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14/09/2020 às 08h33

Geral

As veias abertas da pandemia

A crise gerada pelo novo coronavírus expôs feridas, derrubou conceitos e consolidou outros, seja nas relações sociais, na economia ou na política 

Imagem de RitaE por Pixabay

Por Carlos Amaral

Dos oito meses de 2020, ao menos seis foram de combate à pandemia da covid-19. No Brasil, a partir do mês de março, os estados começaram a implantar medidas de isolamento social como forma de achatar a curva de contágio do novo coronavírus. A medida ainda é considerada a mais eficaz no combate à doença, até o momento sem cura ou vacina. Contudo, o iso­lamento exige engajamento cole­ti­vo, algo que muitos acreditaram ser possível, já que, afinal, trata-se de um vírus mortal e que se espalha ra­pi­damente. O sentimento era de que prevaleceria o comportamento de pro­teção enquanto espécie, in­clu­sive, com alto grau de solidarie­dade, superando até mesmo as dife­renças de classe social. Ledo engano.

O que se viu foi, desde o início das medidas protetivas, foi uma série de movimentos negacionis­tas e a tentativa voraz de expor os mais pobres ao contágio para os mais ricos permanecerem protegidos. Tudo sob o argumento de que o vírus não existia; se existisse não era letal; se ele matasse, matava pouco e “só” alguns segmentos; e que o desemprego era a “pior pandemia”.

Assim como Eduardo Galeano, em As Veias Abertas da América Latina, escreveu que subcontinente estaria condenado a servir ao imperialismo do Norte, os mais po­bres – ao menos no Brasil – parecem fadados a servir os mais abastados, custe o que custar.

“Mas a região continua tra­ba­lhando como serviçal, continua exis­tindo para satisfazer as ne­cessi­dades alheias, como fonte e reserva de petróleo e  ferro, de cobre e carne, frutas e café, ma­térias-pri­mas e alimentos, destinados aos países ricos que, consumin­do-os, ganham muito mais do que ganha a América Latina ao produzi-los”, escreveu o autor uru­guaio. Nesse paralelo, a América Latina é os mais pobres, muitos for­çados a trabalhar quando deveriam ficar em casa para proteger a si e aos demais.

Basta uma pesquisa rápida em qualquer meta-buscador na in­ternet e se encontra casos de do­mésticas vítimas da covid-19, contaminadas por seus patrões.

Na avaliação da socióloga Da­núbia Barbosa, a pandemia expôs feridas que já estavam expostas, mas muita gente não via, ou fingia não ver.

“Toda aquela movimentação para abrir o comércio, como se a vida fosse algo secundário e não fosse mais importante. A economia para ser gerida – e gerada – precisa de vida, de pessoas”, pontua. “Mui­tos esperavam que a pandemia fos­se escancarar o que as pessoas ti­nham de melhor, mas não foi isso que vimos. O individualismo ainda está muito consolidado. Talvez se pre­­cise de outra crise como essa para criar um processo de conscientização em relação a questões como solidariedade, empatia, amor ao pró­ximo. Cancelou-se réveillon e car­naval, se não houver vacina até lá, mas se está brigando para que as crianças voltem para a escola. A vida se torna algo secundário. Não pode­mos deixar que isso ocorra. Preci­samos elencar as prioridades e fazer um novo recomeço, seja na economia ou na política, tendo a vida como nossa medula”, completa a socióloga.

Na avaliação de Danúbia Barbosa, o individualismo está arraigado na sociedade brasileira e nem a crise gerada pelo novo coronavírus enfraqueceu essa característica. Ainda de acordo com ela, os pro­ble­mas apresentados pelo Estado são reflexos dessa mentalidade coletiva.

“A gente viu o Estado também escancarando suas feridas. Nós não estamos preparados para uma gran­de catástrofe, como uma pan­demia. Temos um grande número de invi­síveis; temos feridas abertas no sis­tema educacional, que a pan­demia mostrou. A gente não está preparado para aulas à distância; o sistema de saúde brasileiro também não estava preparado. Todas as fra­turas expostas ficaram mais ex­postas, as vísceras do Estado saí­ram. Isso é re­flexo da população, uma vez que ela é quem escolhe os representantes do Estado. Vemos cada vez mais o individualismo acir­rado”, afirma. “E quando se flexi­biliza [as medidas de isolamento], se vê as pessoas nas ruas, nos bares... Elas sentem ne­cessidade, como se ir ao bar fosse obrigação, que foram abertos por uma necessidade de mercado, mas, necessariamente, não se precisa ir lá. Bares e shoppings lotados só mos­tram como o individualismo está acirrado”, completa a socióloga.  

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Fonte: Painel Alagoas

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