Alagoas é um estado singular em todas suas peculiaridades, das belezas naturais ao legado cultural, nenhum outro lugar se compara a estas terras. Não à toa, Alagoas abriga a maior diversidade de manifestações culturais. Com 206 anos de história, a terra dos folguedos e danças guarda um patrimônio composto por 29 diferentes manifestações tradicionais e únicas, como o Guerreiro, o Mané do Rosário, o Coco de Roda, a Chegança, a Taieira e o Pastoril. Essas expressões são um reflexo da essência alagoana, que mistura alegria, tradição, e resistência, formando a alma e o coração do povo.
Desde tempos imemoriais, Alagoas tem sido um celeiro de cultura popular, onde as tradições se perpetuam, transmitidas de geração em geração. Nas celebrações de rua, nas festas de padroeiro e nos festivais culturais, as músicas, danças e cores dos folguedos dominam o cenário.
Para o manifestante cultural, João Lemos, as danças e folguedos alagoanos são o que dão forma à alma do povo.
"[Somos] Um povo sobretudo festeiro e povo sobretudo aberto ao diálogo, ao encontro, a festa, a brincadeira, o sentimento de brincar está muito forte na formação cultural do Brasil e particularmente em Alagoas não foge a regra. Então para a gente aqui tudo isso que envolve a festa é fundamental para a formação do povo alagoano. Todo alagoano é guerreiro por natureza e eu digo isso direto porque toda Alagoano tem um pouquinho da bravura da nossa cultura popular presente no dia a dia e na sua formação", comentou.
O Guerreiro é uma das manifestações mais emblemáticas de Alagoas, surgida entre 1927 e 1929. O folguedo é conhecido por seus trajes multicoloridos e chapéus que remetem a Igrejas, Palácios e Catedrais, simbolizando a longevidade cultural do estado. Em 2019, o Guerreiro foi reconhecido pelo Governo de Alagoas como Patrimônio Imaterial.
A Mestra Iraci, reconhecida como Patrimônio Vivo de Alagoas em 2017, começou sua jornada no Guerreiro aos 8 anos e há mais de 30 anos é Mestra dessa manifestação cultural. Para ela, o folguedo se tornou uma parte essencial de sua vida. "Desde meus 8 anos danço no Guerreiro e nunca passei um ano sem dançar. Me criei dentro do Guerreiro; casei dentro do Guerreiro; tive meus filhos, netos e bisnetos, tudo dentro do Guerreiro. Me orgulho de ser Mestra de Guerreiro e Patrimônio Vivo porque é de onde vivo e é disso que vivo", conta Mestra Iraci.
O Coca de Roda ou Coco Alagoano é uma das mais antigas danças populares pertencentes ao estado. De origem africana, filiada ao batuque angolano-conguense, o ritmo nasceu na zona fronteiriça entre Alagoas e Pernambuco, nas serras ocupadas pelo Quilombo dos Palmares, em meados do século XVIII. O ritmo é caracterizado por sua dança cantada e pela batida dos pés.
A Mestra Zeca do Coco, reconhecida como Mãe do Coco de Alagoas e Mestra do Patrimônio Vivo em 2015, carrega em suas veias as raízes da manifestação. Bisneta de Mestres do Coco, segundo ela, desde a barriga sua mãe estava dançando o Coco.
"Essa é a manifestação cultural mais antiga de Alagoas. Na minha família, eu já sou a quarta geração de dançantes. Se eu me estender, eu passo o dia todinho falando da história do coco e não termino. Eu falo porque vi na minha família, eu cresci vendo, o coco tá em tudo. Já tenho 69 anos de percurso, mas me sinto com 20, porque onde me chamam, e eu puder ir, eu vou. É nossa história, não pode morrer, é tradição", falou.
Outra manifestação única é o Mané do Rosário. De origem lendária, o folguedo surgiu no ano de 1762 no povoado Poxim em Coruripe. Conhecido por seus véus e rodopios, a manifestação encanta junto com sua banda que percorre a cidade. Os responsáveis por reviver o legado das andanças do folguedo pelo estado foram os familiares da Mestra Maria Benedita, carinhosamente chamada de Mestra Traíra e denominada Patrimônio Vivo de Alagoas em 2006, que herdou de sua avó o título de Mané de Rosário.
"O título pertenceu a minha avó, Mestra Josefa, mas antes foi da minha bisavó, da minha tataravó e assim por diante, aí depois chegou a mim. Desde os meus 7 anos eu venho vivendo no Mané do Rosário. Eu faço de tudo para ter minhas dançarinas comigo. E eu só abandono o Mané quando eu morrer", definiu a Mestra Traíra.
O Pastoril é o folguedo mais conhecido e difundido de Alagoas, com raízes nos autos portugueses antigos. Dividido em dois grupos, azul e encarnado, a manifestação é caracterizada por seus trajes vibrantes e pela união de gerações apaixonadas pelas tradicionais cantigas. Em quase todos municípios alagoanos existe um grupo de pastoril unindo diversas gerações e amor pelas históricas cantigas, que enfatiza todo legado da dança no estado.
Um dos grandes nomes do pastoril alagoano é Mestra Bertulina, declarada Patrimônio Vivo de Alagoas em 2014. Apaixonada pelo folclore alagoano, há quase 30 anos formou seu grupo de pastoril e só parou por um problema de saúde que a impediu de continuar. "Por achar o pastoril muito bonito, resolvi criar aqui no povoado de Riacho Velho um grupo, em 1991. Eu costurava, fazia as roupas, era muito trabalho para mim, mas eu sempre gostei das danças folclóricas, como gosto até hoje. Se tivesse em condições de saúde, continuaria com meu pastoril. Hoje fico muito alegre quando vejo algum grupo brincar por aqui, é isso que me anima", contou emotiva a Mestra.
Patrimônio Vivo
O Registro do Patrimônio Vivo de Alagoas (RPV - AL), criado pela Lei Estadual Nº 6513/05 e posteriormente alterado pela Lei Nº 7.172, é um dos pilares no fomento e preservação da cultura alagoana. Desde sua implementação em 2005, essa iniciativa do Governo de Alagoas, através da Secretaria de Estado da Cultura e Economia Criativa de Alagoas (Secult), tem se dedicado a reconhecer e valorizar indivíduos que são verdadeiros guardiões das práticas culturais tradicionais e populares do estado.
O RPV nomeia aqueles que detêm conhecimentos e técnicas essenciais para a manutenção e transmissão das diversas formas de expressão cultural de Alagoas, incluindo folguedos e danças, literatura, gastronomia, música e artesanato. Este registro não apenas homenageia esses mestres, mas também assegura que suas habilidades e saberes sejam preservados e transmitidos às futuras gerações.
Para Cícero Farias, técnico da Secult e pesquisador cultural com mais de 39 anos de dedicação às manifestações culturais, o registro representa um marco fundamental na preservação e valorização das tradições culturais de Alagoas.
"Esta lei é o que dá valor, respeito e reconhecimento aos nossos mestres da cultura popular. Ela incentiva nossos mestres a passar a diante nossa cultura. São eles quem têm o dom do saber, do fazer e da criação. As memórias deles são os verdadeiros artigos históricos. Preservar é uma obrigação, um compromisso, e responsabilidade de todo alagoano, devemos apoiar todos, do menor folguedo ao mais populoso", destacou o pesquisador.
A secretária de Estado da Cultura e Economia Criativa, Mellina Freitas, reforça a importância da preservação e do apoio contínuo aos Mestres do Patrimônio Vivo.
"O Registro do Patrimônio Vivo de Alagoas é uma das nossas mais importantes iniciativas para garantir que as tradições culturais alagoanas sejam preservadas e valorizadas. A lei que criou o registro é um testemunho do nosso compromisso com a cultura, pois reconhece a importância dos mestres que mantêm vivas nossas tradições e saberes. Eles são verdadeiros tesouros culturais, e é nossa responsabilidade apoiar e valorizar seu trabalho, garantindo que a cultura alagoana continue a prosperar e a inspirar as novas gerações", ressalta.
Investimentos
Sob a liderança do governador Paulo Dantas, o Governo de Alagoas tem reafirmado seu compromisso com o fortalecimento e valorização da cultura, investindo de forma consistente em ações que incentivam as manifestações culturais e preservam as tradições do estado. Entre 2022 e 2024, foram destinados cerca de 12 milhões de reais para editais, eventos e chamamentos públicos que fomentam a cultura popular do Estado. Além disso, o Estado tem apoiado ativamente grupos culturais para preservar tradições e, ao mesmo tempo, estimular setores como a economia e o turismo.
Em março deste ano, o governador sancionou a Lei Nº 693/2023, que oficializou o Festival do Bumba-Meu-Boi, um evento com mais de 20 anos de tradição que atrai admiradores de todo o país, no calendário oficial do Estado de Alagoas.
A secretária de Estado da Cultura e Economia Criativa de Alagoas, Mellina Freitas, destacou o papel que as tradições culturais desempenham no fortalecimento da identidade alagoana.
"Estamos comprometidos em apoiar nossos folguedos, manifestações culturais, danças, mestres e grupos culturais, não apenas garantindo que as tradições sejam mantidas vivas, mas também incentivando o crescimento e a inovação cultural que ajudam a promover Alagoas no cenário nacional e internacional", afirmou a secretária.
Ela ainda ressaltou a importância da participação popular na preservação dessas manifestações.
"A preservação das nossas manifestações culturais é uma tarefa que vai além das ações institucionais e dos reconhecimentos formais. É essencial que a participação da população também desempenhe um papel ativo nesse processo. Cada um de nós pode contribuir para a continuidade das tradições alagoanas, seja participando dos eventos culturais, conhecendo e valorizando nossos mestres e suas histórias, ou simplesmente transmitindo o amor pela nossa cultura para as próximas gerações. A cultura é uma construção coletiva, e seu fortalecimento depende do engajamento e do orgulho de todos os alagoanos", destacou Mellina.
Fonte: Ascom Secult