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Geral

IML Estácio de Lima: 60 anos de ciência, história e humanidade a serviço da verdade

Sete em cada dez atendimentos no IML de Maceió são realizados em pessoas vivas

Edição do extinto Jornal de Alagoas traz com manchete a inauguração do IML - Ascom Polícia Científica

O ano era 1965. Na edição nº 215 do extinto Jornal de Alagoas, uma manchete prenunciava uma nova era para a ciência forense em Alagoas: “Inaugurado o Instituto Estácio de Lima e Serviço Médico Legal”. Em 21 de setembro daquele ano, às 10 horas da manhã, autoridades e acadêmicos se reuniram para dar início oficial à trajetória de uma instituição que, seis décadas depois, continua sendo um pilar fundamental da justiça e da saúde pública no estado.

O então reitor da Universidade Federal de Alagoas, Aristóteles Calazans Simões, presidiu a cerimônia solene, destacando o papel essencial do legista Luiz Duda Calado — o primeiro diretor do IML — e a importância da nova instituição para a medicina legal e para a classe médica em geral. Discursaram ainda os doutores Abelardo Duarte, diretor da Faculdade de Medicina, e José Lages Filho, pioneiro na organização do serviço médico-legal no estado.

Mais do que inaugurar uma sede própria, o momento marcou um avanço histórico: o início da estruturação do serviço médico-legal de Alagoas, cuja luta começou em 1935 com o professor José Lages Filho. Na época, as perícias eram realizadas em hospitais, instituições de segurança pública e até em residências, de forma precária e improvisada.

O caso Lampião

Um dos episódios mais simbólicos dessa fase embrionária do serviço médico-legal em Alagoas ocorreu após a morte de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Em 1938, as cabeças de Lampião e de outros cangaceiros foram trazidas para Maceió, após serem expostas como troféus pelas volantes.

Os exames foram realizados pelos médicos-legistas José Aristeu e José Lages Filho, em salas da antiga Sandu, na Praça da Cadeia — hoje parte do prédio da Santa Casa de Maceió. A fama do bando de Lampião atraiu uma multidão curiosa para confirmar a morte dos integrantes do temido grupo do cangaço.

Mesmo com as limitações técnicas da época, os estudos foram tão relevantes que o governo de Alagoas chegou a receber um pedido oficial da Alemanha para enviar os restos mortais ao Instituto Guilherme II, em Berlim. No entanto, o pedido foi recusado pelas autoridades locais e, após estudos, o material foi levado ao Museu Antropológico Estácio de Lima, em Salvador.

Da improvisação ao prédio próprio: o surgimento do IML

Em entrevista ao jornalista Arnaldo Ferreira, do Jornal Gazeta de Alagoas, o perito criminal Ailton Villanova, já falecido, explicou que uma tragédia precipitou a criação do Instituto. Uma colisão entre um ônibus e um caminhão carregado de madeira na BR-101, em Novo Lino, resultou em mais de 30 óbitos.

Diante da falta de espaço no antigo serviço médico-legal, os médicos-legistas José Lopes de Mendonça e Luiz Duda Calado improvisaram um necrotério no prédio desativado do antigo presídio da 20ª Circunscrição Militar. O imóvel, localizado na Rua Dias Cabral, no bairro do Prado, inicialmente destinado ao Instituto de Antropologia da UFAL, tornou-se sede do IML, batizado em homenagem ao professor Estácio Luiz Valente de Lima.

Em 2010, o antigo prédio foi tombado e passou a integrar o patrimônio histórico, artístico e cultural do Estado, sendo também inscrito no Livro de Tombo de Edifícios e Monumentos Isolados pela sua relevância histórica e arquitetônica. Com o tombamento, o Governo de Alagoas resolveu construir uma nova sede para o IML em Maceió e, em 2016, devolveu o prédio para a UFAL.

No entanto, antes de ganhar a nova sede, o imponente prédio histórico foi interditado pelo Poder Judiciário em 2012. Enquanto aguardava o fim das obras, o IML funcionou provisoriamente no Complexo do Centro de Ciências Biológicas (CCBI), também pertencente à Universidade Federal de Alagoas (UFAL), de 2013 até 2018.

Durante mais de meio século, o IML Estácio de Lima sobreviveu com limitações estruturais, operando com dificuldades e pouco investimento. Mesmo assim, consolidou-se como referência na perícia médico-legal de Alagoas, abrangendo 50 municípios da capital ao litoral norte, parte do litoral sul, passando pela Zona da Mata e Região Metropolitana.

Responsável por laudos cadavéricos, exames de corpo de delito, constatações de violência sexual, embriaguez e demais perícias requeridas pela Polícia Judiciária, o IML tornou-se indispensável na elucidação de crimes e na proteção da dignidade humana. Setenta por cento dos atendimentos em Maceió são voltados a pessoas vivas, desmistificando o IML como um local ligado somente à morte.

O novo IML: estrutura moderna, ciência de ponta

Em 18 de agosto de 2018, um novo capítulo começou com a inauguração da moderna sede do Instituto Médico Legal Dr. Estácio de Lima, no bairro Tabuleiro do Martins. Com investimento superior a R$ 25 milhões, o novo complexo tem 3.791,70 m² e abriga sete blocos dedicados a setores especializados, como necropsia, exames em vivos, áreas administrativas e de acolhimento à população, como a Sala Lilás para mulheres e a Brinquedoteca para crianças.

Entre os avanços tecnológicos, estão câmaras frias com capacidade para armazenar até 88 corpos, scanner de corpo, estações de necropsia com exaustores, focos cirúrgicos de alta precisão, mobiliário técnico e uma subestação elétrica. Todo o sistema foi pensado para garantir segurança, eficiência e humanização no atendimento às famílias.

A obra, iniciada em 2012, ficou paralisada por problemas técnicos e só foi retomada em 2015, após revisão do projeto. Em 2018, o novo IML finalmente abriu suas portas, marcando uma virada histórica na perícia criminal de Alagoas.

O atual chefe especial do IML de Maceió, o perito médico legista Felipe Porciuncula, explica que, anualmente, são realizados cerca de 8 mil laudos em pessoas vivas e aproximadamente 2.500 laudos cadavéricos. Isso demonstra o grande volume de trabalho que órgão tem dentro da Polícia Científica. 

“Nosso compromisso é garantir que esses laudos sejam entregues dentro dos prazos adequados, respeitando o tempo necessário para que a Justiça possa analisá-los com eficiência. Notamos uma demanda muito grande por parte dos juízes, do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos delegados, que esperam nossas respostas técnicas com urgência e atenção. Esse reconhecimento reforça a importância do IML na engrenagem da justiça e da segurança pública. São 60 anos de história que comprovam o papel essencial da nossa instituição para a sociedade”, diz.

Compromisso futuro

Felipe Porciuncula destacou ainda que, apesar de todo o empenho e dedicação das equipes, a atual gestão tem trabalhado de forma contínua para garantir avanços significativos nos próximos anos e promover melhorias estruturais no Instituto. Um dos focos tem sido suprir carências importantes, especialmente na área de especialidades médicas fundamentais para o aprimoramento técnico do trabalho pericial.

"Estamos buscando, junto à gestão da Polícia Científica, incluir nos próximos concursos vagas específicas para patologistas, radiologistas e psiquiatras, profissionais que são essenciais para ampliar a qualidade dos laudos e dar respostas cada vez mais completas à Justiça", afirmou o perito oficial.

O médico legista destacou também a abertura do órgão para parcerias institucionais, como a já existente com o Ministério Público, que têm viabilizado doações de equipamentos — como computadores, scanners, impressoras e materiais de escritório — fundamentais para a organização, digitalização e armazenamento adequado de vestígios. “Toda contribuição é bem-vinda e fortalece o trabalho técnico e científico que oferecemos à sociedade”, ressaltou.

O Instituto Médico Legal Estácio de Lima completa 60 anos carregando consigo o peso de uma história rica, muitas vezes trágica, mas sempre pautada pelo compromisso com a verdade. Hoje, o IML é mais que um espaço técnico: é o guardião da memória de vítimas, da dignidade dos que se foram e da busca incessante por justiça. Sua história é feita de ciência, mas também de coragem, de luta, de humanidade. E continua, agora com estrutura, modernidade e respeito à dor de quem busca respostas.


Fonte: Ascom Polícia Científica

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