Por Felipe Camelo
Confesso que, desde criança, vivo em constante ligação com o Meio Ambiente, incluindo fauna e flora. A vida me levou pra muitas cidades mundo afora mas meus momentos aqui na terra de minha família materna sempre foram os + marcantes e consequentemente inesquecíveis.
Principalmente pelo contacto com animais soltos, vivendo livres. Como umas enormes tartarugas, e os peixes-boi, que provocavam alvoroço quando apareciam, principalmente por serem mamíferos aquáticos. Crianças, não entendíamos e isso nos encantava ainda +.
Enormes e dóceis, com muita carne e gordura, até sua pele era cobiçada, e utilizada em inúmeros produtos, principalmente no período do Brasil colonial, quando se iniciou a caça desordenada, predatória, já que eles são facilmente capturados e não demorou a espécie ser tristemente 1 das + ameaçados de extinção no Brasil.
Assim, em 2009, reunindo os Ministérios Públicos Federal e Estadual, as prefeituras de Porto de Pedras e São Miguel dos Milagres, a APA (Área de Proteção Ambiental) Costa dos Corais, o Centro de Mamíferos Aquáticos e algumas unidades do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, foi criada a Associação Peixe-boi, para preservar a espécie. Foi a “luz no túnel”.
Especificamente aqui no rio Tatuamunha, onde inúmeras nascentes d’água doce alimentam o rio oferecendo abundância do precioso líquido, garantindo o perfeito habitat, tanto que foi montado incrível estrutura que proporciona o maior conforto, mantendo todas as características de ambiente natural, com nativa vegetação de mangue, garantindo segurança, principalmente, já que alguns não sobreviveriam soltos na natureza. Outros, passam por período de adaptação, para serem posteriormente libertos mas devidamente monitorados por equipamentos de alta tecnologia.
Desde então, venho acompanhando o incansável trabalho da Associação presidida por Flávia Rêgo, portopedrense que, desde pequena, sempre foi encantada pelos peixes-boi e já sabia que dedicaria a vida na defesa destes animais que chegam aos 500 kgs, herbívoros, que precisam por as narinas para fora d’água para respirar. Mesmo vivendo também em água salgada ou salobra, se hidratam com litros e litros de água doce.
Por estas características diferentes de todas as outras espécies aquáticas, chamou atenção de Flávia, que se graduou em Biologia e não se vê n’outra função que não seja preservar a natureza, especialmente os animais que nadam, mamam quando bebês e se alimentam de plantas quando adultos. Nos cercados, cordas de alface e rúcula não faltam, já que eles comem, em média diária, 10% de seu peso. Esta paixão de Flávia envolve toda a sua família, inclusive marido, filhos, além de amigos, todos acabaram assumindo também esta luta.
Diversos fatores agravam os riscos que estes especiais animais enfrentam, como a absurda poluição das águas, como o incredível descarte de lixo, tanto que a Associação está sempre envolvida em ações de limpeza de praias e rios. O que alivia é que a caça foi proibida por lei federal, mas mesmo assim, eles seguem ameaçados de extinção.
1 das preocupações da Associação quando foi criada era ordenar o turismo de observação, envolvendo as pessoas da comunidade, compartilhando com elas o compromisso e a preocupação em defender a espécie.
Tanto que muitos dos associados eram pescadores, abraçaram a causa e até hoje transportam curiosos turistas, que chegam com muita vontade de saber + e ver o + perto possível como eles vivem no santuário. Apenas 70 por dia, que se comprometem e prometem silêncio durante o passeio, para não perturbar o sossego dos fofos habitantes dos cercados. Como o casal carioca Luiz Alberto & Rosária Dias, e os capixabas Patrícia & Reinaldo Batista, que se confessaram encantados com tudo, principalmente com os cuidados que os animais recebem dos membros da Associação, como os guias que dominam o tema e compartilham precisas informações. Angelina, por exemplo, que destaca a importância da coletiva conscientização sobre a preservação ambiental.
Atualmente a Associação agrega 43 integrantes, das + variadas formações, incluindo analfabetos com conhecimento empírico, nato, que dominam a prática da pesca e sabem tudo de maré, mangue, rio, peixes, sol, lua… até acadêmicos graduados com títulos e vasto conhecimento técnico, cujos saberes se complementam, formando verdadeira cadeia de informações, que garantem total domínio no trato com os animais, mas o + incrível, são eles, os peixes-boi, quem ditam as regras, já que, por + sapiência e sabedoria que a equipe tenha, são os mamíferos aquáticos quem ditam as regras. São irracionais, mas surpreendentemente sensíveis e intuitivos. Se comunicam por gritos, e comprovadamente, 1 mãe reconhece seu filhote pelo timbre, pelo tom de seu som. É lindo d+.
E por falar nisso, turbilhão de emoções e sentimentos, reboliço emocional desde que detectaram que Paty estava grávida, depois de algumas cópulas com Raimundo, que já havia sido solto mas, por motivos diversos, acabou de volta ao Tatuamunha.
Aos 8 anos, Paty seria liberta, pronta pra encarar a vida, mas, poucos dias antes da soltura, a surpreendente notícia impediu que ela fosse nadar livre. 1 ano e 1 mês depois, a luz chegou ao cercado que a prefeitura de Porto de Pedras preparou especialmente para a chegada de nova geração, com fecundação e nascimento em cativeiro, fato planetário, inédito e fortemente celebrado. Votação popular e Flori foi “batizada” homenageando dona Flori, 1 das Mestras da Cultura Popular de Alagoas e nativa da região.
Mas, qual surpresa a vida preparou, com o trágico e impensável acidente. Mesmo com todos os ensinamentos que Paty passou pra filha nos 1ºs dias (como mostra a imagem de Paty nadando com Flori no topo do corpo) não impediram que a pequena (sic!) se enganchasse nas raízes do mangue e não conseguisse subir pra respirar. No mesmo grau do mundialmente inédito nascimento pleno de felicidade, o prematuríssimo falecimento se transformou, com vetores invertidos, e profunda tristeza se abateu em todos os que já amavam Flori, e puderam conviver com ela, mesmo que por tão poucos dias. Pouquíssimos.
Mas, em respeito à sábia Natureza, entendimento e consciência da importância da vinda e vida de Flori, que mesmo breve, foi intensa, tornando-a eterna, inesquecível Flori. Está n’outra dimensão e Paty segue abatida, claro, mas muito bem assistida, monitorada e dengada.
Assim, esta coluna é sensivelmente dedicada ao amor ao Meio Ambiente e à Vida, inclusive animal, já que todos precisamos de todos os seres vivos, e da Natureza como 1 todo, para viver. Com certeza, a concepção, a gestação, o nascimento e a morte de Flori não foram em vão. O sentimento geral dos bravos e humanos associados é de total esperança e felicidade, certos de que é sim possível tirar os peixe-boi da extinção, do extermínio. Outros nascerão ali.
Afinal, para sobrevivermos, precisamos a natureza intacta, preservada, plena de si, para que nós humanos, sobrevivamos, dignificando e honrando a literal denominação que nos classifica Humanos. Façamos por merecer.
E viva Flori!!!
Fonte: Painel Alagoas