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22/08/2022 às 06h38

Geral

Rio Largo, uma cidade em pânico

Investigação da Polícia Federal aponta desvio de recursos federais na prefeitura, que pode ligar Gilberto Gonçalves a Arthur Lira

Beto Macário

Por Carlos Amaral

A cidade de Rio Largo, na re­gião metropolitana de Maceió, ga­nhou os holofotes da imprensa nacional no mês agosto, mas o mo­tivo não é nada engrandecedor. Ao contrário, a causa, que motivou até mesmo a vinda de uma equipe do programa jornalístico Fantástico – da Rede Globo – ao município ala­goano, é desvio de recursos pú­blicos federais, num esquema que envolveria o prefeito Gilberto Gon­çalves e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, ambos do PP. Segundo um relatório da Polícia Federal (PF), vazado à imprensa, o rombo nos caixas riolarguenses é de R$ 12 milhões, entre os anos de 2019 e 2022. Um vereador de Rio Largo afirmou à Painel Alagoas que “a cidade está em pânico” com a revelação do caso. 

De acordo com a Polícia Fede­ral, a Prefeitura de Rio Largo, com recursos públicos federais para saú­de, educação e assistência social, fez pagamentos para duas empresas que prestariam serviços ao Município, mas esse dinheiro volta­va ao prefeito Gilberto Gonçalves de bate-pronto. A PF aponta que o pre­feito ordena os pagamentos e seus funcionários e seguranças – arma­dos – seguem para pegar o dinheiro, que já fora retirado das contas das empresas. As investigações ainda apontam para o envolvimento de “laranjas” e até conseguiram flagrar a execução do esquema. 

O “resgate” do dinheiro público por pessoas que seriam ligadas a Gilberto Gonçalves é feito de forma como se fosse um filme de baixo orçamento. Em vídeos que constam nos documentos da Polícia Federal, por quatro dias seguidos, pessoas ligadas à Litoral Construções e Serviços Ltda. retiram dinheiro da conta da empresa numa agência da Caixa Econômica em Rio Largo e, depois, num Chevrolet Agile vermelho seguem até uma rua que fica no meio do caminho até a Pre­feitura, onde outro veículo, uma caminhonete Fiat Toro branca já está no aguardo. Os vidros dos veículos se abaixam e uma caixa é repassada entre eles. A Toro branca, então, retorna à Prefeitura de Rio Largo. 

Os ocupantes do veículo bran­co, de acordo com a Polícia Federal, são funcionários do prefeito Gilberto Gonçalves e nos quatro dias de registro dessa movimentação foram sacados no banco R$ 49 mil. 

Além da Litoral Construções e Serviços Ltda., outra empresa envolvida no esquema é a Reauto Serviços e Comércio de Peças. Entre março de 2018 e fevereiro de 2022, os valores repassados às duas empresas, somados, chegam a 18,4 milhões, segundo a PF. Esses recursos públicos, segundo a PF, tinham como fonte o Fundo Nacional de Saúde/SUS, Fundo Municipal de Saúde (FMS) e precatórios do Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb). Nesse “bolo” constam emendas do chamado “orçamento secreto”. 

De acordo com a Polícia Fe­deral, essas empresas não possuem capacidade operacional para a prestação de serviço ao qual foram contratadas. “Servindo apenas para emissão de notas fiscais visando lastrear os desvios perpetrados”, diz o relatório das investigações. Se­gundo o Cadastro Geral de Em­pre­gados e Desempregados (Caged), a Litoral, por exemplo, nunca empregou alguém formalmente. 

Ainda conforme a Polícia Fe­deral, a maioria dos saques desse esquema ocorreu em 2022, “entre 01/01/22 e 15/06/22, a Litoral recebeu do município de Rio Lar­go/AL, somente em uma conta, o valor de R$ 3.376.684,26, a partir da qual foram realizados 60 (sessenta) saques no valor individual de R$ 49.000,00, totalizando R$ 2.940.000,00” e os donos da empresa “residem em uma humilde residência na periferia do longínquo município de São Paulo/SP”. 

Para a PF, “o atual Prefeito de Rio Largo/AL, Gilberto Gonçalves da Silva, comanda uma verdadeira organização criminosa instalada no seio da prefeitura municipal de Rio Largo/AL, destinada a desviar recursos públicos federais repassados ao município, e também verbas municipais, no bojo dos mesmos contratos”. 

Ainda segundo as investigações, os secretários municipais de Finanças, Educação, Saúde e Assistência Social, ajudavam Gilberto Gonçalves no esquema. A Polícia Federal também reforça o vínculo entre a Litoral e a Prefeitura de Rio Largo ao destacar em seu relatório que no dia 7 de janeiro de 2022, quatro transferências foram realizadas em favor da empresa. Os valores totais são R$ 333 mil, divididos em depósitos de R$ 20.282,50; R$ 257.982,77; R$ 49.479,03; e R$ 5.511,35. Nesta mesma data, um saque de R$ 49 mil é feito da conta da Litoral. Até uma semana depois, em 14 de janeiro, outros seis, de mesmo valor, foram realizados. 

“Em 6 (seis) dias úteis seguidos foram realizados 7 (sete) saques na mesma conta da LITORAL, com o mesmo valor de R$ 49 mil reais, logo após tal conta ter recebido valores de Rio Largo/AL, remetidos pelo próprio Prefeito GILBERTO GONÇALVES, totalizando, apenas aí, a bagatela de R$ 343.000,00 (trezentos e quarenta e três mil reais) gualdripados dos cofres públicos de Rio Largo/AL! É um apetite insaciável por dinheiro público!! Ressaltando-se que essa dinâmica se repete ao longo de todo o período investigado, desde o início da ‘contratação’ da LITORAL”, aponta a Polícia Federal. 

O prefeito Gilberto Gonçalves se pronunciou sobre a revelação dessa investigação da PF, que chegou a pedir sua prisão em julho deste ano, apenas à equipe do Fantástico por meio de nota: “não apresenta nenhuma prova da participação do prefeito na malversação de recurso público”. Mas seu advogado, Fábio Gomes, conseguiu a suspensão do inquérito após desembargador Rubens Canuto, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) conceder, parcialmente, um habeas corpus a Gilberto Gonçalves. A suspensão se dá até o julgamento do mérito desse pedido. O caso tramita em segredo de Justiça. 

Este repórter contatou o advogado Fábio Gomes, mas não obteve resposta. Também não foi possível contatar as empresas Litoral Construções e Serviços Ltda. e Reauto Serviços e Comércio de Peças. 

Essa relação entre Gilberto Gonçalves e empresas de fachada – inclusive as duas citadas na reportagem – já havia sido denunciada em 2020 pela procuradora efetiva do município, Karla Brandão Muniz Formiga de Carvalho, através de um dossiê que apontou esquema de R$ 20 milhões. 

A procuradora encontrou contratos entre a Prefeitura de Rio Largo e as empresas, que deveriam prestar serviços de locação de máquinas pesadas para reforma de escolas, compra de materiais de construção, fornecimento de merendas e saneantes. 

“Nas licitações está como vencedora a empresa GV Bezerra, que realizou várias entregas, inclusive com verba de precatório e verba federal. Em seguida, com o mesmo CNPJ, aparece com o nome empresarial de Litoral Construções”, destaca a denúncia da procuradora Karla Brandão Muniz Formiga de Carvalho. 

A reportagem não conseguiu contatar a procuradora e, à época, a Prefeitura de Rio Largo negou a existência de irregularidades. 

RELAÇÃO ANTIGA 

A relação entre Gilberto Gonçalves e Arthur Lira não é recente, inclusive em envolvimento de esquema de desvio de recursos públicos. Ambos já foram condenados por desvios de recursos da Assembleia Legislativa Estadual (ALE), quando foram deputados naquela Casa, em 2007. o caso ficou conhecido como Operação Taturana e apontou para o desvio de R$ 300 milhões através de empréstimos fraudulentos a parlamentares, tendo a própria Assembleia como fiadora. 

Basicamente, os parlamentares retiravam empréstimos bancários e a Assembleia Legislativa pagava a dívida ao banco. 

ARTHUR LIRA 

Se o prefeito Gilberto Gonçalves não se manifestou sobre a recente investigação da Polícia Federal, o deputado Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, negou ter qualquer envolvimento com o caso. 

Em entrevista concedida à Jovem Pan no dia 1º de agosto, o todo-poderoso do Congresso Nacional afirmou que “parlamentar tem responsabilidade na indicação, não na execução. Não faz licitação, não faz pagamento, fiscalização. Para isso existem órgãos de controle e quem errar, órgãos estarão atentos. Que ilações não sejam propagadas com má fé e má índole”. 

O advogado Fábio Gomes, ao jornalista Volney Malta, do portal Cada Minuto, afirmou que nos recursos repassados à empresa Litoral Construções e Serviços Ltda, “não existe um único centavo de emendas de Arthur destinadas a empresas investigadas em Rio Largo”. 

VILA 

O sujeito apontado como “laranja” pela Polícia Federal, que consta como sócio da Litoral Construções e Serviços Ltda. reside numa vila, localiza bairro humilde de São Paulo chamado Jaraguá – assim como o bairro que deu origem a Maceió, capital de Alagoas. 

Uma reportagem do Estadão, publicada em 4 de agosto, aponta que, Adson Lima da Silva, de 33 anos de idade, se mudou para o local há alguns anos. 

“Adson também trabalhou durante um tempo em uma empresa de autopeças, chamada Reauto – esta existe de fato e pertence ao pai de Adson, Ailton. Adson, seu irmão Alisson e outras pessoas ligadas à Litoral e à empresa Reauto fizeram 233 saques de dinheiro vivo, na boca do caixa, com valores acima de R$ 10 mil – a maior parte deles tinha o valor de R$ 49 mil. Alguns dos saques ocorriam no mesmo dia em que a prefeitura de Rio Largo depositava na conta da Litoral”, diz a reportagem do periódico paulista. 

CIDADE EM PÂNICO 

“A cidade está em pânico”, afirma o vereador de Rio Largo, Daniel Pontes (sem partido), 3º secretário da mesa diretora da Câmara Municipal. Além dele, a Painel Alagoas conversou com o vereador Rafael Feitosa. 

“O caso é muito sério, por tudo que foi publicado sobre a investigação da Polícia Federal e eu vejo que a cidade ainda está em pânico. É alarmante a situação do povo. A gente percebe que a população está tensa. Na Câmara, todos os vereadores estão muito preocupados com a situação porque ela é gravíssima”, comenta Daniel Pontes. 

O vereador, diretor do parlamento municipal de Rio Largo, ressalta ser necessário aguardar a conclusão do caso para que os vereadores possam adotar – ou não – alguma medida contra o prefeito Gilberto Gonçalves. 

“Estamos aguardando o desenrolar da operação, suspensa no momento. Acredito que o Ministério Público deve dar uma resposta, mas não sei se isso será enviado para a Câmara Municipal. Mas, e aí falo por mim, estou pronto para analisar qualquer situação que possa chegar para decidir o melhor caminho a ser feito. O mais importante é a cidade, o povo. Rio Largo é uma cidade que precisa de muitas coisas e ainda tem situações que não podemos aceitar. A cidade necessita do Poder Público”, diz Daniel Pontes. 

COMISSÃO DE INQUÉRITO E AFASTAMENTO

Já o vereador Rafael Feitosa (Podemos) defende outro comportamento a ser adotado pela Câmara Municipal de Rio Largo. 

“A Câmara de Rio Largo deverá, nos próximos dias, abrir uma Comissão Especial de Inquérito para apurar todos os fatos apontados pela Polícia Federal e, assim, afastar o prefeito”, defende Rafael Feitosa. 

O parlamentar lembra que já vinha denunciando irregularidades em obras executadas pela Prefeitura. 

“Há alguns meses, eu já venho fazendo denúncias de obras inacabadas e muitas até abandonadas. Que havia corrupção na Prefeitura, boa parte da população já sabia. Alguns vereadores e eu, só não sabíamos como tudo funcionava. Há alguns dias, requeri vários documentos para analisar e também não encontrei nada. Dias antes da matéria do Fantástico, vazaram alguns documentos da Polícia Federal mostrando como funcionava o esquema de propina e ficou bem claro para todos”, comenta Rafael Feitosa. 

Ele ainda revela haver relatos de que o esquema investigado pela Polícia Federal tem como finalidade o financiamento da campanha de Gabriela Gonçalves, filha de Gilberto Gonçalves e candidata a deputada estadual pelo PP, liderado por Arthur Lira. 

“A gente tem vários relatos que esse dinheiro desviado estaria sendo investido na campanha da própria filha, que é candidata a deputada estadual”, diz Rafael Feitosa. 


Fonte: Painel Alagoas

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