Por Carlos Amaral e Evellyn Pimentel
Jornadas superiores a 16 horas diárias. Insegurança. Falta de garantias. Instabilidade. Essas são algumas das características dos mais de 150 mil alagoanos que trabalham na informalidade, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em dezembro de 2019. Adotada como política do Governo Federal desde a chegada de Michel Temer (MDB) à Presidência da República, em 2016, a flexibilização das relações de trabalho tem gerado um estopim de subempregos país afora.
O principal sintoma dessa nova realidade é o grande número de pessoas que tentam ganhar o pão de cada dia por conta própria, se vinculando a aplicativos, seja de transporte, seja de alimentos. É a chamada “uberização” da economia. Para os defensores dessa política, se trata de empreendedorismo e modernização das relações trabalhistas. Mas, na prática, é a mais pura e simples sobrevivência, e sem nenhum glamour liberal, a la self-made man.
Na verdade, a disseminação do uso de serviços por aplicativos mascara uma dura e cruel realidade: a instabilidade profissional. O crescimento da atividade informal no país pressionada pela alta do desemprego é traduzido na prática pelo trabalhador “se virando” para garantir uma renda para a sobrevivência. Tem sido assim com trabalhadores por aplicativo em Maceió, que precisam encarar jornadas de mais de 16 horas diárias, além da instabilidade e insegurança.
Everaldo Marques é motorista de aplicativo há cerca de quatro anos. Formado em Educação Física, ele foi pego em cheio pelo desemprego e a falta de oportunidade em sua área de formação.
“Sou formado em Educação Física há oito anos. Trabalhava com carteira assinada há 18 anos, mas fiquei desempregado em 2016. Foi quando eu comecei de Uber. Eu sempre digo que rodar de Uber é uma forma de arrumar dinheiro rápido, mas muito suado e difícil. Para todos que trabalham com isso é assim, a instabilidade é muito grande. Eu não consigo pagar INSS com o dinheiro que o aplicativo dá. Além de Uber, faço outros bicos para me manter”, diz Everaldo.
O educador físico revela a insatisfação com a atividade, além de ter sido vítima de dois assaltos durante a jornada de trabalho. Por conta do medo, precisou reduzir a carga horária.
“Eu não estou satisfeito porque a gente passa muita dificuldade, por muitos riscos. E as empresas não remuneram bem. Eu mesmo já fui assaltado duas vezes. Não é fácil estar nessa rotina. Hoje rodo em torno de 8, 10 horas por dia, e não rodo mais à noite porque tenho medo de assalto. Se pudesse, eu voltaria a trabalhar com carteira assinada", desabafa Everaldo, que não é o único motorista por aplicativo com formação superior, ou mesmo com histórico profissional em alguma área com mais status, por assim dizer.
Um dia a dia exaustivo e desgastante também é a rotina de Anselmo Romão, há cerca de três anos atuando como motorista de aplicativo. Ele comenta que tentou procurar emprego formalizado, mas não teve sucesso. A rotina, segundo ele, exige muito sacrifício e renúncias.
“Foi a alternativa que encontrei pela falta de emprego. É preciso foco numa meta diária, dedicação para trabalhar todos os dias, não importa se é sábado, domingo ou feriado. Além de paciência com o sistema que não favorece o motorista” avalia Anselmo que, diariamente, dedica entre nove e dez horas nas corridas.
Ele conta que busca opções para não se manter por muito tempo como motorista de Uber.
“O custo de vida está altíssimo. A Uber tem que servir como uma ponte para que você chegue a um trabalho melhor. Pretendo acabar meu curso e atuar na área do Direito e também empreender” comenta Anselmo Romão.
VERGONHA
Não são poucos os relatos de motoristas por aplicativo de dificuldade em conseguir empregos. Dentro dos carros, basta puxar a conversa que logo as histórias surgem. Todas variadas, assim como as análises das causas que os levaram até onde estão.
Keko Guimarães é representante da Associação dos Motoristas de Uber em Maceió e, segundo ele, muitos motoristas preferem não revelar serem formados numa faculdade.
“É uma frustração ser formado, não tem emprego na sua área, você ter formação de advogado, engenheiro, passar cinco anos numa faculdade e precisar rodar de Uber para sobreviver. Muitos deles têm até vergonha de dizer que tem formação acadêmica”, conta Keko.
Além disso, ele ressalta a insegurança jurídica da atividade, de não ter direitos trabalhistas assegurados. Motorista de Uber há cerca de três anos, Keko detalha a rotina de incertezas.
“Rodar durante 16 horas por dia é o normal entre a maioria dos motoristas. É o que a maioria faz. Você sai de casa e não sabe o que vai encontrar. Você tem que sair e trabalhar 16, 17 horas para, pelo menos, sobrar R$ 100. Isso sem contar a manutenção do carro, pneus e alimentação. Fica em torno de R$ 2.000 para uma pessoa que trabalha todos os dias tirando apenas a gasolina. Para ter uma ideia, nunca fica esse valor porque tem pneu furado, óleo para trocar, quando a gente roda muito precisa trocar. Se roda uma média de 300 km por dia, são mais de 10 mil km por mês. Fora o risco de assaltos, por exemplo”, relata Keko Guimarães.
O representante da Associação dos Motoristas de Uber em Maceió também destaca a instabilidade vivida por quem precisou “empreender” dirigindo por aplicativo.
“Não é uma regra, mas a maioria dos trabalhadores assim não paga INSS, apesar de ter uma lei federal que exige isso, assim como abrir um CNPJ pelo Micro Empreendedor Individual [MEI]. Mas como muitos municípios não houve nenhuma regulamentação para trabalhar com os aplicativos, a maioria não paga, inclusive eu. Seguro de carro também é muito difícil sobrar para isso”, diz Keko.
O representante da categoria também alerta para outro problema, muitas vezes invisível, do adoecimento físico e mental.
“A gente ouve muitas histórias. Há um desgaste mental muito grande, nas famílias e até nos casamentos. O que tem de casamento que acabou por conta disso. É muito desgaste, a saúde vai embora. A gente fica muito tempo sentado, fica de mau jeito, por muitas horas. Tem a questão do risco porque acaba que se dorme ao volante. Se é assaltado, aí fica a neura na cabeça, com o psicológico muito afetado”, relata Keko Guimarães.
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Fonte: Painel Alagoas