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03/12/2020 às 17h00

Política

Pesquisadores apontam sete desafios que os prefeitos eleitos vão ter de enfrentar

O Brasil tem 5.570 municípios, dos quais apenas 49 tem mais de 500 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 17 deles, a população ultrapassa 1 milhão de pessoas. Só as 27 capitais concentram 50 milhões de habitantes, o que equivale a quase 24% de toda a população brasileira em 2020.

Cada um desses municípios tem problemas próprios e soluções que levam em conta o contexto local. Porém, é possível identificar alguns gargalos comuns a grande parte das maiores cidades brasileiras.

Em uma ampla reportagem, a BBC News Brasil listou sete grandes desafios urbanos que os novos prefeitos terão de encarar a partir de 1º de janeiro de 2021, quando assumirem o cargo.

1 – Queda de arrecadação após a pandemia

Um dos grandes desafios para os próximos prefeitos será lidar com uma possível queda na arrecadação de impostos após a pandemia de covid-19. Com a diminuição da atividade econômica e o aumento do desemprego, a tendência é que os municípios arrecadem menos e, assim, tenham recursos escassos para investir em setores importantes, como educação, saúde e mobilidade.

No geral, a arrecadação das cidades brasileiras se divide entre recursos próprios, como IPTU e ISS, repasses dos governos federal, com o fundo de participação dos municípios (FPM), e verbas oriundas dos governos estaduais, como uma participação no bolo do ICMS.

O peso de cada um deles depende de fatores como o tamanho do município e a maneira como o tributo é cobrado. em pequenas cidades , o imposto chega a apenas 1% da fatia tributária. por outro lado, um terço dos municípios não tem nenhuma arrecadação própria e depende exclusivamente de repasses federais e estaduais.

“Tirando o IPTU, os outros impostos dependem da atividade econômica, pois incidem sobre o consumo. a maioria dos municípios tem certa dependência dos repasses do ICMS, que é fortemente impactado pela recessão”, explica Ursula dias Peres, professora da escola de artes, ciências e humanidades da USP e pesquisadora do centro de estudos da metrópole (cem).

“A arrecadação caiu 4%, menos do que os 20% que projetava durante a pandemia. acreditamos que isso ocorreu por causa do auxílio emergencial de r$ 600. esse valor acabou mantendo um certo consumo das famílias”, diz Peres.

Caso a economia não melhore depois do fim do auxílio, é possível que municípios tenham menos verbas para investir em políticas públicas. “se não houver um impulso na arrecadação, as cidades só vão conseguir pagar custos fixos, como salários”, afirma.Para ela, uma das soluções seria uma reforma tributária que substitua o ICMS por alguma taxa mais simples e que incida sobre a renda — e não sobre o consumo. “cada estado cobra o ICMS de uma forma diferente. isso acaba gerando uma guerra fiscal entre os estados, que, para atrair mais empresas, dão benefícios. mas, a longo prazo, esse imposto sobre o consumo onera os mais pobres e dificulta a produção”, explica.

2 – Lidar com a demanda reprimida na saúde

Além de lidar com os casos de covid-19 — que sem uma vacina devem continuar aparecendo —, os municípios também terão que dar conta de todas as outras questões de saúde que ficaram “na geladeira” durante a quarentena, explica a pesquisadora Gabriela lotta, professora de administração pública da fundação Getúlio Vargas (FGV).

“Teremos um cenário muito mais difícil do que já era, com uma demanda reprimida que será gigantesca”, afirma. A pandemia gerou quatro principais consequências com as quais os prefeitos terão que lidar nos próximos anos, explica lotta.

A primeira é o aumento na demanda por exames e consultas por pessoas que adiaram esses procedimentos em 2020 por causa da pandemia. a espera para esses procedimentos com especialistas já era longa antes da pandemia . A falta de prevenção leva ao segundo problema causado pela demanda reprimida, explica Gabriela lotta: o aumento das doenças e problemas crônicos de saúde.

A terceira consequência é que o empobrecimento gerado pela crise econômica aumenta a pressão sobre o sus, já que um grande número de pessoas que tinham planos de saúde e eram atendidas na rede privada agora terão de buscar o sistema público.

Cerca de 364 mil pessoas perderam seus planos de saúde entre março e junho de 2020, segundo o instituto de estudos de saúde suplementar (IESS). embora nos meses de julho e agosto tenha havido uma pequena alta no número de beneficiários em relação aos meses anteriores, o setor não recuperou o número que tinha antes da pandemia.

O quarto grande problema gerado pela pandemia são as possíveis sequelas deixadas nos pacientes que sobreviveram ao coronavírus. “ainda não se sabe a extensão disso, mas com certeza será um grande desafio”, diz lotta. a lista de possíveis sequelas da covid-19 inclui danos no coração, nos rins, no intestino, no sistema vascular e até no cérebro. E todos esses problemas surgem em um cenário fiscal difícil, com corte de repasses e queda de arrecadação. para lotta, as possíveis soluções para os problemas são diferentes dependendo do porte do município e sugere a regionalização do serviço de atenção especializada, com clínicas regionais, que  podem ter apoio do governo estadual, quanto a partir de consórcio entre prefeituras.

3 – Ampliar as vagas de creches e retomar as aulas pós-pandemia

Na área de educação, os municípios vão lidar com situações muito diversas entre si nos anos pós-pandemia, afirma a professora Anna Helena Altenfelder, diretora executiva do centro de estudos e pesquisas em educação, cultura e ação comunitária (CENPEC).

“Municípios pequenos terão um impacto fiscal muito grande da perda de receitas e repasses, e menos condições de fazer frente a seus desafios”, afirma altenfelder. E um dos principais desafios em termos de educação, que é de responsabilidade dos municípios, é ampliar o número de vagas de creches — justamente algo que exige muitos recursos.

“É um dos problemas mais difíceis de resolver porque creche custa mais caro”, afirma a professora Regina de Assis, especialista em educação e mídia, ex-membro do conselho nacional de educação e ex-secretária de educação do rio de janeiro. “são necessários espaço físico, equipamentos como berço e locais para troca de roupas, além de mais pessoal qualificado, porque são bebês, crianças muito pequenas, as turmas não podem ser numerosas.”

“Políticas de primeira infância são fundamentais para o desenvolvimento do aprendizado e de habilidades que serão necessárias no futuro. é bastante sério que esse direito não seja garantido”, diz Altenfelder.

A falta de vagas leva a problemas como insegurança alimentar e riscos físicos para as crianças, diz a especialista, porque muitas das famílias são obrigadas a deixar os pequenos em situações informais e precárias de cuidado para poderem trabalhar. Para Altenfelder, o primeiro caminho para os municípios é lidar com a questão como uma política de estado, e não de governo, diz altenfelder, e tentarem seguir com seus planos municipais de educação.

“Os prefeitos e secretários têm que olhar seus planos, entender que foram feitos com consenso com a sociedade, e vão ver que algumas soluções já estão apontadas ali”, diz ela.

Os prefeitos também devem recorrer ao fundo nacional de desenvolvimento da educação (FNDE), afirma Regina de Assis, pois têm direito a uma verba específica para creches. “o problema é que muitos secretários de cidades do interior nem sabem disso, não exigem as quantias adequadas, porque muitos não são nem especialistas em educação”, diz ela.

O retorno das aulas pós-pandemia também será um dos principais desafios, dizem as especialistas, tanto em termos logísticos quanto pedagógicos.

“Além de todos os problemas como a questão da saúde dos alunos e dos professores, a necessidade de distanciamento, as questão de calendário, também teremos o desafio de cuidar da gestão pedagógica, já que se perdeu praticamente o ano letivo todo e é preciso fazer uma recuperação da aprendizagem e uma reorganização curricular”, diz altenfelder.

“A colaboração entre secretarias de educação, saúde, assistência social, cultura e esporte vai ser essencial, tanto para maximizar recursos quanto para encontrar soluções em conjunto”, afirma a diretora do CENPEC. E até que surja uma vacina contra a covid-19 e haja imunização ampla, dizem as especialistas, não será possível descartar as estratégias de estudo à distância. “é possível que a situação dure até 2022 e é preciso levar isso em consideração”, diz Regina de Assis.

4 – Melhorar a mobilidade e financiar o transporte coletivo

“O transporte público vive uma crise há alguns anos e, depois da pandemia, ela tende a se agravar”, explica Luis Antonio Lindau, diretor de cidades do instituto de pesquisas WRI brasil. “na grande maioria das cidades brasileiras, o transporte é financiado pela tarifa cobrada dos passageiros. como o número de passageiros tem caído, os recursos vão ficar cada vez menores.”

Uma saída seria tentar atrair mais passageiros tornando o serviço mais confortável e eficiente para moradores de bairros distantes — com aumento do número de corredores exclusivos. outra seria cobrar de quem usa carro individual como uma forma de, segundo Lindau, compensar pelo alto custo econômico e ambiental desse veículo.

5 – Moradia e urbanização de bairros populares

A política habitacional no brasil historicamente fomenta a construção de casas, que depois serão financiadas à população por meio de subsídios bancados pelo poder público. Nas últimas décadas, essa estratégia, além de não resolver as necessidades habitacionais, criou uma série de problemas: bairros dormitórios com milhares de casas e prédios, longe dos centros das cidades e sem muita estrutura urbana, como comércio, escolas, hospitais e transporte público de qualidade.

Além disso, milhões de pessoas ainda vivem em construções precárias, como áreas de risco.

“O próprio conceito de déficit habitacional é bastante ligado à indústria da construção civil e imobiliária. a construção é uma das soluções, mas não a única nem aquela que deve ser priorizada. até porque, a população mais pobre, que normalmente é a mais carente de habitação, não consegue alcançar as faixas de renda desses financiamentos”, explica Raquel Rolnik, professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade.

Para ela, os prefeitos deveriam também focar em políticas de locação social para a população mais pobre, além de urbanizar bairros populares que “carecem de urbanidade e estrutura”.

6 – Crescimento da população em situação de rua

“O desemprego crescente é um evento disparador que pode levar as pessoas às ruas, mas não é o único. o censo mostra como fatores principais a questão do uso abusivo de álcool e outras drogas, problemas psiquiátricos, conflito intrafamiliar e dinâmicas de violência doméstica”, explica Renata Bichir, professora da USP e pesquisadora do centro de estudos da metrópole.

“A solução passa por várias políticas que devem ser integradas: assistência social, moradia, saúde, melhorias de abrigos, educação e combate à pobreza e à desigualdade. a gente ainda tem uma grande confusão sobre o assunto, pois falamos muito de assistencialismo e filantropia. óbvio que eles são importantes, mas a assistência social precisa ser encarada pelos prefeitos como uma política pública de fato”, diz Bichir.

7 – controlar pragas urbanas e vetores de doenças

Um problema crônico que se torna cada dia mais urgente — ainda mais em um cenário onde a saúde pública já está saturada — é a infestação de cidades por pragas urbanas que são vetores de doenças.

“É uma situação já está agravada há muito tempo, onde os ambientes urbanos estão muito propício para pragas. a gente tem uma visão sobre o aedes aegypti, mas é uma questão muito ampla: temos roedores, ratazanas, moscas, baratas, outros mosquitos, escorpiões e até fungos. é um leque grande”, afirma o pesquisador da Fiocruz Eduardo Wermelinger, entomologista especializado em vetores e pragas urbanas.

Muitas doenças espalhadas por pragas são conhecidas pela população, como a doença de chagas (transmitida pelo barbeiro), a leptospirose (transmitida por ratos), a dengue, a zika e a chikungunya (transmitidas pelo aedes). mas há também outras menos conhecidas pela população e muitas vezes ignoradas até pelo poder público, como a oncocercose (cegueira dos rios) transmitida por moscas do gênero similium (borrachudos), a leishmaniose transmitida por mosquitos flebotomíneos (mosquitos-palha) e diversas doenças transmitidas por pulgas e carrapatos.

Diversos fatores contribuem para que as cidades brasileiras sejam propícias a pragas. a maior parte delas está em região tropical, onde temperaturas mais elevadas e umidade favorecem a proliferação de pragas, explica o pesquisador.

“Além disso, um padrão comum nos municípios brasileiros é o crescimento desordenado, sem planejamento e com falta de saneamento, o que também favorece a proliferação”, diz Wermelinger.

Só 53% dos brasileiros têm acesso à coleta de esgoto — um problema que não se restringe aos locais mais pobres, segundo dados do sistema nacional de informações sobre saneamento coletados pelo instituto trata brasil. entre as 100 maiores cidades do país, 35 municípios têm menos de 60% da população com coleta de esgoto.

A melhor estratégia para o controle de vetores de doenças, diz, é o chamado manejo ambiental. “é quando a gente transforma o ambiente para que ele se torne inapropriado para pragas”, afirma.

Para isso, afirma, o desafio dos prefeitos na verdade é fazer o básico: “é preciso fazer o feijão com arroz, não tem segredo. ter serviços de controle com pessoal capacitado, bem treinado, manter profissionais experientes e que conheçam os detalhes e níveis de infestação de cada município.” É preciso também ter equipes que trabalhem de janeiro a janeiro, não somente em épocas de transmissão da dengue, por exemplo”, diz o pesquisador. Outra medida essencial é o controle do lixo, fator para a proliferação de mais de uma praga — baratas, moscas, ratos e carrapatos.


Fonte: Ascom AMA

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