*Gustavo Karuse
Foi-se o tempo em que economia e ecologia tinham, em comum, apenas, a origem etimológica grega “oikos”, a casa, “nomos”, a norma, e “logos”, o estudo da casa. Ledo engano.
A emergência da questão ecológica produziu um impacto sobre a humanidade, em todas as dimensões, e desmontou a noção clássica de progresso segundo a qual crescer economicamente é sempre um bem e que os recursos naturais em abundância atenderiam às necessidades e à cobiça incontida do ser humano.
Em contraponto à grandiosa afluência material, juntaram-se dois enormes passivos: o ambiental, revelado pela agonia dos recursos naturais; o social, expresso nos vergonhosos indicadores da desigualdade de renda.
A grande lição ainda não aprendida: a natureza tornou-se assustadoramente escassa. Em “O contrato Natural”, Michel Serres foi certeiro: “O que está em risco é a Terra em sua totalidade e os homens em seu conjunto. A história global entra na natureza e a natureza global entra na história: isto é inédito”.
A partir da Conferência de Estocolmo sobre o Ambiento Humano (1972), o tema tornou-se definitivamente global e incorporado à agenda internacional. Com a suspeita original de que um novo colonialismo iria submeter os países pobres aos países ricos. Estavam semeadas a radicalização ideológica e a polarização política bem ao gosto do Brasil atual.
A catástrofe estava à vista: os ricos devoraram o meio ambiente, por ganância, e se comprometiam a uma reparação nem sempre sincera; o pobres comiam o meio ambiente por necessidade. O falso dilema era entre a oportunidade de crescer sem degradar o meio ambiente ou permanecer na pobreza já que a árvore se tornara mais importante do que a chaminé.
Foi assim que o tema assumiu centralidade global, porém, preocupação periférica dos governos. Um verdadeiro suplício para os gestores da área diante de pressões imediatas versus a ética de respeito intergeracional. Sofriam de solidão política. O futuro não fala.
O Brasil sempre foi olhado como um potencial protagonista ambiental. A Rio 92 foi emblemática. Não por conta dos apelos ufanistas, mas pelo que o mundo conhece do patrimônio natural brasileiro, sobretudo pela Amazônia. Lembro que, nos fóruns internacionais, adotava-se um silêncio respeitoso quando se anunciava a fala do Ministro da Amazônia Legal.
De outra parte, houve grandes avanços na cooperação internacional e na governança nacional, equipada com marcos regulatórios relevantes, instrumentos de comando e controle tecnologicamente eficientes e uma crescente noção do que chamo de ecocidadania.
No entanto, o atual governo trata o meio ambiente como se ele fosse inimigo do desenvolvimento (sustentável, para mim, é pleonasmo). A questão é grave, porque palavras e gestos de desapreço demonstram o negacionismo conceitual, visão superada na sociedade, na academia, entre economistas de vários matizes e o empresariado. Restam precários instrumentos de comando e controle, reiteradamente enfraquecidos. A retirada da proteção dos manguezais e restingas é uma agressão abominável aos berçários da fauna marinha é um exemplo.. Como a imagem do Brasil é um ativo e, cada vez mais, os processos da cadeia de produção são limpos, o exigente mercado global tem argumentos suficientes para dificultar nosso comércio exterior.
Na academia, foram Nicholas Georgescu-Roegen, Herman Daly e seus seguidores, entre os quais destaco o presidente de honra da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, Clóvis Cavalcanti, que, utilizando a arma de diálogo como argumento celebraram a relação entre a economia dominante e a economia ambiental, como preferem alguns.
Recentemente, o espaço de convergência do diálogo ECO-ECO resultou numa carta de 17 ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central, sob a coordenação do Instituto Clima e sociedade, a caminho da descarbonização; os três maiores bancos privados do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander, divulgaram um plano integrado para contribuir com a conservação da Floresta Amazônica; sob o título “Concertação”, mais de uma centena lideranças de diversos segmentos defendem a ampliação do consenso sobre o desafio da Amazônia.
A propósito, os ex-Ministros do Meio Ambiente divulgaram documento com expressiva conclusão: “Reafirmamos que o Brasil não pode desembarcar do mundo em pleno século XXI. Mais do que isso, é preciso evitar que o país desembarque de si próprio”.
Se a sociedade contemporânea emite sua voz, vale recorrer à lúcida antevisão de José Bonifácio, o Patriarca da Independência, no belo artigo do Professor José Augusto Pádua na Revista Brasileira de Ciências Sociais (out/2000): “ A Natureza fez tudo ao nosso favor, nós porém pouco ou nada temos feito a favor da Natureza […] Como pois se atreve o homem a destruir, em um momento e sem reflexão, a obra que a Natureza formou em séculos, dirigida pelo melhor conselho? Quem o autorizou para renunciar a tantos e tão importantes benefícios? A ignorância, sem dúvida”.
*Gustavo Krause, 74 anos, é advogado. Foi secretário da Fazenda de Pernambuco, prefeito do Recife, vice-governador e governador de Pernambuco (complementando o mandato de Roberto Magalhães), deputado federal, ministro da Fazenda e ministro do Meio Ambiente.
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