer a problemática posta.
- Danos materiais
Além daquelas, falamos sobre os danos materiais sofridos com o atraso da entrega do imóvel. Aqui definimos esse conceito como todo dinheiro gasto em detrimento do atraso da obra e que estejam estritamente vinculados ao acontecimento.
Da mesma forma, preferimos utilizar de exemplos para clarificar os conceitos.
Imaginem que uma pessoa compra um apartamento na planta, mas a construtora atrasa um ano além do período de carência e, durante este período o consumidor teve de alugar apartamento para residir com sua família, este, por sua vez, com valor de aluguel de R$ 1.000,00 ao mês, nesse caso, semelhante aos lucros cessantes, haveria a necessidade de multiplicação do valor referente aos aluguéis pelos meses de atraso da obra.
- Rescisão contratual
Por fim, medida extrema é a possibilidade de rescisão contratual e devolução integral dos valores pagos, já que o objeto contratual, com a demora imoderada por parte da construtora, gera, indiretamente, a quebra contratual por parte desta e, a partir disto, a desobrigação do consumidor em permanecer nessa relação abusiva.
Neste caso, 100% do valor pago deverá ser devolvido ao consumidor, além dos danos morais, lucros cessantes e danos materiais que porventura vierem a ocorrer.
Esses são, de forma simples e acessível, os direitos dos consumidores que comprarem imóvel na planta e foram vítimas de atraso por parte das construtoras.
*Graduado em Direito pelo Centro Universitário CESMAC e aprovado na Ordem dos Advogados do Brasil.
*Publicado originalmente em 31.03.2018
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