Por Felipe Camelo
Eita, que editar matéria estando tão envolvido com a pauta é bem difícil. Mas vamos lá, respirar, suspirar profundamente e me inspirar, afinal, falar em inspiração quando penso em Vera Arruda é até redundante. Assim como fica repetitivo dizer que ela é linda, talentosa, ousada, gentil, humilde, divertida, inteligente... Falo É, nesse tempo do verbo Ser porque Vera segue sendo, viva.
Comprovadamente o mundo é redondo, e dá voltas, ininterruptamente. E a cada volta, ciclo se encerra e novo se inicia. Saber ser feliz, escrever linda história de vida, deixar ensinamentos e os melhores exemplos é o sentido real da existência.
Outro dia, numa reunião de trabalho com Mirna Porto e ativo time do 2º projeto Renda-se, revi documentário produzido pela equipe da Alagoas Trend House em 2012, o que me deixou bem sensível, passando longa-metragem de todos os momentos vividos e divididos com Vera, na memória e no coração. Ela, que nasceu em 9 de julho de 1966 em Palmeira dos Índios, recebeu nome do tamanho do ser humano que cresceria daquela menina fofíssima, Vera Ìtala Leão Rego de Arruda. Também em julho, dia 30, encerrando sua breve passagem por esse plano, partiu em 30 de julho de 2004, aos 38 anos. Plena, feliz, produtiva, ativa. Leve.
Minhas lembranças não seguem ordem cronológica.
Lembrei do icônico vestido de franjas reproduzindo a bandeira brasileira, e que resgatou o patriotismo, e amor ao Brasil nos anos 90, numa nova imagem do país depois da ditadura militar e sua bélica tragédia nada nacionalista. Lembro que esse Vestido Brasil, criado por ela e confeccionado por Fernando Perdigão, foi a imagem da abertura da Semana Brasileira de Moda de Nova York, e escolhido como a "melhor peça de moda em 1998".
Lembrei do sucessaço de seu desfile no Phytoervas Fashion também em 1998, quando foi escolhida "A melhor estilista do evento", 2º Wikipedia.
Lembre de sua incredulidade e felicidade quando foi convidada para se graduar no prestigiadérrimo Studio Berçot em Paris.
Lembrei de seu casamento com Miltinho Pradines, num casarão antigo no Farol, reunindo parentes e os amigos + chegados. Noite feliz, no sentido + amplo. Lembrei que, no apartamento deles, Vera usou grades de caminhão na decoração, como suporte das cortinas. Sua louça, era mistura de várias coleções de pratos, numa profusão de estampas.
Lembrei também de quando voltei para Maceió depois de anos no Rio e em São Paulo, e fotografei as 1ªs peças "profissionais" de Vera, que se lançava como estilista, ela que desde pequena, sempre desenhou suas próprias roupas. Também era meu 1º trabalho "profissional" em minha terra, assim como também de Alina Amaral, amiga jornalista que iniciava carreira como consultora de estilo e editora de moda. Rindo aqui lembrando que usamos faróis de carros para dar o clima nas fotos, num fim de tarde, na praia da Avenida em Jaraguá.
Lembrei de quando a hospedei em São Paulo pela 1ª vez, e "batemos muitas pernas" por São Paulo, comprando aviamentos, e elementos para suas criações. Ela, que misturava tecidos nobres com tecidos para decoração, missangas, flores de plástico, correntes de metal, bijouterias e jóias, rendas, penas, bicos, babados, estampas de animais com floridas chitas, listras, bolas e xadrez. Lembro que os vendedores ficavam doidos com ela, já que Vera fugia totalmente do tipo "Estilista comprando tradicionais aviamentos''.
Lembrei quando fiz produção e assistência do fotógrafo e amigo Reynaldo Gama Jr. com superensaio de Vera Arruda, num estúdio da Editora Abril, e numa produção' top-less' com mini-saia de correntes e fitas, Vera posou usando meu coturno tamanho 41, bem maior que seu 36. Coisas de Vera.
Lembrei de 1 das vezes que Vera se hospedou comigo, e eu tinha Tara, minha boxer maravilhosa. Precisei sair, deixando as 2 em casa. Se davam bem mas Vera era mignon e Tara, enorme e brincalhona. Cheguei de madrugada, Tara solta no apartamento, a porta do quarto de Vera aberta e a do banheiro, fechada. Chamei por ela, que confessou ter saído do quarto, e como Tara ficou pulando em cima dela, querendo interagir, acabou entrando na 1ª porta que viu, a do wc,. Passou a chave, e aproveitou para ler trocentas revistas e livros que eu tinha lá. Ficou horas trancada, tranquila. Essa era Vera.
Lembrei da ansiedade no voo para Salvador, com Kza Vasconcelos, amigo batizado Carlos Alberto, e que Vera rebatizou como Kzalberto, que virou Kza. Até hoje. A cerimônia do casamento com João Araújo foi no badalado Pier Adelaide. A Baía de Todos os Santos como perfeito cenário, atrás de enorme cortina de trocentas fitas inspiradas nas do Senhor do Bonfim, onde líamos "Vera <3 João João <3 Vera". Ela apareceu incorporada em singela Yemanjá, numa luxuosa versão da Rainha do Mar e das Águas. O vestido e a tiara, obras de arte. A Bahia parou. Dessa união, nasceu Maria João, linda, tímida e discreta, que estuda Medicina. Dias tão incríveis que Kza e eu perdemos o voo de volta. Felizes da Vida.
Lembrei da gente numa loja de 2 irmãos árabes na 25 de março em São Paulo. Vera fazia a velhinha dupla subir em altíssimas escadas para pegar empoeiradas caixas onde guardavam broches, fivelas, correntes, cintos, coroas, chapéus, lenços, anéis, pulseiras, pedras... que estavam lá esquecidas, "fora da moda", que ninguém comprava. Eu, gargalhava diante da incredulidade deles com aquela incomum e linda mulher nordestina que só queria o que ninguém queria. Vera ficou cliente fiel e amiga deles. Ela que nunca seguiu tendências. "Quero fazer Deusas. Mulheres tem que ser lindas, únicas, felizes. E diferentes', me dizia ela, Vera.
Lembre dela comprando 2 plaquinhas dessas de indicar ruas e números de prédios, de metal, para acrescentar em suas criações. Vera comprou 2 iguais, escrito "Marginal". Olhou pra mim e disse "somos", ficou com 1 e me deu a outra. Tenho até hoje.
Lembrei d'um carnaval em Olinda, com Miltinho, Rosane, Kza, Flavius e Rogério. Não sei de que ano, mas sei que suas produções roubavam a cena ladeiras acima e abaixo. Blocos se viravam, quando ela passava. Na noite em que Vera vestiu e incorporou a "Mulher Maravilha", com corda dourada e tudo +. ela lacrou, trancou, fechou geral. E com cara de quem não estava fazendo nada d+. Trompetes e clarinetes perderam o tom diante daquele ser. Olinda parou e só sobraram as ladeiras, Vera Arruda, seus encantos e seus superpoderes.
Lembrei de aniversário no meu apartamento na Ponta Verde, com uns 10 amigos cantando "parabéns pra você" em torno do bolo de chocolate com 1 foto 3x4 de Vera num pequeno porta-retrato do Mickey. Só ela não foi, morava em São Paulo, e mesmo assim, comemoramos. Na época, não tinha celular nem 'selfies', então, mandamos as fotos da festa pra ela, pelos Correios. Reações, claro.
Lembrei e consegui 1 cartão personalíssimo que Vera criou e mandou para nosso amigo Vinicius Palmeira, comprovando gentileza, carinho e atenção.
Lembrei de como meu coração apertou e acelerou quando me contou que estava "dodói", e que era bem sério. "Vai terminar tudo bem", me disse tranquila. Arrepiado aqui, agora, sentindo.
Já escrevi, disse e publiquei que vejo Vera como Marilyn Monroe, Lady Di, Amy Winehouse, que viveram intensamente, marcaram suas breves existências e partiram. De repente, foram logo pra voltar logo. Creio que é eterno quando marca, e essas 4, seguem além da eternidade.
Lembrei que levei Vera pra conhecer a Massivo, boite LGBTQI IA+ que atraía todos os gêneros, inclusive HTs. No alto de 1 escada, a porta de 1 gaiola enorme, literalmente em cima da pista. Chamei-a pra irmos ao mezanino e quando Vera passou na frente da tal porta, empurrei-a levemente e fechei a grade. Dentro, 4 gogo-boys dançando. Quando viram Vera, exuberantemente linda, os strippers piraram, assim como o povo que parou de dançar pra olhar pra cima pra ver a performance deles em torno de minha amiga, que surpresa e incrédula, entrou no clima, interagiu. Fora da gaiola, o assédio em Vera foi tão grande que fomos embora. Literalmente rindo por toda Bela Cintra até chegarmos em casa. Demoramos pra dormir, rindo horrores.
Lembrei de seu velório e sepultamento, numa verdadeira festa, ode à vida, com músicas, e cores, muitas cores. inclusive seu caixão, pintado azul turquesa e coberto de pedrarias, fitas, flores e correntes. Assim foi Vera.
Vera, veríssima, de verdade, verdadeira. Viva Vera, viva Vera Arruda, que fez história e virou Corredor. Cultural!!!
Fonte: Painel Alagoas