O tratamento da síndrome do autismo não é simples, é caro e requer ações diárias a fim de garantir a superação das limitações que o transtorno provoca. Diante dessa realidade, várias são as instituições – públicas e privadas – que buscam oferecer este tipo de serviço.
Em Alagoas, é possível identificar dezenas de locais onde famílias com autismo podem encontrar ajuda. Uma delas é o Centro Unificado de Integração e Desenvolvimento do Autista (CUIDA), da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Maceió (APAE). Atendendo 120 pessoas, com idade entre um e 20 anos – fora uma fila de espera de 58 –, o local é uma das referências no tratamento do autismo.
Criado há quatro anos, o CUIDA só atende pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas, segundo Fabiana Lisboa, neuropsicóloga e coordenadora do Centro, os recursos do Sistema não são suficientes para seu funcionamento.
“Como toda instituição de SUS, temos dificuldades financeiras. Mas hoje temos parceria com a APLUB, do Alagoas Dá Sorte e uma porcentagem das vendas é repassada para a Federação Nacional de APAES, que manda para a gente através de projetos”, explica. “Somos credenciados como Centro de Reabilitação Física e Intelectual – CER II. Então, vem o recurso via Ministério da Saúde [MS], rateado pelos serviços oferecidos e também temos contratos com o Município de Maceió, em que recebemos por produção. O que vem do SUS a gente paga a mão de obra e contas mensais como luz, por exemplo. Todos os nossos profissionais têm carteira assinada, são formados e pós-graduados”, completa.
Além do problema do volume recursos destinados pelo SUS, Fabiana Lisboa questiona os critérios para os pagamentos. Em sua avaliação, a variedade de procedimentos reconhecidos pelo MS para tratar o autismo deveria ser ampliado.
“No autismo a gente precisa de um pouco mais. A gente não pode ter só as terapias ditas convencionais: psicologia, fonoaudiologia ou terapia ocupacional. Só isso não consegue dar a qualidade de atendimento que as pessoas com autismo precisam. A gente precisa de mais tempo, mais profissionais, mais intervenções. Aqui no CUIDA temos educação física e musicalização, que não são pagas pelo SUS porque não estão no critério do Sistema”, relata a neuropsicóloga.
Para Fabiana Lisboa, os critérios deveriam se basear nas necessidades dos pacientes.
“O leque de ações custeadas pelo SUS deveria ser ampliado, sair dos cinco procedimentos preconizados e adotar as demandas do próprio paciente. Eu posso ter um que precisa apenas de três deles, mas posso ter um que precisa muito mais que os cinco estabelecidos”, argumenta a coordenadora do CUIDA.
A ideia do Centro surgiu um ano antes de sua fundação. Fabiana Lisboa realizou uma triagem entre as pessoas atendidas pela APAE e identificou pouco mais de 30 com a síndrome, fora algumas suspeitas depois confirmadas.
“Isso justificou um trabalho diferente para as pessoas com TEA. Como nossos meninos têm uma alteração sensorial especifica, lugares muitos cheios e barulhentos causam muita agitação. A mescla de atendimento com pessoas com outras deficiências gerava muita desorganização, daí nós pensamos em criar um núcleo especifico para lidar com o autismo”, lembra.
AMA
A Associação dos Amigos do Autista (AMA) iniciou, formalmente, seus trabalhos em abril de 2011. Resultado da luta de Mônica Ximenes para garantir maior qualidade de vida a seu filho foi a organização criada por ela e outros pais que trouxe muitas das técnicas para o tratamento da síndrome a Alagoas.
Tudo começou ainda em 2006. “Na época havia pouquíssimas pessoas que sabiam trabalhar com autismo. Então, nós começamos a investir e capacitar profissionais de diversas áreas. Trouxemos gente de fora para ministrar cursos, formar pessoal para atender àqueles que são os mais preciosos para nós: nossos filhos”.
“Antes de nos organizarmos, aqui em Alagoas não se seguia nenhuma das metodologias e nenhum dos programas que se utilizam com pessoas com autismo. Fomos nós que começamos a implantar isso aqui. No começo tinha resistência de profissionais de outras áreas, porque eles achavam que abordagem comportamental era uma estrutura muito rígida, inflexível”, completa a coordenadora da Associação.
A AMA atende 43 crianças e adolescente e funciona no sistema de rateio entre as famílias cujos filhos são atendidos por ela. Sem fins lucrativos, todo o arrecadado vai para o custeio de suas atividades.
“Tudo aqui é rateio de pais, pois é muito caro fazer tudo isso sozinho. Mas quando a gente se junta – mesmo antes dessa casa, a gente já rateava – tudo fica mais viável. Aqui é sem fins lucrativos, então tudo o que se arrecada é o que se gasta: aluguel, profissionais, encargos e manutenção da casa.”, relata Mônica Ximenes.
Geralmente, as crianças e adolescentes ficam na AMA por um turno – manhã ou tarde – mas há casos em que a presença na Associação se dá durante todo o dia.
“Alguns já não estão numa escola regular, por opção de seus pais. Com essa demanda, e o autismo não é só infantil, os pais resolveram pegar as rédeas da educação de seus filhos. Temos professores pedagogos que trabalham com material adaptado, formatado para a necessidade daquele educando. Essas questões do dia a dia, como lavar um prato, por exemplo, eles não aprenderiam numa escola comum”, comenta Mônica Ximenes.
A opção de não mais deixar o filho com autismo numa escola convencional também foi adotada por ela.
“Um indivíduo de 16 anos está no ensino médio, mas se ele não sabe ler, não sabe escrever, não sabe ir ao banheiro sozinho, comer sozinho, como vai ficar numa? Hoje, as escolas não estão preparadas. E outra, qual função uma aula de biologia, física ou matemática vai surtir na vida deles se eles não estão entendendo nada ali? Vão ficar só de corpo presente? Não digo o mesmo para quem tem autismo leve, que tem condições de seguir no ensino. A Lei devia dar essa opção aos pais. Eu fiz essa opção. Meu filho fica feliz quando vem para cá. Aqui ele tem dança, tem horta, educação física adaptada, música”, afirma a coordenadora da AMA.
Educação
Garantir o mínimo de instrução a crianças com autismo não é tarefa fácil. A síndrome apresenta vários níveis e cada indivíduo tem características próprias. Mesmo assim, a rede municipal de ensino de Maceió possui profissionais dedicados a este trabalho. Atualmente, há 214 crianças diagnosticadas com autismo nas escolas públicas municipal da capital alagoana.
Segundo Cláudia Valéria, coordenadora de Educação Especial da Secretaria Municipal de Educação (Semed), cada uma dessas crianças recebe atendimento especializado e individualizado para garantir seu desenvolvimento intelectual.
“No contraturno, elas frequentam na própria escola – ou na mais próxima ou ainda nas instituições conveniadas – a Sala de Recursos cujos trabalhos são voltados à memorização e à fala, ou outras dificuldades que elas possam apresentar. Tudo é feito no sentido de contribuir para que elas possam entender o que se ensina na sala de aula, com atividades especializadas e voltadas à especificidade de cada aluno”, explica Cláudia Valéria.
De acordo com ela, os resultados têm sido bastante positivos.
“Tenho autistas lendo segundo e no quarto ano. Temos experiências excelentes de bons resultados. Se a criança não fala ou tem limitações de alimentação ou locomoção, ela tem um profissional especializado para acompanhá-la na sala de aula. E à tarde – ou pela manhã, pois isso se dá no contraturno –, ela vai trabalhar outras habilidades na Sala de Recursos”, diz a coordenadora de Educação Especial da Semed. “Além das que já leem e escrevem, algumas chegaram sem falar e agora já tem oralidade, outras sem se alimentar, mas já conseguem comer sozinhas”.
Na rede estadual de ensino, o atendimento aos estudantes autistas é parecido com o ofertado pela Semed. Os jovens são acompanhados por profissionais especializados e, duas vezes por semana, participam de atividades multifuncionais.
De acordo com a assessoria de comunicação da Secretaria de Estado da Educação (Seduc), há na rede estadual de ensino 1.378 estudantes com autismo.
“Conforme a Lei de Diretrizes e Bases [LDB] da Educação e a Lei Brasileira de Inclusão [LBI], as escolas da rede estadual realizam trabalho junto a esses estudantes na sala de aula comum, com o suporte pedagógico de um profissional de apoio escolar e com o Atendimento Educacional Especializado [AEE]. Este atendimento ocorre duas vezes por semana na Sala de Recursos Multifuncionais [SEM] no contraturno na própria escola e ou com atividades complementares oferecidas pelo Centro de Educação Especializado Professora Wandette Gomes de Castro”, explica a Seduc.
Em relação ao desempenho escolar destes estudantes, a Secretaria pontua que é preciso considerar o nível de autismo de cada uma delas e as especificidades que apresentam.
“O desempenho dos estudantes autistas varia de acordo com as manifestações do transtorno, alguns têm uma extrema dificuldade em desenvolver a fala e as habilidades acadêmicas, ao mesmo tempo em que existem estudantes com o transtorno que são muito bons na matemática”, relata. “Conforme o nível de autismo são realizados trabalhos que contribuem no desenvolvimento de cada um. Assim, não existindo um padrão de desenvolvimento. Dependendo do nível do autismo de cada estudante, são realizadas atividades que contribuam para o desenvolvimento cognitivo dos mesmos”, completa a Seduc.
SMS
Além do ensino especializado, a Prefeitura de Maceió oferece atendimento em sua rede de saúde. Os serviços são ofertados pela Coordenação de Saúde Mental e pela Gerência de Atenção à Pessoa com Deficiência (GAPD).
“Por meio da Coordenação de Saúde Mental, o atendimento é realizado pelo Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Dr. Rostan Silvestre – localizado no bairro de Jatiúca – e pelo CAPS Infanto-Juvenil (CAPSI) Dr. Luiz da Rocha Cerqueira – situado no Conjunto José Tenório – este referenciado para crianças e jovens até os 17 anos”, destaca a assessoria de comunicação da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). “Já no que diz respeito ao GAPD, o atendimento é realizado por 06 Centros Especializados em Reabilitação [CERs], habilitados no município na modalidade de deficiência intelectual, da qual faz parte o autismo”, completa.
Ainda de acordo com a SMS, cerca de 360 pessoas são atendidas mensalmente nos CERs e Pontos de Atenção. No CAPSI, aproximadamente 87 autistas recebem atendimento e no CAPS, perto de 40.
“As duas áreas – Saúde Mental e GAPD – no entanto, vêm trabalhando na descentralização do serviço, com a pretensão de, até o início do próximo semestre, expandir esse atendimento para todos os demais CAPS do município, aproximando o serviço desses usuários”, pontua a SMS.
Os recursos destinados a bancar estes atendimentos têm origem do Sistema Único de Saúde (SUS), do Governo do Estado e do próprio Município. Contudo, segundo a SMS, o Ministério da Saúde (MS) não direciona verbas específicas para o tratamento do autismo porque uma rede sobre a síndrome ainda não foi criada.
“O custeio mensal do serviço se encontra inserido dentro dos recursos federais direcionados tanto à Saúde Mental quanto à Rede de Deficiência, através do SUS. Além destes, o município destina aos dois CAPS citados o montante somado de R$ 65 mil mensais em recursos próprios, para o atendimento de todos os transtornos, incluindo aí o espectro autista. E ainda no que se refere à Rede de Deficiência, há também um repasse de recursos financeiros do Estado, realizado por meio de convênios”, explica a SMS.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), mas sua assessoria informou que apenas a SMS lidava com autismo.
Percentual populacional
OMS estima que os autistas somem 1% da população mundial, hoje em 7,6 bilhões de pessoas. Nessa referência, Alagoas possui cerca de 3,3 milhões de pessoas, portanto, perto de 33 mil autistas; Maceió, cuja população gira em torno de um milhão de habitantes, teria 10 mil autistas. No Brasil, dois milhões de pessoas são autistas.
Pesquisas
Duas pesquisas estão sendo realizadas, com destaque, neste momento. Uma nos Estados Unidos pela farmacêutica Roche. A empresa quer desenvolver uma droga que atue no hormônio vasopressina, associado ao medo. Ele atua de forma diferente nos autistas, prejudicando sua interação social. Até o momento a droga só foi testada em autistas de nível mais leve e não tem data para ser lançada no mercado.
A outra pesquisa é desenvolvida pela Universidade de São Paulo (USP). O trabalho aponta que autistas produzem um Citocina chamada Interleucina 6 em excesso. Ela seria tóxica e, em alta quantidade, reduziria o número de sinapses pelos neurônios. Os pesquisadores tentam desenvolver uma droga capaz de diminuir a produção de da Interleucina 6 nos cérebros dos autistas.
Fonte: Carlos Amaral - especial para o Painel Alagoas