Por Carlos Amaral
Inclusão. No Dicionário Aurélio – versão digital – a primeira explicação para o termo é: Integração absoluta de pessoas que possuem necessidades especiais ou específicas numa sociedade: políticas de inclusão. Isto é o que o atual ministro da educação Milton Ribeiro afirmou não querer para a área de sua pasta, em entrevista concedida no dia 23 de agosto. “Nós não queremos o inclusivismo, criticam essa minha terminologia, mas é essa mesmo que eu continuo a usar", disse em entrevista à rádio Jovem Pan.
Dias antes, o ministro afirmou que “alunos com deficiência atrapalham o aprendizado de outras crianças sem a mesma condição”, em sua participação no programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo.
Para Antonio Cabral, dirigente do Instituto Amor 21, crianças com algum tipo de deficiência precisam frequentar escolas inclusivas, junto às demais crianças, sob risco de viverem isoladas do restante da sociedade. Ele é pai de uma criança de oito anos com Síndrome de Down.
“Veja só, só há uma a cada sete pessoas no mundo com deficiência. Mas, certamente, você não namorou com ela; certamente, você não conviveu com essa proporção dentro de sua sala de aula; você não vê essas pessoas no shopping, na praia, num show ou num restaurante. Você não vê essa proporção em lugar algum. Ora, se essa proporção existe, por que essas pessoas não estão nesses ambientes?”, questiona. “Porque a primeira experiência social que você tem fora da sua família é a escola. Quando você vai para escola e não é recepcionado, não é acolhido, essas crianças começam a ir para um gueto. É como eu costumo comparar. É a história da lagarta que virou borboleta, bateu asas e voou, mas às avessas”, completa Antonio Cabral.
O dirigente do Amor 21 ressalta os marcos legais existentes no país sobre o tema.
“O Artur sempre esteve em escola regular e isso graças aos marcos legais que têm no Brasil, que começaram as ser implementados durante o governo Lula. O Brasil, inclusive, é signatário de uma convenção da ONU [Organização das Nações Unidas] de direitos da pessoa com deficiência, de 2006”, relata. “Em 2009, esses direitos foram incorporados à Constituição, às quais constam que todas as pessoas com deficiência têm direito a participar da vida escolar regular. Em 2016, entrou em vigor o a Lei Brasileira de Inclusão [LBI] que também possui essa questão”, completa Antonio Cabral.
A Emenda Constitucional nº 59/2009 alterou os incisos I e VII do artigo 208 da Constituição, determinando a obrigatoriedade da educação básica dos 4 aos 17 anos de idade. Assim, a matrícula passou a ser obrigatória a partir da pré-escola, sendo o acesso à creche um direito de todas as crianças de 0 a 3 anos, devendo o poder público ampliar esta oferta de forma gradativa.
Já o artigo 7 da Convenção da ONU, citada pelo dirigente do Amor 21, trata sobre os direitos das pessoas com deficiência e estabelece o compromisso com a adoção de medidas necessárias para assegurar às crianças com deficiência o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais em igualdade de oportunidade com as demais. O documento estabelece que é direito das pessoas com deficiência a educação em sistemas educacionais inclusivos, em todos os níveis, etapas e modalidades de ensino.
“Para você ter uma ideia, antes nós pagávamos duas mensalidades para nosso filho estudar em escola particular, mas a partir da LBI, essa taxa extra ficou proibida”, comenta Antonio Cabral.
Para ele, as escolas ainda estão despreparadas para lidar com crianças com algum tipo de deficiência.
“As escolas não estão preparadas para receber as crianças com deficiência intelectual. Não estão e não querem estar. Com toda esta vasta legislação, as escolas fazem corpo mole, imagine você dizendo que há essa possibilidade dos nossos filhos irem para uma escola especial [tese defendida pelo ministro da Educação em suas entrevistas]”, questiona o dirigente do Amor 21.
“Aqui em Maceió tem uma escola voltada para pessoas com deficiência intelectual. Veja, nós aprendemos por imitação e se eu coloco uma criança com deficiência num ambiente exclusivista, eu limito a capacidade de aprendizado. Mas quando eu coloco uma criança dentro da sala de aula regular, ela vai começar a imitar os colegas e aí eu elevo essa capacidade. Há uma pesquisa da Universidade Michigan junto com a de Oxford em que se aponta os benefícios da educação inclusiva até para pessoas que não tem deficiência”, completa Antonio Cabral.
Para ele, a não visibilidade das pessoas com deficiência só comprova como a sociedade é preconceituosa.
“Uma pessoa a cada sete é uma proporção gigantesca, mas nós não vemos isso por aí porque nós temos uma sociedade extremamente preconceituosa. Como não se convive com essas pessoas, se acha que elas vivem em outro mundo, mas se começarmos a misturar as crianças, se começa a estimular a tolerância e o entendimento de que nem todos são iguais e se começa a criar um mundo melhor. Aliás, a única coisa que nos iguala é que todos somos diferentes”, afirma Antonio Cabral.
MEC
Em nota divulgada em suas redes sociais dias após as entrevistas do ministro Milton Ribeiro, o Ministério da Educação (MEC) afirmou que segue defendendo a inclusão de crianças com deficiência no ensino regular, mas que apenas criou um modelo alternativo.
Abaixo, a íntegra da nota:
“O Ministério da Educação vem a público esclarecer que continua firme no objetivo, de cada vez mais, ampliar a inclusão preferencialmente nas escolas regulares, como assinala a LDB, e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil na luta por uma educação inclusiva.
O MEC não nega o direito de todas as pessoas, com ou sem deficiência, estarem em escolas regulares e jamais aceitará retrocessos em relação a essas conquistas. Recusar matrícula continua sendo crime no Brasil!
No entanto, grande polêmica está acontecendo porque de um lado há a opção por um modelo único e, de outro, o MEC garantindo a opção pelo atendimento adequado de uma pequena minoria que demanda classes e atendimento especializado durante todo o período escolar. Essa flexibilidade refere-se aos educandos do público da Educação Especial que estavam nas classes e escolas especiais, ou seja, a 0,3% dos educandos da educação básica que encontravam-se nessas classes em 2020.
O MEC não está retrocedendo em termos dos direitos, pelo contrário, está ampliando os direitos já conquistados. Muitos educandos com deficiência mental grave e múltiplas deficiências, que demandam adaptações razoáveis e apoios múltiplos e contínuos, estão sofrendo com a perda do direito a uma educação mais direcionada às suas especificidades. Também os surdos têm direito a uma escola que respeite sua língua e cultura.
O MEC está atendendo à demanda por um sistema educacional inclusivo, assegurado pela Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, pois classes especializadas promovem a inclusão social do público que atendem, com base nas liberdades fundamentais – e não existem liberdades fundamentais se for suprimido o direito de escolha”.
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Fonte: Painel Alagoas