A variedade de cores e tons, a diversidade de pontos em uma mesma peça e o acabamento impecável, através do trabalho manual realizado pelas rendeiras, confere ao filé alagoano – tradicional técnica artesanal – um design autêntico e diferenciado. Em processo de ser reconhecido como Patrimônio Cultural do Estado e alvo de estudos aprofundados para receber um selo de origem geográfica, o bordado alagoano é a principal fonte de renda das famílias do Pontal da Barra e de várias comunidades de Marechal Deodoro.
Dados recentes disponibilizados pelo Programa do Artesanato Brasileiro em Alagoas (PAB/Alagoas) – coordenado pela Secretaria de Estado do Planejamento e do Desenvolvimento Econômico (Seplande) –, apontam que cerca de 70% dos nove mil artesãos inscritos no Sistema de Cadastramento do Artesanato Brasileiro (Sicab) trabalham com o filé.
Os números indicam a forte tradição presente na atividade, cuja procedência data da colonização, através dos portugueses. Esse tipo de artesanato, inicialmente usado para a produção de redes de pesca, começou a ser utilizado pelas mulheres dos pescadores há quase um século e até hoje é repassado para as novas gerações.
“Tenho duas filhas, uma de 13 e outra de 11 anos, que desde muito novas já tinham interesse em aprender. Como me viam horas com o tear no colo, a curiosidade fez a aprendizagem ser de forma natural e hoje elas me ajudam muito”, contou a rendeira Edlene Maria Farias Xavier, de Marechal Deodoro. Segundo ela, que trabalha com o filé há seis anos, quase todas as mulheres da região fazem o artesanato e a maioria tem a técnica como principal fonte de renda.
No Pontal da Barra, em Maceió, não é diferente. “As pessoas aqui aprendem desde cedo. A diversão das crianças é pegar uma agulha e ficar brincando com o tear, porque desde quando nascem convivem com a técnica por toda parte”, destaca a rendeira Rejane Maria Vital da Silva, que tem o filé como única fonte de renda há quase 30 anos.
Iconografia
Presente no livro Iconografia Alagoana, lançado no início deste ano e elaborado pela Seplande em parceria com o Sebrae Alagoas, o filé é considerado um dos 134 símbolos mais representativos da cultura alagoana, bastante valorizado no resto do país pela tradição, autenticidade e riqueza de detalhes em todas as peças. “As toalhas e passadeiras que adornam mesas, as blusas e echarpes, as mantas e colchas, todos os trabalhos feitos com a técnica apresentam um resultado único, típico dos trabalhos manuais que resultam em originalidade e perfeição”, argumenta a design Vania Amorim, assessora especial da Seplande e organizadora do volume sobre a Iconografia Alagoana.
Tais características específicas, representadas na arte das rendeiras das regiões que margeiam as Lagoas Mundaú e Manguaba, despertaram a necessidade de maior valorização dos produtos e garantia da manutenção da tradição, através do projeto de Indicação Geográfica do Filé, realizado pela Seplande e pelo Sebrae/AL. A proposta é estabelecer um padrão de qualidade e, a partir da implantação do selo, o aumento de 30% nas vendas dos artesãos.
De acordo com Vânia Amorim, uma das responsáveis pelo projeto, o selo de indicação geográfica nos produtos garante reconhecimento, notoriedade e maior segurança para o consumidor, que prefere um produto certificado. “É o que já existe com o espumante produzido na região de Champagne, na França e o presunto feito em Parma, na Itália”, exemplifica Vania Amorim.
Para a coordenadora do PAB em Alagoas, Sônia Normande, produtores e consumidores só terão vantagens com o selo. “O filé alagoano terá valor superior aos que não apresentam origem definida e os compradores têm a segurança de adquirir um produto que tem tradição e qualidade comprovadas”, explica.
O projeto está em fase de finalização de um estudo avançado sobre a história do filé e sobre a incidência desse tipo de artesanato no Estado, realizado por professores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), e que servirá de argumento para a aquisição do selo pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).
Associativismo
Mesmo com a grande incidência do filé nas regiões do Pontal e de Marechal Deodoro, ocasionada pela longa tradição, a comercialização dos produtos ainda encontra algumas dificuldades em Alagoas. As maiores queixas das rendeiras dizem respeito ao escoamento da produção e ao custo da matéria-prima. Uma das possíveis saídas para as dificuldades é apostar no associativismo.
“Acho que o maior desafio é a matéria-prima. A linha de algodão, que é cara. Depois é a falta de comprador. Temos produtos, aceitamos encomendas, mas a questão maior é a quantidade de espaços destinados às vendas”, explica Edlene Xavier, que vende suas peças em uma lojinha alugada na Praia do Francês.
Para a rendeira do Pontal da Barra, Rejane Maria Vital, o maior problema é a necessidade de aumento da produção. “Turista tem o ano todo aqui, mas perco vendas, muitas vezes, pela falta de mais de uma opção de uma mesma peça. É preciso terceirizar o serviço, mas faltam condições para isso”, diz. Segundo Rejane, seis pessoas ajudam na confecção das peças que ela desenha e são remuneradas pelo trabalho.
Um dos principais meios de escoamento dos produtos oriundos da atividade é a participação nas feiras municipais, estaduais e nacionais. Muitos artesãos aumentam seu rendimento a partir dos espaços destinados à exposição de seus trabalhos. O Programa do Artesanato Brasileiro em Alagoas (PAB-AL) funciona como facilitador do acesso das rendeiras às novas oportunidades de mercado, através das feiras e dos eventos.
Moda fashion
O filé também já é atração principal de desfiles de moda. No Maceió Fashion Design, em 2009, fez sucesso com o Projeto Meias Órfãs, coordenado pela estilista franco-brasileira Márcia de Carvalho, em comemoração ao ano da França no Brasil. Em agosto último, ganhou as passarelas do Maceió Trend House, com a coleção do estilista Marcus Telles.
“A proposta da minha nova coleção é unir os trabalhos manuais da alta costura e do filé alagoano, com a possibilidade de trazer à tona aquilo que faz parte da nossa cultura através da união com tecidos mais nobres”, relatou o estilista sobre a sua nova coleção, denominada Possibilidades.
Fonte: Assessoria