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19/07/2021 às 06h30

Geral

Bela Vera Bela

Por Felipe Camelo

Eita, que editar matéria es­tando tão envolvido com a pauta é bem difícil. Mas vamos lá, respirar, suspirar profundamente e me inspirar, afinal, falar em inspi­ra­ção quando penso em Vera Arruda é até redundante. Assim como fica re­pe­titivo dizer que ela é linda, ta­len­to­sa, ousada, gentil, humilde, di­vertida, inteligente... Falo É, nesse tempo do ver­bo Ser porque Vera segue sendo, viva. 

Comprovadamente o mundo é re­dondo, e dá voltas, ininterruptamen­­te. E a cada volta, ciclo se en­cer­ra e novo se inicia. Saber ser fe­liz, es­crever linda história de vida, deixar ensinamentos e os melhores exem­plos é o sentido real da existência. 

Outro dia, numa reunião de tra­balho com Mirna Porto e ativo time do 2º projeto Renda-se, revi documentário produzido pela equi­pe da Alagoas Trend House em 2012, o que me dei­xou bem sen­sível, passando longa-me­tra­gem de todos os momentos vi­vidos e di­vididos com Vera, na me­mória e no coração. Ela, que nasceu em 9 de julho de 1966 em Palmeira dos Índios, recebeu nome do ta­ma­nho do ser humano que cresceria da­quela menina fofíssima, Vera Ìtala Le­ão Rego de Arruda. Também em ju­lho, dia 30, encerrando sua breve pas­sagem por esse plano, partiu em 30 de julho de 2004, aos 38 anos. Plena, feliz, produtiva, ativa. Leve.

Minhas lembranças não se­guem ordem cronológica. 

Lembrei do icônico vestido de franjas reproduzindo a bandeira bra­sileira, e que resgatou o patriotismo, e amor ao Brasil nos anos 90, numa nova imagem do país depois da ditadura militar e sua bélica tra­gédia nada nacionalista. Lembro que esse Vestido Brasil, criado por ela e con­feccionado por Fernando Perdigão, foi a imagem da abertura da Semana Brasileira de Moda de Nova York, e escolhido como a "melhor peça de moda em 1998".

Lembrei do sucessaço de seu des­file no Phytoervas Fashion tam­bém em 1998, quando foi escolhida "A melhor estilista do evento", 2º Wikipedia. 

Lembre de sua incredulidade e felicidade quando foi convidada para se graduar no prestigiadérrimo Studio Berçot em Paris. 

Lembrei de seu casamento com Miltinho Pradines, num casarão antigo no Farol, reunindo parentes e os amigos + chegados. Noite feliz, no sen­tido + amplo. Lembrei que, no apartamento deles, Vera usou grades de caminhão na decoração, como suporte das cortinas. Sua louça, era mistura de várias co­leções de pratos, numa profusão de estampas. 

Lembrei também de quando vol­tei para Maceió depois de anos no Rio e em São Paulo, e fotografei as 1ªs peças "profissionais" de Vera, que se lançava como estilista, ela que desde pequena, sempre de­senhou suas pró­prias roupas. Tam­bém era meu 1º tra­balho "profissional" em minha terra, assim como também de Alina Ama­ral, amiga jor­nalista que iniciava car­reira como consultora de estilo e edi­tora de moda. Rindo aqui lembrando que usamos faróis de carros para dar o clima nas fotos, num fim de tarde, na praia da Avenida em Jaraguá. 

Lembrei de quando a hospedei em São Paulo pela 1ª vez, e "ba­temos muitas pernas" por São Pau­lo, com­pran­do aviamentos, e ele­mentos para suas criações. Ela, que misturava tecidos nobres com te­cidos para decoração, missangas, flores de plástico, correntes de me­tal, bijouterias e jóias, rendas, penas, bicos, ba­bados, estampas de animais com flo­ridas chitas, lis­tras, bolas e xadrez. Lembro que os vendedores ficavam doidos com ela, já que Vera fugia totalmente do tipo "Estilista comprando tradicionais aviamentos''.

Lembrei quando fiz produção e assistência do fotógrafo e amigo Rey­naldo Gama Jr. com superensaio de Vera Arruda, num estúdio da Edi­tora Abril, e numa produção' top-less' com mini-saia de correntes e fitas, Vera posou usando meu co­turno tamanho 41, bem maior que seu 36. Coisas de Vera. 

Lembrei de 1 das vezes que Vera se hospedou comigo, e eu ti­nha Tara, minha boxer maravilhosa. Precisei sair, deixando as 2 em casa. Se da­vam bem mas Vera era mignon e Tara, enorme e brincalhona. Cheguei de madrugada, Tara solta no apartamento, a porta do quarto de Vera aber­ta e a do ba­nheiro, fechada. Cha­mei por ela, que confessou ter saído do quarto, e como Tara ficou pulando em cima dela, querendo interagir, aca­bou entrando na 1ª porta que viu, a do wc,. Passou a chave, e aproveitou para ler trocentas revistas e livros que eu tinha lá. Ficou horas trancada,  tranquila. Essa era Vera. 

Lembrei da ansiedade no voo para Salvador, com Kza Vascon­celos, amigo batizado Carlos Al­berto, e que Vera rebatizou como Kzalberto, que virou Kza. Até hoje. A cerimônia do casamento com João Araújo foi no badalado Pier Ade­lai­de. A Baía de Todos os Santos como perfeito cenário, atrás de enorme cortina de trocentas fitas inspiradas nas do Senhor do Bonfim, onde líamos "Vera <3 João João <3 Vera". Ela apareceu incorporada em sin­gela Yemanjá, numa luxuosa versão da Rainha do Mar e das Águas. O vestido e a tiara, obras de arte. A Bahia parou. Dessa união, nasceu Maria João, linda,  tímida e discreta, que estuda Medicina.  Dias tão in­críveis que Kza e eu perdemos o voo de volta. Felizes da Vida.

Lembrei da gente numa loja de 2 irmãos árabes na 25 de março em São Paulo. Vera fazia a velhinha du­pla subir em altíssimas escadas pa­ra pegar empoeiradas caixas onde guardavam broches, fivelas, cor­ren­tes, cintos, coroas, chapéus, lenços, anéis, pulseiras, pedras... que es­ta­vam lá esquecidas, "fora da moda", que ninguém comprava. Eu, gar­galhava diante da incredulidade de­les com aquela  incomum e linda mu­lher nordestina que só queria o que ninguém queria. Vera ficou cliente fiel e amiga deles. Ela que nunca seguiu tendências. "Quero fazer Deusas. Mulheres tem que ser lindas, únicas, felizes. E diferentes', me dizia ela, Vera. 

Lembre dela comprando 2 pla­quinhas dessas de indicar ruas e nú­meros de prédios, de metal, para acres­centar em suas criações. Vera com­prou 2 iguais, escrito "Marginal". Olhou pra mim e disse "so­mos", ficou com 1 e me deu a outra. Tenho até hoje. 

Lembrei d'um carnaval em Olin­da, com Miltinho, Rosane, Kza, Flavius e Rogério. Não sei de que ano, mas sei que suas produções roubavam a cena ladeiras acima e abaixo. Blocos se viravam, quando ela passava. Na noite em que Vera vestiu e incorporou a "Mulher Ma­ravilha", com corda dou­rada e tudo  +. ela lacrou, trancou, fechou geral. E com cara de quem não estava fa­zendo nada d+. Trom­petes e cla­rinetes perderam o tom diante da­quele ser. Olinda parou e só so­bra­ram as ladeiras, Vera Arruda, seus encantos e seus superpoderes.

Lembrei de aniversário no meu apartamento na Ponta Verde, com uns 10 amigos cantando "parabéns pra você" em torno do bolo de cho­colate com 1 foto 3x4 de Vera num pequeno porta-retrato do Mickey. Só ela não foi, morava em São Paulo, e mesmo assim, comemoramos. Na época, não tinha celular nem 'selfies', então, mandamos as fotos da festa pra ela, pelos Correios. Reações, claro. 

Lembrei e consegui 1 cartão per­sonalíssimo que Vera criou e mandou para nosso amigo Vinicius Palmeira, comprovando gentileza, carinho e atenção. 

Lembrei de como meu coração apertou e acelerou quando me contou que estava "dodói", e que era bem sério. "Vai terminar tudo bem", me disse tranquila. Arrepiado aqui, agora, sentindo.

Já escrevi, disse e publiquei que vejo Vera como Marilyn Monroe, Lady Di, Amy Winehouse, que viveram intensamente, marcaram suas breves existências e partiram. De repente, foram logo pra voltar logo. Creio que é eterno quando marca, e essas 4, seguem além da eternidade. 

Lembrei que levei Vera pra co­nhecer a  Massivo, boite LGBTQI IA+ que atraía todos os gêneros, inclusive HTs. No alto de 1 escada, a porta de 1 gaiola enorme, literalmente em cima da pista. Chamei-a pra irmos ao mezanino e quando Vera passou na frente da tal porta, empurrei-a levemente e fechei a gra­de. Dentro, 4 gogo-boys dan­çando. Quando viram Vera, exuberantemente linda, os strippers pi­ra­ram, assim como o povo que parou de dançar pra olhar pra cima pra ver a performance deles em torno de minha amiga, que surpresa e in­crédula, entrou no clima, interagiu. Fora da gaiola, o assédio em Vera foi tão grande que fomos embora. Lite­ralmente rindo por toda Bela Cintra até chegarmos em casa. Demoramos pra dormir, rindo horrores. 

Lembrei de seu velório e sepul­tamento, numa verdadeira festa, ode à vida, com músicas, e cores, muitas cores. inclusive seu caixão, pintado azul turquesa e coberto de pedrarias, fitas, flores e correntes. Assim foi Vera. 

Vera, veríssima, de verdade, ver­dadeira. Viva Vera, viva Vera  Arruda, que fez história e virou Corredor. Cultural!!!


Fonte: Painel Alagoas

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