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11/12/2014 às 13h42

Geral

Sequestro de Abilio Diniz foi embrião do PCC e prejudicou Lula, diz Fleury

Ex-governador avalia crime ocorrido há 25 anos

O ex-governador Luiz Antônio Fleury Filho, secretário de Segurança Pública de São Paulo em 1989, afirma que o convívio de criminosos comuns com os sequestradores do empresário Abilio Diniz, na Penitenciária do Estado, no Carandiru, resultou no embrião que gerou, nos governos do PSDB, o Primeiro Comando da Capital (PCC). Duas décadas depois, a quadrilha controla os presídios paulistas, o tráfico de drogas e os maiores crimes contra o patrimônio no País.

Nos dez anos em que cumpriram pena, os sequestradores conviveram com presos comuns, entre eles o jovem ladrão Marco William Hernandes Camacho, o Marcola, que mais tarde lideraria o PCC.

“Os sequestradores do Abilio Diniz causaram um grande mal às prisões. O PCC nasceu do convívio com eles e se estruturou a partir de 1994”, afirma Fleury.

O grupo original, formado por três detentos, conhecidos por Paixão, César e Cezinha, já era chamado de PCC pelas iniciais dos nomes. Mais tarde a sigla passou a adotar Primeiro Comando da Capital, criou um estatuto e tornou-se conhecida em maio de 2001, ao comandar a megarrebelião e parar, num único domingo, 29 prisões.

“A presença dos sequestradores provocou graves mudanças no sistema prisional”, diz Fleury, um quarto de século depois daquele dezembro de 1989, vésperas da primeira eleição presidencial pós-ditadura militar. O ex-governador também admitiu que a polícia vestiu camisetas do PT nos sequestradores e que houve uso político do episódio pra prejudicar o então candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Hoje ele crê que a repercussão do sequestro pode ter ajudado a alterar o resultado da disputa em que saiu vitorioso o hoje senador Fernando Collor.

“Para o Lula até que foi bom ter perdido aquela eleição”, observa Fleury, referindo-se, naturalmente, ao fato de o petista, três eleições depois, ter vencido e se transformado num fenômeno eleitoral. Pela interpretação do ex-governador, se tivesse vencido, Lula poderia não ter chegado ao estágio de liderança atual. “Mas ele não perdeu só por causa do sequestro. Lula foi derrotado no debate da TV Globo”, opina.

Fleury nega ter tido qualquer participação no episódio em que os sequestradores foram vestidos e fotografados com camisetas de campanha do PT, imagens fartamente exploradas às vésperas do pleito, para prejudicar Lula.

O ex-governador não quis entrar em detalhes sobre os autores da armação, mas fez questão de esclarecer que, ao contrário do que a polícia a ele subordinada divulgou, não havia nenhum petista envolvido com o caso e que nas casas alugadas pelos sequestradores havia material de propaganda das duas campanhas, que eram usados pelos sequestradores para confundir as autoridades.

“Os dirigentes do PT foram iludidos pelos sequestradores”, diz. Segundo ele, alguns dos estrangeiros envolvidos se apresentaram como salvadorenhos e chegaram a participar de uma reunião na Câmara de Vereadores da capital, à época presidida pelo senador Eduardo Suplicy, como refugiados políticos.

Ele afirma que ficou irritado com a divulgação das imagens e diz que chegou a cobrar do então diretor do Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoa (DHPP), delegado Gilberto Alves da Cunha, a quem o grupo antissequestro era subordinado, uma satisfação sobre o caso. De assessores próximos, Fleury ouviu que foi Cunha quem deixou vazar as fotos, com a clara intenção de agradar uma ala militar hostil a Lula, visto naquela época de transição entre o autoritarismo e a democracia, como uma ameaça ao regime que acabava de deixar o poder.

O ex-governador diz que os nomes e telefones de alguns dirigentes petistas em agendas apreendidas com os sequestradores significa apenas que o grupo procurou criar uma “história-cobertura” para dissimular. Fleury diz que as agendas sumiram misteriosamente até dos processos e, jurando que jamais revelará quem são, diz que havia outros nomes além dos que foram à época divulgados.

O caso

Um dos episódios mais emblemáticos da história criminal do País, o sequestro do empresário Abílio Diniz, que durou de 11 a 17 de dezembro de 1989, ajudou a mudar os rumos dos acontecimentos políticos e teve profundo impacto nas políticas de segurança e prisional do Brasil. O caso é uma espécie de crônica de um sequestro anunciado: Diniz sempre soube que era um alvo em potencial, mas, confiante, nunca tomou as medidas de prevenção que poderia ter tomado.

Esportista e atirador treinado, na manhã daquela segunda-feira assumiu o volante portando dois revólveres que nem teve tempo de sacar quando seu carro foi bloqueado por uma Caravan branca camuflada de ambulância na esquina das ruas Sabuji com Seridó, no Jardim Europa.

Do interior de um segundo carro, saltaram dois sequestradores, um deles o líder do grupo, o argentino Humberto Eduardo Paz, o Juan, militante da esquerda armada da América Latina, com dezenas de ações executadas em nome do Exército Popular Argentino (Erp), Movimento de Izquierda Revolucionário (Mir) e Frente Popular de Libertação (FPL), de El Salvador.

Dominado com um murro e assustado pelos gritos, o empresário foi levado direto para o cativeiro, um cubículo construído num sobrado da Praça Hashiro Miyazaki, no Jabaquara, Zona Sul de São Paulo, onde permaneceria até ser libertado pela polícia, no momento em que eram fechadas as urnas, no segundo turno da eleição presidencial de 1989.

Nos seis dias que antecederam o desfecho, uma mistura de sorte e perícia, recheada de denúncias de tortura, levaria a polícia ao cativeiro, depois de prender outro militante de esquerda, o chileno Pedro Segundo Solar Venega que, na versão de Fleury, machucou-se ao se atracar com um dos delegados que trabalhavam nas investigações, Roberto Kaway, faixa preta em karatê. “Ele não foi torturado”, afirma, elogiando a investigação da polícia que, a partir de então, segundo ele, mudaria os conceitos de segurança sobre sequestros.

Segundo o ex-governador, o cartão de um mecânico, dono da oficina onde a Caravan passou por conserto dias antes do sequestro, tinha o telefone do apartamento ocupado por Venega, no Bairro de Santa Cecília. Os policiais desmontaram o automóvel peça por peça e encontraram o cartão caído num tubo de ventilação do motor. O chileno foi surpreendido quando já abandonava o apartamento, depois de passar as chaves ao porteiro. Pela versão da defesa dos sequestradores, foi levado para o DHPP e, sob tortura, entregou comparsas que, por sua vez, também sob tortura, levaram a polícia ao cativeiro.

Guerrilheiros

Com a libertação de Diniz, a polícia prendeu dez sequestradores e evitou que o Grupo Pão de Açúcar, na época controlado pelo empresário, desembolsasse US$ 30 milhões, que era o resgate exigido pelo grupo. Anos mais tarde dirigentes do MIR chileno assumiriam responsabilidade pelo sequestro para fortalecer a tese de que se tratou de uma ação política. O problema é que grupos da mesma origem, a esquerda armada latino-americana, havia participado de outros três sequestros anteriores, envolvendo como vítimas o ex-vice-presidente do Bradesco, Antônio Beltran Martinez, e os publicitários Luiz Sales e Geraldo Alonso.

Mais tarde havia pegadas de remanescentes do grupo que escaparam da polícia no caso Diniz também no sequestro do publicitário Washington Olivetto, ocorrido em 2001, na mesma data em que o empresário foi apanhado, 11 de dezembro.

Levado à política pela participação no esclarecimento do caso Diniz, Fleury tornou-se governador pelo PMDB. Nunca se convenceu de que a motivação foi política. “Eles eram órfãos da luta armada. Queriam dinheiro”, afirma o ex-secretário que, em 1999, posicionou-se radicalmente contra a expulsão dos sequestradores.

Depois de uma greve de fome e de uma campanha apoiada pelo PT e, especialmente por Lula, justamente quem mais havia sido prejudicado, os nove estrangeiros foram mandados de volta para seus países (Canadá, Chile e Argentina). Único brasileiro do grupo, o professor de história e um dos fundadores do PT do Ceará, Raimundo Rosélio da Costa Freire, foi indultado. Depois, voltou a ser preso por tráfico de drogas.

Logo depois do desfecho do caso, em 1990, Lula deu uma declaração afirmando que não se importava com o destino dos sequestradores e que se dependesse dele “que apodrecessem na cadeia”. Em 1999, mudou radicalmente de posição e não só visitou o grupo, que fazia greve de fome, como intercedeu junto ao então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, para que fossem mandados de volta para os países de origem.


Fonte: IG

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