Carlos Amaral
A pouco mais de 230km de Maceió existe, na cidade de São José da Tapera, no Sertão de Alagoas, um povoado chamado Torrões. Há dez anos o local começou a passar por uma verdadeira transformação, com a chegada de água, infraestrutura e serviços médicos e educacionais. Toda essa mudança tem passado despercebida aos olhos dos alagoanos – exceto pela população taperense – até agora.
Todo esse trabalho é realizado por uma instituição chamada “Amigos do Bem”. A ONG construiu 149 casas, um centro médico com oftalmologia e odontologia, um centro educacional, uma praça, uma padaria, uma mercearia, uma casa de costura e uma de artesanato. Além de um Centro de Transformação (CT), que serve também de sede da instituição no local. O nome dado à ação é “Cidade do Bem”,que em Alagoas foi inaugurada em 2008.
Em 2017, segundo o relatório de atividades disponibilizado no site da Amigos do Bem, foram atendidas com estes serviços 1.043 pessoas. São José da Tapera conta com, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2017, com 32.626 habitantes. Os atendidos pelos serviços da ONG representam 3,2% da população da cidade, mas de acordo com moradores de povoados vizinhos, todos podem ser atendidos pelos serviços ofertados.
São José da Tapera possui um dos piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) do país, com Índice de Gini em 0.527 (quanto mais perto de 1, pior), ficando em 5.416º lugar entre as 5.570 cidades brasileiras (2010). A cidade possui menos de 7% de sua população ocupada e sua renda média per capita é de 2,2 salários mínimos. 56,8% recebem até meio salário mínimo. Esses dados também são do IBGE.
De acordo com a Prefeitura de São José da Tapera, cerca de 4 mil pessoas vivem em Torrões.
Todos com quem a reportagem da Painel Alagoas conversou elogiaram o trabalho da instituição, até então quase secreta. “Quase”, porque apesar de uma série de informações sobre as ações desenvolvidas, assim como as empresas que doam recursos – além de formas de arrecadação – estejam todas disponíveis em seu site, uma ação dessa importância, que tem mudado para melhor a vida daquela população, não é o suficiente para que a Amigos do Bem se sinta confortável com a presença da imprensa no local. Sua assessoria reclamou da presença da reportagem e chegou a afirmar que entrevistas e fotos – mesmo das ruas de Torrões – só poderiam ser feitas com autorização da entidade.
Antes de a equipe da Painel Alagoas se dirigir até o povoado de São José da Tapera foi realizado um contato prévio e, por e-mail, já foi dito que entrevistas com os moradores só com a presença de alguém do marketing de São Paulo, local da sede da Amigos do Bem. E quando a equipe tentou ter acesso ao CT – uma grande estrutura com quadras poliesportivas, dezenas de salas de aula e local para atendimento médico – a assessoria reclamou da presença da revista no local.
Ela reafirmou que qualquer trabalho jornalístico só poderia ser feito com a presença de alguém da instituição em São Paulo disse que nada poderia ser publicado sem autorização prévia, mesmo imagens das ruas de Torrões – além, é claro, das entrevistas com moradores do local.
Questionada se a Amigos do Bem era dona do povoado para ter o direito de proibir imagens de suas ruas, a assessoria disse que não, mas “se for para falar o nome da instituição e sobre o nosso projeto, mesmo com os moradores, tem de pedir autorização. Fazemos isso até com a Globo. E o que digo não é antidemocrático”.
Segundo o advogado Welton Roberto, não há nenhuma lei que justifique ou dê suporte à fala da assessoria da ONG.
“Onde fica a liberdade de imprensa? Conceder ou não entrevistas fica a critério das pessoas procuradas e fotos de vias públicas não precisam de autorização. Mesmo as fachadas dos prédios da ONG podem ser fotografadas livremente. O que precisaria de autorização é a entrada nos locais fechados. Na rua, não”, explica o advogado, que também é professor do curso de Direito da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Prefeitura
A reportagem contatou a Prefeitura de São José da Tapera para saber como, do seu ponto de vista, se dá a relação com a Amigos do Bem. Quem explica é Thiago Santos, secretário Municipal de Agricultura.
“É uma relação institucional. A gente respeita o limite deles, mas é um povoado do Município e recebe serviços do Município. Agora mesmo estão sendo feito calçamentos, por exemplo. As políticas e programas da agricultura familiar, como acesso à água, são da Prefeitura. É uma comunidade como as demais. O diferencial é que tem esse trabalho da Amigos do Bem. Se um agente da Prefeitura precisar ir a Torrões, vai sem avisar ou – muito menos – pedir nada à ONG”, explica Thiago Santos.
O gestor destaca a importância do trabalho realizado no povoado.
“A ONG chegou em Torrões e fez um trabalho excelente. Era uma região isolada do município e sua população vivia muitos problemas sociais e conflitos dentro da comunidade, era tida como violenta. Sua chegada trouxe a possibilidade de melhoria na qualidade de vida, com geração de renda e serviços. A Amigos do Bem fez uma parceria com a prefeitura para colocar água na comunidade”, relata o secretário Municipal de Agricultura.
Thiago Santos explica que em relação às escolas existentes no local, todas são municipais e recebem recursos públicos, mas seu gerenciamento fica a cargo da Amigos do Bem que, acrescentam atividades no dia a dia das unidades educacionais.
Leia também:
Moradores e funcionários da ONG evitam entrevistas
Fonte: Painel Alagoas