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21/03/2022 às 11h52

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Igualdade de gênero: as barreiras que impedem mulheres de fazerem ciência

Letícia Piccolotto*


Com a pandemia de covid-19, muitas palavras passaram a integrar o nosso vocabulário e seus significados, antes desconhecidos pela maioria de nós, se tornaram cada vez mais representativos da realidade que vivemos. Outros termos, no entanto, já eram conhecidos, mas elevaram o patamar de sua importância. E se eu pudesse escolher qual a palavra mais importante dos últimos dois anos, sem sombra de dúvidas, ela seria ciência.
Por vezes questionada, muitas vezes celebrada, a ciência esteve presente em nossas vidas como nunca antes. Acompanhamos o desenvolvimento de imunizantes em tempo real, nos familiarizamos com a sua linguagem, seus processos e resultados. Estando mais próximos da ciência, passamos a entender melhor a complexidade da vida e dos acontecimentos que nos rodeiam. E os últimos dois anos também trouxeram à tona os desafios relacionados ao fazer científico.
Falamos sobre a falta de recursos para a pesquisa, discutimos sobre os diversos papéis que cada ator da sociedade —governo, setor privado, academia, terceiro setor— deveriam ocupar na ciência e também questionamos o tempo necessário para produzir conclusões com validade científica —tempo esse que nunca pareceu acompanhar o compasso de nossa urgência em alcançar respostas.
Um desafio, no entanto, parece perpassar o momento presente. Ele vem de muito tempo e, infelizmente, deve ainda demorar muito mais para se resolver. Falo da equidade de gênero nas ciências e do quanto precisamos caminhar para que meninas e mulheres sejam beneficiárias das descobertas científicas e, mais do que isso, as promotoras dessas transformações. A equidade de gênero é um tema sempre presente em minha vida e sobre o qual discuto com muita frequência aqui na coluna.
Mas o motivo para escrever esse texto é especial.
Dia 11 de fevereiro foi o Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência. A data foi criada em 2015 pela Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) para celebrar e promover a participação feminina nas diversas áreas de conhecimento das ciências. A igualdade de gênero é um tema prioritário para as Nações Unidas e, inclusive, figura como um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável —conhecidos como ODS ou Agenda 2030. E alguns números sobre a participação feminina nas áreas de STEM —acrônimo em inglês que significa ciência, tecnologia, engenharia e matemática— ajudam a entender o porquê da importância do tema.
Por exemplo, o fato de que desde 1903, quando Marie Curie ganhou o Prêmio Nobel por suas descobertas sobre os efeitos da radiação, apenas 17 outras mulheres repetiram esse feito nas áreas de física, química ou medicina. Entre os homens laureados pelo prêmio, o número foi de 572.
Somente 33% dos pesquisadores são mulheres e, em áreas disruptivas, como inteligência artificial, representamos apenas 22% dos profissionais. No Brasil, 54% dos títulos de doutorado foram obtidos por mulheres, embora somente 25% dos diplomas se concentrem nas áreas de matemática e ciência da computação.
Diferenças e iniquidades tão gigantescas não acontecem da noite para o dia. E, definitivamente, não são fruto de uma inabilidade das mulheres para as ciências, como muitos discursos mal-intencionados podem querer sugerir. Para se ter uma ideia, um artigo publicado na Nature, uma das mais bem-conceituadas revistas científicas do mundo, mostrou que, entre 2008 e 2012, as pesquisadoras brasileiras foram responsáveis por quase 70% de todas as publicações científicas produzidas no país.
Como já discuti aqui, desde muito cedo, meninas apresentam desempenho igual ou superior aos meninos em disciplinas como matemática, física e química. Mas a distância entre os grupos vai se ampliando com o passar do tempo até que se torne um abismo quase intransponível na vida adulta.
O que pode explicar tal diferença?
Pesquisas têm buscado compreender os fatores que levam à subrepresentação de mulheres nas ciências.
Os resultados apresentados no relatório "Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM)" , publicado pela Unesco, reforça o que já discuti anteriormente: não há qualquer razão genética, cognitiva ou física que justifique a disparidade entre homens e mulheres que temos observado nas ciências. Causas muito mais profundas e, ainda assim, sutis, podem ajudar a entender como, desde muito cedo, o problema começa a se formar. Fatores como:
Estereótipos de gênero compartilhados por familiares, amigos e pela sociedade, como a ideia difundida de que as áreas de STEM não são "coisas para meninas"; contexto sociocultural e econômico das famílias; a qualidade dos professores e, especialmente, a presença de mulheres no corpo docente e, finalmente; recursos para o aprendizado, como currículos de STEM, materiais e oportunidades de praticar os conhecimentos aprendidos.
Além disso, há um importante componente governamental: políticas públicas, legislações e ações de comunicação podem influenciar fortemente —para o bem e para o mal— a participação de mulheres na ciência. E nos próprios fatores que causam as disparidades de gênero podemos encontrar caminhos para enfrentar esse desafio.
Primeiro, é imprescindível reconhecer a complexidade do problema e a necessidade de que os diversos atores estejam envolvidos em sua solução. Segundo, que sejam implementadas ações, desde muito cedo, para que as meninas e, no futuro, mulheres, tenham todas as condições de cultivar o interesse e aspirar uma carreira nas áreas de STEM.
Por fim, é fundamental que todos tenhamos o compromisso individual e coletivo de promover a igualdade de gênero em todos os espaços em que estamos presentes. Que ser mulher não seja um fator limitante; que sejamos livres para moldar nossa identidade, crenças, comportamentos e escolhas de vida; e que a sociedade possa reconhecer a inestimável contribuição que podemos trazer para o desenvolvimento de todos.

É o que desejo hoje e em todos os dias. Para mim, para minhas filhas e para todas as meninas e mulheres que existem e ainda existirão.

*Texto publicado originalmente na coluna semanal de Letícia Piccolotto no UOL/Tilt 


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