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25/07/2022 às 08h00

Geral

Ricardo Maia – Uma vida em artepensamento

Karla Melanias

Por Nicollas Serafim / Blog Aqui Acolá

Se a arte existe porque a vida não basta, como afirmou o poeta ma­ranhense Ferreira Gullar, a inquietude de Ricardo Maia revela seus an­seios permanentes de buscar sem­pre algo novo e a mais, além da vida. De desenhista a pintor, pas­sando por pesquisador, crítico, es­critor e pensador, suas inúmeras contribuições o tornaram uma im­portante figura dentro do ecossistema artístico alagoano desde os anos 80. Agora com 60 anos de vida re­cém-completados, o Aqui Acolá ba­teu um papo com Ricardo sobre este período e como estão suas ideias e pensamentos no presente, e de olho (sempre) atento para o futuro. 

 Os primeiros contatos de Ricar­do Maia com esse mundo aconteceram na rua, mais especificamente na rua onde morava, a Barão de Ma­ceió. Tendo como vizinho o suntuoso Teatro Deodoro, era um frequentador assíduo desde criança, o que o fez interessar-se pelo teatro, pin­tura, desenho e música. “Acho que esse clima em que eu vivia injetou essa sensibilidade artística na minha alma e me impregnou até hoje”, lembra. “Isso se deu também atra­vés do convívio com outros moradores da rua, como a pintora Alzira Américo, que me recebia diariamente em seu ateliê, e a pianista Selma Loureiro. Djavan também perambulava por ali, além do poeta Marcos de Farias Costa”. 

 Segundo ele, a música e a dan­ça foram as expressões que menos reverberaram nele. “Sou um eterno amador das artes. Minha trajetória sempre foi de degustação, de ex­perimentação de diferentes linguagens artísticas, como por exemplo: a pintura, a música, o teatro, os livros, a dança e, atualmente, a fotografia e a leitura crítica de literatura e de arte visual alagoanas”, comenta. Através desse processo, ele revela que de­senvolveu, mesmo sem perceber, uma “sensibilidade cinemática”. “Digo assim pois o cinema reúne nele próprio todas as artes, resultando daí um olhar multifocal, de pensamento complexo, de visão de mundo panóptica”. 

 No início dos anos 1980, jun­tou-se com outros artistas como Paulo Caldas, Rosivaldo Reis, Marta Araújo, Maria Amélia Vieira, Dalton Costa, Edgar Bastos, Ednilson Salles, Manoel Viana e Petrúcio França para uma série de reuniões e debates quanto ao presente e ao fu­turo das artes alagoanas. Aí nasceu o Grupo Vivarte, “um modernismo tar­dio particularmente alagoano”. Para eles, o intuito era a criação de um movimento de libertação dos cânones academicistas, dentro da­quele cenário provinciano. “Fruto de uma junção entre a reação à cen­sura que havia nos últimos anos da ditadura com o desejo de modernida­de estética na arte, o grupo per­durou de 1984 a 1985”, comenta. 

 Segundo ele, o Vivarte foi e con­tinuará sendo, na memória coletiva da Maceió-artística, um dispositivo de agenciamento de produção de subjetividades individuais e coletivas bastante singular. “No entanto, é preciso diferenciar Grupo Vivarte de vivartismo”, esclarece. “O Vivarte foi certamente a melhor configuração do vivartismo por ter finalmente con­seguido superar o propalado “ma­logro” da nossa “semana de arte moderna de um só dia” (no comentário crítico de Theo Brandão à época), acontecida em junho 1928 na história do modernismo em Alagoas. Para quem não sabe: naquele ano, criativos alagoanos das artes liderados pelo intelectual Valdemar Cavalcante tentaram reproduzir, em Maceió, a paulista Semana de Arte Moderna de 1922”. 

A partir do final do grupo, Ricardo Maia passou a ser o porta-voz histórico desse movimento e dos frutos que seriam colhidos até hoje oriundos dessa raiz. Por consequência, deixou de lado a vida intensa da pintura e começou a se dedicar inteiramente à pesquisa. Formou-se em Psicologia e atuou em alguns grupos de estudo dentro e fora do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e fez do Vivarte pano de fundo para sua tese de mestrado na PUC em São Paulo em Psicologia Social, além de se tornar fonte para outros pesquisadores. 

Perguntado sobre como seus conhecimentos entre a arte e o social se fundem, ele afirma: “Não me parece que a arte tenha um único e central “papel” na sociedade; mas sim múltiplos e diferentes “papeis”, que sempre variam, em termos de funcionalidade psico-cultural de acordo com as necessidades humanas mais profundas e simbolicamente dinâmicas. E isso a tal ponto não da sociedade se projetar na obra de arte, mas desta última ser, como diz Vigotski, ‘o social em nós’”. 

 Por meio de toda essa bagagem intelectual, Ricardo Maia também passou a atuar como curador de exposições e escrever ensaios e artigos para os jornais da cidade acerca da produção artística maceioense, tornando-lhe uma referência no conhecimento de arte em Maceió. Seu ritmo incessante de ideias, pensamentos e reflexões acerca dos movimentos artísticos em Alagoas já lhe renderam publicações como o livro “Maceyorkinos” com textos e críticas culturais à Maceió artística “glocalizada”, que seria a Maceió não mais provinciana dos anos 1980, mas ainda não global e inserida no cenário artístico internacional; e a organização do “Testemunhos do Vivartismo”, com textos de Lincoln Villas Boas acerca das influências e repercussões do vivartismo na arte alagoana. Sua obra literária ainda conta com outros livros ainda não lançados. “Projetos e planos para o futuro, eu e a imensa maioria dos criativos alagoanos da arte temos bastante, inclusive que já vêm se acumulando há décadas. Mas o que nos falta, quase sempre, é patrocínio: dinheiro, financiamento institucional ou privado. E isso é lamentável”, desabafa. 

Como forma de marcar e comemorar os 60 anos de Ricardo Maia, completados em 16 de abril de 2022, o escritor memorialista pernambucano Gustavo Maia Gomes escreveu o artigo “Anatomista das artes alagoanas”, no qual “oferece uma vista panorâmica da vida e obra. (...) Mais da obra do que da vida. Nele, reúno e organizo informações úteis para uma possível futura biografia do artista e intelectual a quem chamo anatomista das artes alagoanas”, escreve Gustavo. 

 Para ele, o intuito do texto foi uma maneira de registrar a passagem dos 60 anos de Ricardo, fazendo referência, sobretudo, a sua contribuição ao teatro infantil, à pintura e à crítica de artes, além de sua atuação como agitador cultural. “Biografias são um gênero literário que me agrada. Mas não escrevi nada parecido com uma biografia de Ricardo Maia. Quando muito, fiz um esboço de sua trajetória intelectual que poderia ser consultado por um futuro biógrafo”, comenta. 

O texto destaca momentos importantes de sua vida e de sua produção cultural e intelectual, marcando os pontos fundamentais em tópicos como a história de Ricardo na pintura, no teatro, no Grupo Vivarte, nas parcerias como as jornadas culturais chamadas de Cruzadas Plásticas, como agitador cultural, carnavalesco, pensador e ainda suas pequenas incursões no mundo da Ufologia. “Anatomista das artes alagoanas” pode ser conferido no blog Aqui Acolá. 

 “Embora seja, também, um artista, Ricardo tem se dedicado, predominantemente, à crítica. Sua dissertação de mestrado trata do Movimento Vivartista, de que ele foi um dos criadores; seu livro Maceyorkinos traça perfis de artistas alagoanos. O artigo reflete isso”, afirma Gustavo. 

Toda essa profusão de facetas, apesar de distintas e parecer percorrer caminhos diferentes; convergem no mesmo lugar: as artes alagoanas. Para Ricardo, ela merece e precisa ser vista e estudada. “Recomendo que se estude e pesquisa ao máximo todas as manifestações artísticas produzidas em Alagoas, pois como disse a baiana crítica de arte Gláucia Lemos ‘A Maceió-artística é um vasto campo a ser trabalhado’. Isso foi dito por ela na primeira metade de 1983, e essa coisa dita continua atualíssima e pertinente”. 

 Sobre o momento atual da arte alagoana, Ricardo analisa que “no atual cenário bolsonarista e pandêmico, o momento artístico ma­­ceioense é, sem sombra de dú­vida, de firme e intensa resistência cultural por boa parte dos criativos alagoanos. Talvez tanto quanto já o foi nos chamados "Anos de Chumbo" pelo Brasil afora. E o "chumbo" bolsonarista é covidado e grosso demais.”


Fonte: Painel Alagoas

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