Redação com Assessoria
O Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (Ciamp Rua) reconheceu, final de julho passado, Maceió como a cidade brasileira que mais incluiu famílias com esta condição no Programa Minha Casa Minha Vida. A capital alagoana alcançou o destaque por meio de uma política de habitação que tem como prioridade garantir uma moradia digna e permanente para quem vive na rua, em condição de vulnerabilidade.
Pelos dados da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Territorial e Meio Ambiente (Sedet), somente no biênio 2015-2017, 117 famílias foram transferidas para uma unidade habitacional do Minha Casa Minha Vida. Os moradores de rua foram direcionados para residenciais como o Caetés, Rio Novo, Morada do Planalto, Maceió I e Jorge Quintella, todos construídos e entregues na atual gestão do prefeito Rui Palmeira.
A Prefeitura de Maceió monitora permanentemente os moradores de rua, por meio de ações da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), com o consultório na rua e o Centro de Atenção Psicossocial para Álcool e Drogas (Caps AD), da Secretaria Municipal de Assistência Social por meio Albergue e do Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), informa a Secom do município.
Também no mês passado, foi lançado pela Prefeitura Municipal o Guia de Serviços para a Cidadania da População em Situação de Rua. A publicação – que é uma iniciativa do Ministério dos Direitos Humanos, e foi construído em parceria com o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Municipal para População em Situação de Rua em Maceió – faz uma compilação de todos os serviços disponíveis e dos direitos das pessoas que moram nas ruas da capital.
Em agosto do ano passado, Painel Alagoas foi às ruas da capital para conhecer de perto a realidade vivida pelos seus moradores. Apesar das ações do Poder Público que são conduzidas especificamente para essa população, o cenário ainda é estarrecedor. É possível avistar essas pessoas nas praças, na orla, embaixo de marquises, sempre carregando nos ombros e nas mãos a sua própria moradia, além de um coração praticamente já sem vida.
São crianças, adolescentes, idosos, homens e mulheres de todas as idades. Cada qual, guardando em si uma história de desestrutura familiar, de violência doméstica, de rejeição, de dependência química, tudo isso traduzido no sentimento de liberdade que a rua parece oferecer, em troca de nada. De nada, mesmo?! Só em 2009 foram assassinadas em Maceió 36 pessoas que moravam nas ruas, e é alto o índice de doenças entre eles como HIV, DST, problemas mentais e dependência química, e outras.
Segundo a Fraternidade Casa de Ranquines, que de terça à sexta-feira disponibiliza diariamente cerca de 200 refeições, entre café da manhã e almoço para quem mora nas ruas, 89% dessa população é dependente de drogas. Em 2014, dados da Secretaria Municipal de Assistência Social de Maceió apontavam que 30% desses moradores são crianças e jovens de 0 a 17 anos de idade. Hoje, o poder público municipal tem uma estrutura para atender, acolher, orientar e reinserir essas pessoas na família e na sociedade.
São dois abrigos, um albergue, uma casa de passagem, seis equipes de abordagem social e dois centros de referência especializados, através da Secretaria Municipal de Assistência Social, além do programa Consultório na Rua, numa parceria entre a Secretaria Municipal de Saúde e o Ministério da Saúde, voltados exclusivamente para quem vive situação de vulnerabilidade nas ruas da capital. Paralelo a isso, há ongs e movimentos em defesa e proteção dessas pessoas, assim como a atuação do Ministério Público Estadual na cobrança para que os direitos delas sejam cumpridos.
Casa de Passagem Familiar, um lar temporário
Através da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), a Prefeitura de Maceió mantém na Ladeira da Catedral, no Centro da cidade, uma Casa de Passagem para famílias moradoras de rua. Andréia Gondim, coordenadora do local, informa que o objetivo é reinserir essas pessoas na família e o tempo de cada uma no local gira em torno de 90 dias, período que a Semas prevê ser suficiente para esse trabalho.
São dez quartos, um refeitório, lavanderias, banheiros e uma área para confraternização, além de uma equipe de apoio, formada por oito educadores (dia e noite), dois psicólogos, dois assistentes sociais, um administrativo, duas pessoas para serviços gerais, um porteiro, e uma recepcionista. Há três refeições por dia, com regras de convivência e hora para chegar. “Eles saem para fazer bicos, são livres, mas devem retornar até às 18h”, explica a coordenadora.
Essas famílias são indicadas pelas triagens da abordagem social e dos centros pops e engana-se quem pensa que é algo como uma “colônia de férias”. Enquanto estão lá, a equipe da Casa busca suas famílias, tenta resgatar essas pessoas à sociedade, cuida da saúde delas, há atividades de interação e recreação, e Andréia garante que tem dado resultados. Algumas são encaminhadas ao aluguel social e depois para os planos habitacionais do município.
Quem vive nas ruas, não se acostuma fácil a um lar, conta Andréia. Algumas dessas pessoas têm se negado a lavar as próprias roupas, preferindo jogá-las fora, como é natural no ambiente em que vive pelas praças e calçadas. “É um aprendizado”, aponta a coordenadora, citando que as rivalidades das ruas também são trazidas por essas famílias. “Durante 90 dias, a gente aposta num renascimento”, enfatiza. E assegura: “Temos obtido resultados positivos”.
Nas ruas, atendimento à saúde - Em parceria com o Ministério da Saúde, a Prefeitura de Maceió mantém na Secretaria Municipal de Saúde o programa Consultório na Rua, com 41 profissionais divididos em três equipes pelo dia e três equipes à noite, de segunda à sexta-feira. As equipes abordam os moradores de rua e também são procuradas por eles. São cerca de mil atendimentos/mês e uma mesma pessoa pode ser atendida várias vezes. As equipes vão até as áreas onde é mais visível a presença dessa população. Os problemas mais comuns são doenças de pele, problemas mentais, DST, drogas”, elenca a coordenadora.
A secretária municipal de Assistência Social, Celyane Rocha, resume o que motiva as pessoas a morar nas ruas: a liberdade, ou seja, a total falta de regras, mas também contabiliza as vitórias do trabalho do município na reinserção dessas pessoas às famílias. Em 2017, a secretária informa que 55 famílias que passaram pela Casa de Passagem, já estão em seus próprios imóveis, beneficiadas pelo Programa Habitacional da Prefeitura de Maceió. “Temos conseguido também levar muita gente de volta à família”, festeja Celyane.
“Antes havia por parte do poder público uma política assistencialista, hoje não. Hoje fazemos um trabalho de resgate da autonomia deles, onde a reinserção se torne um fator de dignidade, de cidadania, e não de filantropia”, defende. As internações de dependentes químicos, a volta à família, a ida à Casa da Passagem e até mesmo o acolhimento em albergues e centros pops só acontecem de forma espontânea por parte das pessoas que moram nas ruas.
“Sou um sobrevivente”
A.D.N, 42 anos de idade, é mais um na estatística de moradores de rua de Maceió. Saiu da casa da família, no bairro de bebedouro, há quase 30 anos, e nunca mais voltou ou viu algum parente. Tem vivido basicamente no centro da cidade, dormido nas bancas das praças ou embaixo das marquises de lojas, vestindo o que ganha, se alimentando na Casa de Ranquines ou de esmolas, e altamente dependente de álcool. Já experimentou drogas, até fumou crack, mas o que lhe faz “literalmente a cabeça” é uma boa pinga.
As mãos tremem até que ele possa ingerir alguma dose de álcool, como ele próprio confessa: “quando eu beber uma, passa”. Não consegue mais se lembrar da família. “Esqueci o rosto da minha mãe”, revela. Saiu de casa ainda criança, talvez com 12, ou 13 anos de idade. “Já estava dependente da cachaça”, conta A.D.N, que não possui nenhum documento, apresenta feridas nas pernas e nas mãos, e sua única esperança é a de “morrer em paz”.
A.D.N vivia com a mãe, o padrasto e dois irmãos, numa casa pequena em Bebedouro. Lá mesmo, com outros adolescentes, bebia escondido da família e tomou gosto pelo vício. “Bebia porque não suportava ver minha mãe apanhar do meu padrasto, porque ele batia muito em mim e em meus irmãos, e porque embriagado eu esquecia a vida miserável que levava”, conta. “Até que um dia meu padrasto me expulsou de casa e acabei na rua. Não saí mais”, diz, com tristeza.
Havia uma avó, umas tias, mas ele não procurou ninguém. “Vi que na rua eu seria livre e aqui fiquei”, justifica, mas, afirma que a situação de risco em que vive não lhe parece, há muitos anos, com a liberdade do início de sua adolescência. “Não tenho nenhum sentimento, nem medo, nem alegria, muito menos amor”, acrescenta. “Sou um sobrevivente”, define-se. “Quando tenho fome, sei onde tem comida, quando quero beber, sempre acho quem pague meu vício”, fala, sobre sua sobrevivência.
Ao fim da entrevista, A.D.N pediu que não tirasse foto dele e nem revelasse seu nome. “Sou um Zé ninguém, quero continuar assim”, explica. Com uma mochila velha, de cor preta nas costas, calçando um chinelo maior do que os seus pés, camisa rasgada no ombro e uma barba já pintada de branco, ele caminha pelas ruas do centro a buscar alguém que se comova e lhe dê alguns trocados. Sempre acha quem lhe estenda, nas mãos, algumas moedas. E assim segue, puro sobrevivente de uma história de dor.
Fonte: Painel Alagoas