Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mais de 6,5 milhões de brasileiros têm algum tipo de deficiência visual, sendo cerca de 500 mil cegos e seis milhões com baixa visão. Apesar de avanços significativos na inclusão, a falta de materiais, livros e equipamentos adaptados ao braile ainda representa um obstáculo diário para essas pessoas. Foi ao observar as dificuldades enfrentadas por uma colega com baixa visão que os estudantes do 1º ano C da Escola Estadual Tavares Bastos, em Maceió, decidiram agir, adaptando o ambiente escolar para torná-lo mais acessível e acolhedor.
O projeto, que envolveu 20 alunos, nasceu dentro do Programa Professor Mentor/Meu Projeto de Vida, que visa incentivar os estudantes a desenvolverem seus próprios projetos de vida e a aprimorarem continuamente a aprendizagem, com ênfase na leitura e na resolução de problemas. Sob a orientação da professora de filosofia e mentora Carolina Rangel, os jovens realizaram atividades de conscientização sobre a inclusão de pessoas cegas e com baixa visão, aprenderam braille e criaram placas táteis para sinalização em braille, instalando-as em diversos espaços da escola, como salas de aula, banheiros, diretoria e biblioteca.
A iniciativa ganhou destaque ao conquistar o primeiro lugar na categoria Ensino Médio/Rede Pública, na subcategoria “Ideias Inovadoras e Pesquisas Inovadoras”, durante a edição 2024 da Semana Institucional de Pesquisa, Tecnologia e Inovação na Educação Básica (Sinpete), realizado pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) em outubro. Foi também o único projeto de ciências humanas premiado no evento. Para a professora Carolina, o reconhecimento foi transformador para os alunos. “O mais importante na Sinpete foi o impacto para os meninos. A Ufal está aqui em Maceió, mas muitos ainda a enxergam como uma realidade distante. Serem ouvidos, reconhecidos e premiados mostrou que é possível sonhar mais alto, fazer uma faculdade, fazer ciência”, afirma emocionada.
Inovação não está restrita às ciências exatas
A cada bimestre, o Programa Professor Mentor/Meu Projeto de Vida segue um eixo temático, e o foco do semestre em questão era o empreendedorismo. Com base nisso, a professora Carolina Rangel incentivou os alunos a desenvolverem um projeto de empreendedorismo social voltado às ciências humanas. “Nosso primeiro passo foi ouvir os estudantes, entender suas demandas e pensar em algo que pudesse retribuir à comunidade. Também trouxe para eles a reflexão de que inovação não é exclusividade das ciências exatas; podemos fazer ciência nas humanas e gerar impacto. Hoje, vivemos uma supervalorização das profissões técnicas e exatas, mas estamos deixando de lado algo essencial: a capacidade crítica, criativa e reflexiva do ser humano, que é justamente o que a inteligência artificial não pode substituir”, explica Carolina.
Mergulho em universo para acolher o outro
Durante os dois meses de execução do projeto, os estudantes mergulharam no universo das pessoas com deficiência visual. Além de aprenderem braille e adaptarem a escola, desenvolveram uma maior compreensão dos desafios enfrentados por essas pessoas e compreenderam a importância de respeitar e valorizar a diversidade. O projeto M.E.T.A (Mudança Estudantil Tavares Acessível) também contou com a participação da professora Fabíola Gama, responsável pela sala de recursos, que atende estudantes com dificuldades de aprendizagem. “Promovi uma roda de conversa para falar sobre inclusão, discutindo como poderíamos trabalhar essa questão e por que é essencial incluir. A inclusão começa no acolhimento de todos: do porteiro ao colega de classe, passando pelos professores e pela direção. É um processo contínuo, que exige a conscientização e o engajamento de todos. Somente assim garantimos que os estudantes permaneçam na escola e não abandonem seus estudos”, explica Fabíola.
A confecção das placas táteis em braile foi realizada manualmente, com papel sulfite e plastificação. Sara Mical, estudante cuja experiência inspirou o projeto, diz que a maior lição do M.E.T.A foi mostrar que a inclusão não precisa ser algo distante ou inacessível. “A gente necessita conscientizar as pessoas sobre a nossa existência, porque muitas vezes somos invisibilizados. Por isso, perceber o comprometimento da minha turma em aprender o Braille e colocar plaquinhas de sinalização tátil foi uma experiência incrível”, revela Sara.
Educação como ferramenta de transformação social
O Programa Professor Mentor/Meu Projeto de Vida também conta com a participação de um estudante mentor, que atua junto ao professor no desenvolvimento das atividades. No bimestre em questão, a estudante mentora foi Maria Eduarda Souza, que se emocionou ao compartilhar como o projeto impactou sua vida. “Eu nunca imaginei que o projeto chegaria tão longe, muito menos que seria premiado. Foi uma emoção enorme, pois ele mudou completamente a minha forma de enxergar o mundo, foi um divisor de águas na minha vida. Muitas vezes, a gente não percebe as dificuldades enfrentadas pelas pessoas com deficiência. Em pleno século XXI, com tanta tecnologia disponível, acessibilidade, infelizmente, ainda não é uma realidade para todos”, destaca Maria Eduarda.
Gestora geral da Escola Tavares Bastos, Sileide Peres atua na unidade há 15 anos e diz que o projeto trouxe orgulho e motivação para toda a comunidade escolar. “Como diretora, é um imenso orgulho ver a Tavares se destacando, conquistando novos espaços e mostrando que nossa escola e nossos alunos têm um enorme potencial”, afirma.
Já a professora mentora, Carolina Rangel, reconhece que o projeto ainda tem espaço para crescer, destacando iniciativas futuras como a instalação de pisos táteis e a continuidade das rodas de conversa para conscientização. “A conscientização é um processo contínuo, sempre há o que melhorar.”, explica Carolina. Ela também ressaltou como o projeto foi enriquecedor não apenas para os estudantes, mas para ela própria. “Foi um aprendizado coletivo. Ser professor é isso: uma troca constante. A mentoria nos permite ouvir mais os alunos, estar mais próximos deles, e isso fortalece ainda mais o vínculo e o envolvimento com os projetos”, conclui.
Fonte: Ascom Seduc