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09/08/2024 às 19h50

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Há uma luz fim do túnel. Qual luz? (Des)caminhos e horizontes do novo ensino médio


Prof. Dr. Cícero Bezerra da Silva*

Darcy Ribeiro, educador, antropólogo e político brasileiro, em célebre fala, alertou que “a crise da educação no Brasil não é uma crise: é projeto”. Esse projeto, a meu ver, tem se acentuado nos últimos anos, sobretudo nas escolas da educação básica, considerada a implantação do famigerado Novo Ensino Médio (NEM).

A escola, não custa lembrar, é o “chão” da produção dos saberes e de racionalidades múltiplas (teórico-conceitual, profissional, cultural, ambiental, social...). É, ainda, o receptáculo de distintas realidades e contextos sociais em que se congregam o uno e o múltiplo às carências e perspectivas locais e globais. Os anseios sociais e profissionais convergem para a escola, para os docentes e nos inserem no cenário de produção de um devir que tem ficado cada vez mais distante.

Transformar vidas por e a partir da educação e de um projeto pedagogicamente alinhado às demandas sociais e de formação crítica, eis o papel da escola. Esse horizonte, porém, tem permanecido distante. Dizem: Há uma luz no final do túnel. Indagamos: Qual luz? Quem é o guia da luz e a quem este serve? Aqui, por limitação de espaço e tempo, não terei a condição necessária para responder a estas questões e, igualmente, digo que não tenho respostas para tal. Enquanto educador, me ponho a refletir e a suscitar outras tantas reflexões.

No ano de 2016, quando da ocasião da apresentação do NEM, este parecia ser a tal luz. O (des)caminho estava sendo posto, de cima para baixo, sem diálogo e debates com quem faz a educação, por força de decreto governamental e, na sequência, a implementação da Lei nº 13.415/2017, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estabeleceu a mudança na estrutura do ensino médio. O discurso foi sedutor e agradável aos ouvidos de muitos. Na prática, quando do início da implementação, sentimos o amargor do projeto do NEM que é, por extensão, um projeto de país.

As propostas de mudanças no currículo não acompanharam a devida necessidade orçamentária, não foram consideras as demandas estruturais das escolas e não foi buscado diálogo direto com professores e alunos. O Novo Ensino Médio, assim sendo, se configurou em instrumento de aprofundamento das desigualdades sociais, sucateamento da escola pública e sobrecarga de professores e alunos. Estas são algumas das múltiplas faces da “luz” que de nós (educadores e alunos) se distanciou. 

Após sentir no “chão” da escola o amargor e o distanciamento da claridade, surgiram diversos movimentos em prol da suspensão da implementação do NEM.  Disso resultou o PL n. 5.230/2023,protocolado em maio de 2023 no Congresso Nacional, e que o escopo centrou-se na redução dos impactos da  Lei nº 13.415/2017, destacando-se: retomada das 2.400 horas de formação geral básica; formação geral obrigatoriamente de forma presencial; obrigatoriedade das quatro áreas de conhecimento com seus componentes curriculares (Língua Portuguesa e suas Literaturas; Língua Inglesa; Língua Espanhola; Arte; Educação Física; Matemática; História; Geografia, Sociologia e Filosofia; e Física, Química e Biologia); revogação da autorização para profissionais sem formação adequada atuarem na docência no Ensino Médio e, ainda, a oferta de Língua Espanhola.

Isso posto, já em 2024, a Câmara Federal enviou ao presidente da República a nova reformulação do ensino médio, a qual foi sancionada (Lei Nº 14.945, de 31 de Julho de 2024) considerando a formação geral básica e os itinerários formativos, observando a carga horária mínima obrigatória de 2400 e 600 horas de itinerários formativos.  A referida carga horária deve ser efetivada pela mediação e integração da Base Nacional Comum Curricular e da parte diversificada.

Considera-se, agora, a objetivação do conhecimento, conforme as diretrizes do Conselho Nacional de Educação, em que se específica o cumprimento obrigatório e integral de:

I - Linguagens e suas tecnologias, integrada pela língua portuguesa e suas literaturas, língua inglesa, artes e educação física;

II - Matemática e suas tecnologias;

III - ciências da natureza e suas tecnologias, integrada por biologia, física e química;

IV - Ciências humanas e sociais aplicadas, integrada por filosofia, geografia, história e sociologia.

Quanto às linguagens, fica posto que o currículo do ensino médio poderá ofertar aos educandos outras línguas estrangeiras para além do inglês, com preferência para o espanhol, não havendo obrigatoriedade.

Quanto a implementação, 2025 demarcará o início da estruturação aprovada, considerando os estudantes da 1ª série; em 2026 e 2027 as mudanças serão estendidas aos alunos das 2ª e 3ª séries, respectivamente.

Essa reformulação é, pois, um instrumento da tal luz que estava no ostracismo...

É plausível lembrar que essa proposta (a luz) de mudança não nos chegou gratuita. É o resultado de muitas lutas, paralisações, greves e debates. Não é por conveniência de um ou outro governo. É resultado de ações coletivas, de movimentos que se movimentam na sala de aula, nas ruas, nas praças, nas universidades.  

E a luz? Ainda não a encontramos. É necessário ter prudência para que a busca pela mudança não nos chegue pelo averso.

A nós, que fazemos de nossas vidas um exercício constate de ensinar e aprender, cabe o dever de estarmos policiados, atentos aos movimentos e possíveis retrocessos. Igualmente, é fundamental se opor aos (des)caminhos que nos afastam da luz - que é a própria função social da escola – e que impedem o ato de esperançar (no sentido freiriano).


*Doutor em Geografia  - Universidade Federal de Sergipe

Graduado em Geografia -  Universidade Estadual de Alagoas (UNEAL/Campus III)

 Especialista em Ensino de Geografia - Universidade Cândido Mendes


Referências

ARENDT, H. Entre o passado e o Futuro. Tradução Mauro W. Barbosa. 5. ed. São Paulo: Perspectiva, 2005.

BRASIL. Medida Provisória nº 746, de 22 de setembro de 2016. Institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral, altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.  Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 set 2016. Seção 1, p. 1.

Ribeiro, Darcy. Educação como Prioridade. Global Editora e Distribuidora Ltda, 2018.


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