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Agora no Painel Novo procedimento em Lula já estava previsto após cirurgia, diz equipe
20/06/2022 às 12h40

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O assassinato de uma especialidade médica

 Hemerson Casado


Em 1986, quando uma tia minha precisou ser submetida a uma cirurgia de ponte safena, eu já estava no terceiro ano de medicina e ela pediu que eu assistisse ao procedimento cirúrgico. Então fui falar com o poderoso Dr.Wanderley, que naquela época já era um expoente da cirurgia cardíaca brasileira e eu, um reles acadêmico de medicina. Eu o abordei nos corredores da Santa Casa de Maceió e ele, de forma muito amistosa, consentiu que eu assistisse a cirurgia da minha tia. Fiquei encantado com a atmosfera da sala, com os equipamentos e com a dinâmica da cirurgia, o que me fez decidir seguir aquela especialidade. 

Naquela época, a Santa Casa era de misericórdia AINDA. O serviço que o Dr. Gilvan, Dr. Wanderley montaram, em 1978, permitiu que os alagoanos não tivessem só o aeroporto como o melhor médico. E o serviço que era chamado de IDC - instituto de doenças cardiovasculares - era uma potência no Brasil, não só em cirurgia cardiovascular, mas em cardiologia clínica, hemodinâmica, Uti cardíaca, unidade coronariana, exames cardiológicos e principalmente o ensino. As residências em cardiologia clínica, ecocardiograma, hemodinâmica e a cirurgia cardiovascular, cujo primeiro residente fui eu, formaram grandes profissionais que hoje atuam em Alagoas e em outros estados do país. Tinha-se uma remuneração satisfatória dos procedimentos e dos profissionais, também fruto da luta política e da sociedade brasileira de cirurgia cardiovascular e da sociedade brasileira de cardiologia clínica e hemodinâmica.

Eu presenciei muitos feitos pioneiros, como a primeira angioplastia, o primeiro stent comum, o primeiro stent revestido com drogas, a primeira ablação, os primeiros marca passo, os primeiros cardiodiodesfibriladores implantáveis, a primeira ressicronizaçao cardíaca pelo Dr. Edvaldo Xavier, inúmeros avanços na UTI cardiáca, como o primeiro balão intra-aortico, as punções de veias central, de artérias, e as monitorizações das pressões, o primeiro uso de nitroglicerina, que é uma droga comum hoje em dia.

E na cirurgia cardiovascular, aí que foram muitas as contribuições. Eu cansei de receber cirurgiões brasileiros e estrangeiros que vinham aprender ou ensinar novas técnicas cirúrgicas. O momento mais importante, foi quando chegou o dia do primeiro transplante cardíaco, foi surreal. Eu participei de tudo, um ápice na minha carreira. Existia paixão, tesão, amor em tudo que era feito. Havia respeito pelos pacientes. Não importava o grau social e a situação financeira. E isso acontecia em todo Brasil, não só aqui em Maceió. Quando algum médico encaminhava um paciente com um problema cardíaco e resultava em cirurgia, ficávamos muito honrados. 

Com o tempo, os valores foram mudando, a paixão foi mornando, não havia mais tesão, foi passando, o respeito pelo paciente do SUS desapareceu, o Ministério da Saúde não foi renovando as tabelas de procedimentos e de materiais, órteses e próteses, os gestores municipais e estaduais perderam o senso de urgência para as patologias cardiovasculares, e os gestores de hospitais privados, que prestam serviços para o SUS, se viram com as mãos atadas,  sem fechar as suas contas, se vendo obrigados a reduzir o número de leitos e procedimentos do SUS, e hoje é uma ofensa você encaminhar um paciente do Sistema Único de Saúde. 

Eu não tinha a dimensão do problema, até que no ano passado eu recebi a graça de Deus, da deputada estadual Fátima Canuto e do prefeito do Pilar, Renato filho, de assumir uma vaga de cardiologista por telemedicina, e então puder ver como está a situação, a dificuldade que é encaminhar um paciente para cirurgia. É constrangedor, pois eu sei que os cirurgiões cardiovasculares, que são meus amigos, vão aceitar o paciente, pois são conscientes do quadro clínico, mas vão colocar o paciente em uma fila de espera sem saber quando vai poder operar essa pessoa, pois os hospitais são obrigados a limitar o número de cirurgias porque o recurso acaba e não tem como operar mais e muitos pacientes morrem na fila de espera. De quem é a culpa afinal do assassinato de uma especialidade tão nobre e com uma história tão rica de heróis e de heróis que se seguiram?

* Médico cardiologista, presidente do Instituto Hemerson Casado


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