O que fazer diante da notícia de que seu filho é portador de Transtornos do Espectro Autista (TEA), mais conhecido como autismo? A reação natural é a inicial desesperança, seguida de da busca desenfreada por auxílio especializado. Mas e se no local onde mora não existir esse tipo de ajuda? Ir embora ou “seguir a vida do jeito que dá” tendem a ser as reações mais comuns, mas não para a professora de Sistema de Informação do Instituto Federal de Alagoas (Ifal), Mônica Ximenes.
Ela descobriu, há pouco mais de uma década, que seu filho mais novo era autista e, a partir daí, iniciou uma luta diária para garantir o tratamento adequado para seu caçula, hoje com 16 anos de idade. A professora universitária foi em busca de tratamento, pois em Maceió pouco ou nada se sabia sobre o autismo naquela época.
“Eu mesma descobri. Comecei a perceber que ele não tinha o desenvolvimento em seu curso normal. Comecei a observar de perto o que estava acontecendo e fui investigar, procurei médicos, de neurologistas a pediatras. Até se falou em autismo, mas sem dar certeza. Uma vez perguntei a um pediatra se meu filho tinha autismo e ele me repreendeu ‘como uma mãe pode perguntar isso?’. Eu lhe disse: ‘olha, independente do que ele tenha, ele é meu filho e vou lutar para o melhor para a vida dele sempre, mas eu preciso saber o que ele tem’”, lembra.
Mônica começou a perceber que seu filho caçula tinha desenvolvimento diferente após ele completar um ano de idade.
“Com um ano, um ano e dois meses, ele não emitia sons, fala. Depois ele começou com comportamento de ficar isolado e brincar com objetos que não eram corriqueiros para a sua idade. Ficava girando objetos, colocando carrinhos e o velocípede de cabeça para baixo. Rodava tampa de panela. E tinha fixação em ventilador ou objetos giratórios”, recorda.
“Aí eu comecei essa luta. Fui a São Paulo e vi que nada do que se fazia aqui era usado para tratamento de autismo. Trouxe um médico e ele foi quem diagnosticou meu filho. Foi aí que pensei: ou tenho que sair de Maceió ou trazer para cá essa estrutura. Pesei a qualidade de vida que temos aqui e decidi ficar”, completa Mônica.
Dessa busca por melhores condições de tratamento surgiu a Associação dos Amigos do Autista (AMA). Mas as grandes conquistas de Mônica Ximenes são as superações que seu filho demonstra no dia a dia e em ocasiões especiais, como a corrida organizada pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) em 2017.
“Aquela multidão me assustou porque ele sempre fazia suas caminhadas com o profissional da AMA e no silencio, mas lá tinha muito barulho e multidão. A gente deixou todo mundo sair para ele começar o trajeto. Ele foi devagar, parando quando queria, mas terminou o percurso. Foi uma vitória para a gente, vê-lo cruzar a linha de chagada foi uma felicidade [emocionada]. Cada passo que ele dá, para nós é uma alegria”, lembra.
“Hoje ele sabe tomar banho e escovar os dentes. Para isso foi preciso treino, desde o começo. Com nove, dez anos de idade ele não cuspia, mas hoje quando eu digo para ele escovar os dentes, ele faz sozinho. Não é uma vitória? Há cinco anos ele nem deixava a escova entrar na boca”, completa a mãe orgulhosa.
“Autista não é burro”
Devido ao desconhecimento do que seja o autismo, muita gente, além de trata a síndrome como doença, vê seus portadores como incapazes de aprender. Segundo explicação de Maria Luíza Torres, professora de Terapia Ocupacional da Universidade Estadual de Ciências da Saúde (Uncisal), ambos os entendimentos estão equivocados.
“Cada pessoa tem sua potencialidade, sua habilidade e suas dificuldades. Existem tipos diferentes de autismo. Se tivermos cinco crianças com autismo, na mesma idade e na mesma escola, cada uma delas vai se apresentar diferente na sociedade porque algumas serão mais estimuladas pelos pais, algumas terão pais mais pacientes e algumas terão cognição comprometida organicamente. Ninguém é burro. Todo mundo sabe alguma coisa e mesmo um autista clássico com comprometimento cognitivo, que não consiga verbalizar o que pensa, é inteligente”, explica a professora da Uncisal.
Maria Luíza Torres ressalta haver diferentes níveis de autismo: leve, moderado e severo. O tipo mais brando é denominado de Asperger.
“Mas os que todos têm em comum é a dificuldade em habilidades sociais”, pontua. “O Asperger tem comprometimento na interação social, mas a linguagem está satisfatória, assim como o comportamento. É uma criança que, se tiver um bom estímulo, pode chegar à faculdade, casar e ter filhos. Terá, entre aspas, uma vida normal. O autista é um dos melhores empregados que uma empresa pode ter porque eles são perfeccionistas, altamente organizados. A rotina para eles é essencial. É um funcionário de alto desempenho”, completa a professora ao ponderar que nem todos poderão realizar essas tarefas.
Maria Luíza Torres pondera que apenas uma parcela pequena dos autistas se enquadra no nível mais brando da síndrome.
“Nem todo autista vai conseguir se formar. Existem aqueles graus, o autista clássico, tem um comprometimento cognitivo muito grande. O Asperger é uma parcela pequena dos autistas. A média é aquele que tem comprometimento cognitivo e vai precisar do estímulo da terapia ocupacional, da fonoaudiologia para aprender a falar e aprender nos olhos das pessoas. A grande maioria é o chamado autismo clássico, com retardo médio”, explica.
Sintomas
O Autismo é um transtorno que causa problemas no desenvolvimento da linguagem, nos processos de comunicação, na interação e comportamento social da criança. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), há cerca de 70 milhões de autista no planeta. No Brasil, esse número é próximo a dois milhões de pessoas. Entre os sexos, a síndrome é mais comum nos meninos. Segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) – agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos – o autismo se manifesta em crianças do sexo masculino 4,5 vezes a mais que nas meninas.
Ainda sem cura, as causas da síndrome ainda permanecem incertas e seu diagnóstico é difícil, o que demanda uma equipe multidisciplinar para realizá-lo. “Existem teorias sobre as causas do autismo, desde a genética até o ambiente da criança. Geralmente, o diagnóstico é feito perto dos três anos de idade devido a alguns sinais que ela apresenta. O autista costuma ter movimentos estereotipados, com balanceios. Quando está quieto, ele se balança como se estivesse se ninando. Fazem isso para se acalmar ou para dizer que se sentem bem. Podem ser as duas coisas”, explica Maria Luíza Torres.
A professora de Terapia Ocupacional da Uncisal destaca que os autistas têm problemas com ambientes barulhentos e com texturas, seja de alimentos ou de roupas, por exemplo.
“E quando há alguma irritação ou agressividade, ela não é direcionada à pessoa, mas porque ele quer dizer algo e a mãe – ou o adulto perto – não entende. Geralmente, o autista se agride. E quando agride outra pessoa, isso não é direcionado de forma específica, foi só porque estava perto”, explica Maria Luíza Torres.
Fonte: Carlos Amaral - especial para o Painel Alagoas