Thiago Ratsbone*
A inclusão do sobrenome materno, de praxe, se dá pela
aquisição do nome pelo
registro de nascimento, em que o nome, inicialmente, é dado por ocasião do
nascimento da pessoa. A Lei de Registros Públicos, em seu artigo 54, § 4,
determina que no registro de nascimento da criança deverão constar
necessariamente o prenome e sobrenome escolhidos pelos pais.
No caso em que o declarante não indique o nome completo, o registrador deve
lançar os sobrenomes paternos adiante do prenome escolhido. Tratando-se de
criança abandonada, cabe ao Juiz da Infância e da Juventude providenciar o
registro e escolher o nome, nos preceitos do artigo 62 da Lei 6.015 de 1973.
A inclusão do sobrenome da mãe é um tema que ainda repercute
significativamente nos Tribunais, tornando-se um pouco mais complexo em
virtude dos nomes das mães constarem nos registros de nascimento
exponencialmente mais do que os nomes paternos, ausentando-se nos casos de
abandono afetivo paterno, que infelizmente ainda são comuns no Brasil.
Desta feita, o prenome, seja ele simples ou composto, é escolhido ao arbítrio do
pai e da mãe, podendo ter origem brasileira ou podendo ser também origem
estrangeira. O nome é um direito personalíssimo presente no artigo 16 do
Código Civil, que assevera que “toda pessoa tem direito ao nome, nele
compreendidos o prenome e o sobrenome.”
É importante apontar que posterior ao Registro Civil, torna-se mais complexa a
alteração de registro do nome civil, sendo a Lei de Registros Públicos taxativa
em relação as hipóteses legais de alteração. Se o nome já for composto por um
patronímico paterno e outro materno, a alteração, sem a demonstração concreta
do justo motivo, vai de encontro com o disposto no artigo 56 da Lei de Registros
Públicos (Lei 6.015 de 1973), que consagra o princípio da imutabilidade do
nome.
Retificação do Registro Civil
O Registro Civil das Pessoas Naturais se direciona em relação as pessoas físicas
ou naturais propriamente ditas, ou seja, o indivíduo, o ser humano, da forma
como ele é levado em consideração pelo direito. São diversas as competências
do registro civil (como estado civil, idade, filiação, etc.), dentre estas, o registro
tem por função provar o nome da pessoa natural. O Registro Civil é o
mecanismo pelo qual ocorre o conhecimento público para determinados atos da
vida civil, tornando-o notório e dando status de fé pública.
Luiz Guilherme Loureiro aponta que “esta proteção não se limita à segurança do
corpo e do espírito da pessoa humana, mas também ao livre e pleno
desenvolvimento de sua personalidade. Hoje, o principal núcleo de proteção da
ordem jurídica é a pessoa humana e, pelo fato desse ser humano ser revestido de
personalidade própria, quando se tutela a pessoa, não se pode retirar do âmbito
de proteção a personalidade, já que ambas estão relacionadas” (Registros
Públicos Teoria e Prática, 8 ed. ver. atual. e amp. Juspodivm, p. 138).
Segundo o artigo 57 da Lei de Registros Públicos “a alteração posterior do nome,
somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público,
será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro, arquivando-
se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a hipótese
do artigo 110 desta Lei.” (Redação dada pela Lei nº 12.100, de 2009).
É oportuno mencionar que somente por justo motivo é possível a retificação do
assento de nascimento no Registro Civil, em face do princípio da imutabilidade
dos nomes, princípio este que norteia o nome no Direito Registral, em razão da
segurança dentro das relações jurídicas bem como a proteção que é dada ao
nome. A inclusão do sobrenome da mãe, senão presente no registro de
nascimento, deve ser formulada através da retificação desse registro, trazendo o
justo motivo a causa da mudança.
A retificação do assento pode se dar por duas formas: administrativa e judicial.
A retificação de registro civil de forma administrativa somente é possível
quando se tratar de erro evidente, ou seja, aquele que pode ser constatado desde
logo, quando confrontado com dados que estão presentes no próprio registro ou
documentos autênticos, como nos casos de erro de grafia ou outros erros
materiais.
A retificação por via judicial se dá através de uma Ação de Retificação de
Registro Civil, que tem por objetivo atender o princípio da verdade real (que
norteia o registrador público), destinando-se a restabelecer a veracidade do
conteúdo que fazem alusão a vida da pessoa. Por meio de tal via é que se
promove a compatibilidade das informações contidas no registro de nascimento
da pessoa natural com os fatos efetivamente ocorridos, desfazendo-se omissões,
erro de fato ou de direito, eventualmente consignados pelo Oficial.
Posicionamento dos Tribunais
Na Apelação Cível (nº 70045649233) a Sétima Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Sul julgou o pedido de alteração de patronímico, a fim
de que fosse incluído o patronímico materno. No caso em tela, uma adolescente
havia sido registrada com dois sobrenomes paternos e nenhum sobrenome da
mãe, perdendo sua identificação em relação a família materna. A questão foi
controversa pois um dos patronímicos era do avô paterno e sequer constava no
sobrenome do pai.
A autora do pedido alegou que, por não possuir sobrenome materno, era vítima
de questionamentos e discriminações, bem como o sobrenome do avô, além de
não trazer identificação imediata com a linhagem paterna, acaba por prejudicar
a identificação com o patronímico materno, pois na grafia do seu nome não
havia qualquer referência ao apelido de família da mãe.
Por conseguinte, o egrégio Tribunal optou por dar provimento à apelante ao
suprimir um dos sobrenomes paternos e incluir o sobrenome da mãe, uma vez
que entendeu que se encontraram preenchidos os requisitos presentes no artigo
57 da Lei de Registros Públicos, não se verificando qualquer risco de lesão de
direitos de terceiros de boa-fé ou ao interesse público.
Em sua decisão, ficou constatado que “deve-se, pois, mitigar o princípio da
imutabilidade do nome em favor da identificação familiar não só com a família
paterna, mas principalmente com a materna.”
Faz-se necessário elucidar o posicionamento do Ministro Ruy Rosado Aguiar do
que no julgamento do Recurso Especial nº 220059 apontou que “são dois
valores em colisão: o interesse público de imutabilidade do nome pelo qual a
pessoa se relaciona na vida civil; de outro o direito da pessoa portar o nome que
não a exponha a constrangimentos e corresponda à sua realidade familiar. Para
atender a este, que me parece prevalente, a doutrina e a jurisprudência têm
liberalizado a interpretação do princípio da imutabilidade do nome.”
Na Apelação Cível (nº 0000249-68.2010.8.05.0168) a Primeira Câmara Cível
do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia entendeu pelo provimento do recurso
em um caso caso em que duas autoras pediam o acréscimo de sobrenome da
mãe adotado anteriormente ao casamento, pois nasceram há época em que a
mãe era solteira.
O oficial de registro não aceitou a modificação pois o nome da mãe que constava
já era o de casada, sendo mantido o entendimento pelo juiz de 1º grau. Segundo
fundamentou o Tribunal colegiado, a pretensão das autoras pelo acréscimo do
patronímico da família materna era válida pois não há óbice legal para tal, bem
como não traria prejuízo para terceiros.
*Thiago Ratsbone é sócio fundador da RatsboneMagri Advogados
Conteúdo informativo sobre assuntos do âmbito jurídico de interesse popular.