Por Dora Nunes, de Milão
O Coronavírus redesenhou o cotidiano de milhões de pessoas em todo o mundo e a tecnologia deu mais sentido e melhorou a qualidade dos dias nos quais estivemos "isolados" em nossas casas. Ela possibilitou que a arte e a cultura estivessem também presentes e tornando mais fácil os duros momentos de incertezas sobre o novo mundo que surgia. Muito além das "lives" que reaproximou familiares e amigos, foi possível assistir aos nossos artistas prediletos cantando dentro de nossas salas, e também conhecer acervos, coleções de arte e espetáculos mais famosos e belos do mundo, disponibilizados online por diversas organizações culturais, tais como teatros, museus e galerias.
A quarentena passou (espera-se que seja definitivo) e a Itália, assim como outras nações européias, reabriu seus museus para a visitação física, mas ainda sob o regime da "liberdade vigiada". Desde maio, para visitar museus no país, deve-se seguir uma lista de recomendações de seguranca e higiene, que inclui usar máscaras, higienizantes, comprar bilhetes online, ascender aos locais com hora e tempo de visita pré-determinados, entre outros itens que formam o que se chama por aqui de ¨vademecum¨ da visitação pública.
Pensando no verão italiano, quente até para os padrões tropicais, a Prefeitura de Milão está oferecendo vários eventos, mas tudo revisitado por causa do Covid 19. Para preencher as noites, quando o sol já não castiga tanto, apesar de permanecer até por volta das 21 hs, estão sendo reaproveitados espaços abertos que oferecem divertimento para quem estava há tanto tempo trancado em casa. São eles arenas de verão, drive-ins e cinema nas ¨cascinas¨ - velhas fazendas transformadas em B&B, entrepostos de alimentos bio e restaurantes caseiros. As atividades ao ar livre dão a sensacão de maior seguranca contra a propagação do vírus.
Museu de novidades
Os cinemas também reabrem em condições bastante limitadas, reduzindo o espaço das salas com a exigência de um metro de distância entre as pessoas, imposta pela emergência sanitária. É a arte respondendo à pandemia com alguns lampejos de "inovação". antigos drive-ins, ressurgem romanticamente chamados de "cinema all´aperto", permitindo ao público ver filmes sob a luz das estrelas, no conforto do carro, com a segurança de estar em espaço não contaminado (alguns ainda não se sentem bem em frequentar lugares fechados com desconhecidos) e principalmente atendendo à premissa básica da arte em si: acolher quem vem em busca de relax.
Entre as iniciativas, destaco a da Cineteca di Milano, que está levando cinema itinerante projetado a partir de um velho furgão. É a ressurreição do histórico CineMobile Fiat 618, um furgão construído em 1936 e que foi utilizado para campanhas de propragandas do regime fascista na periferia das cidades. Após a guerra, o veículo permaneceu por vinte anos com o serviço de informações da Presidência do Conselho da República Italiana. De acordo com a Cineteca, desde 1996 pertence ao Governo da Lombardia que o restaurou em 2000. De 2016 prá cá faz parte do MIC, Museo Interattivo do Cinema di Milano.
De 8 de julho até 26 de agosto, o mítico CineMobile Fiat 618, por meio do projeto CineMobileSummer Tour 2020 projeta filmes com o formato de ¨O Cinema em 50 minutos¨ em parques, praças, centro culturais, e até nos cortiços de Milão e redondezas. A intenção é reviver a magia do cinema como antigamente, em sua proposta pública, aberta e coletiva. São projeções especiais gratuitas, a céu aberto e respeitando as normas vigentes da emergência sanitária. É possível solicitar a projeção para cada local com 3 dias de antecendência no site da Cineteca.
Interatividade
¨O Cinema em 50 minutos¨ passeia pela história do cinema desde os Irmãos Lumière aos pioneiros Georges Méliès e Luca Comerio; do mundo estrelado das divas às primeiras animações, finalizando cada apresentação com um curtametragem ¨surpresa¨. Atravessando décadas, modas e mudanças do imaginário coletivo, o público é convidado a participar mais ativamente das projeções por meio de quiz, comentários, histórias e sugestões.
Matteo Pavesi, diretor da Fundação Cineteca Italiana de Milão disse que a intenção do projeto é a reaproximação com o público. Ele afirma que ¨fazia falta o relacionamento direto com o público e agora queremos reconstruir a participação e compartilhamento típico do espetáculo¨. De acordo com Pavesi, ¨o CineMobile pode ser um mecanismo que aproxima as pessoas em uma idéia de cinema pouco institucional¨. O patrocínio do projeto é do Banco Intesa Sanpaolo Assicura, Fondazione Cariplo e também de doações privadas por meio de um crowdfunding (coleta de fundos) lançado em junho. Todo o material projetado pertence ao arquivo da Fundação.
Uma curiosidade: a Cineteca aconselha ao público trazer de casa, além de sua própria cadeira desmontável, repelente para mosquitos, uma praga que assola Milão a cada verão.
Fonte: Painel Alagoas