O presidente da Volkswagen Região América do Sul e Brasil, Pablo Di
Si, admitiu hoje (14) que havia pessoas, dentro da empresa, que
colaboravam com o regime militar (1964-1985). “Nós reconhecemos o que
aconteceu na ditadura militar e que foram anos difíceis", disse Di Si,
em evento no qual foi divulgado o resultado da investigação interna que
apurou a relação da empresa com a ditadura. Di Si ressaltou que a
colaboração não era institucionalizada, pois se dava pela ação de
funcionários.
O evento não contou, contudo, com a presença de
ex-funcionários da empresa reconhecidos como vítimas, que fizeram um
protesto em frente à sede da empresa, em São Bernardo do Campo (SP).
O relatório foi antecipado pela Agência Brasil nesta quarta-feira (13), mostrando as principais conclusões do historiador Christopher Kooper, da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, contratado pela matriz da Volkswagen para elaborar o estudo. Di Si disse que a empresa não tem planos para indenizar individualmente os trabalhadores perseguidos e que trabalha com o apoio a organizações sociais. Ele informou que o relatório foi entregue ao Ministério Público Federal (MPF), onde um inquérito investiga violação aos direitos humanos praticadas pela montadora.
Durante o evento, a Volkswagen inaugurou uma placa “em memória a todas vítimas da ditadura militar no Brasil” e anunciou o apoio à instituição Centro Cultural Afro-Brasileiro Francisco Solano Trindade, que funciona em São Bernardo. O presidente regional da empresa não informou o valor destinado à instituição. Questionado sobre o fato de a placa não citar os trabalhadores perseguidos na fábrica, Di Si disse que se trata de uma placa alinhada aos valores da empresa. “O que aconteceu aqui aconteceu em todas as empresas. Era um processo sistematizado do regime militar”, afirmou.
O
presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Wagner Santana, falou
sobre a necessidade de reparação aos trabalhadores. “[Eles] precisam ter
sua vida reparada, diante da violência que sofreram, não só por esta
empresa, mas por todas as outras que tiveram esse papel”, afirmou
Santana durante a solenidade.
Ele elogiou a posição da
Volkswagen por elaborar estudos sobre o papel da montadora na questão
das violações de direitos humanos durante a ditadura. “É um período que
não gostaríamos de ter vivido, mas que não se deve apagar da nossa
história para que nunca mais aconteça”, declarou.
Estudo
O historiador Christopher Kooper diz, no relatório, que não encontrou prova documental confirmando acordos institucionais sobre a disponibilidade de informação do Setor de Segurança Industrial da empresa para o governo militar. “Não encontrei provas de que a diretoria tenha dado nenhuma ordem para que o Departamento de Segurança Industrial, mas sabemos também que foram destruídos muitos documentos dessa época. Eu acho que a diretoria de Recursos Humanos tinha conhecimento do que estava acontecendo”, disse, em entrevista coletiva após o evento.
Segundo o estudo, tal relação se daria pela colaboração individual do então chefe de Departamento de Segurança Industrial, Ademar Rudge, que “agia por iniciativa própria, mas com o conhecimento tácito da diretoria”. Conforme o documento, essa colaboração ocorreu de 1969 a 1979. Pela avaliação de Christopher Kooper, Rudge “sentia-se particularmente comprometido com os órgãos de segurança”, por ter sido oficial das Forças Armadas.
Posição dos trabalhadores
Durante
toda a manhã desta quinta-feira, ex-funcionários da Volkswagen
reconhecidos como vítimas no processo do MPF estiveram na frente da
empresa com panfletos em que explicavam aos demais trabalhadores por que
se recusaram a participar do evento. “A empresa está com uma atitude
extremamente unilateral, não nos consulta, não quer conversa oficial.
Então, não podemos servir de boi de piranha para ninguém”, disse Lúcio
Bellentani, que chegou a ser preso dentro da sede da empresa.
Em
depoimento na Comissão Nacional da Verdade (CNV), Bellentani revelou
que as práticas de tortura tiveram início dentro da própria unidade. Ele
disse que discorda da proposição da empresa de apoiar projetos sociais
como medida de reparação, sem que isso seja negociado junto com os
trabalhadores e o MPF.
“Como ela [Volkswagen] vai financiar? Nós
não somos parte desse trabalho? Por que não fomos consultados? Seria
mais justo, mais correto. Tudo bem designar verba para entidades que
fazem trabalho social, mas vamos conversar e fazer de forma conjunta?”,
questionou Bellentani. Para ele, a ação deve estar comprometida com a
perspectiva de memória, justiça e verdade, fazendo com que o papel da
Volkswagen na ditadura público seja reparado por meio de ações
educativas.
Inquérito
O relatório, contratado pela matriz da Volkswagen na Alemanha, foi produzido após instauração de inquérito civil pelo Ministério Público Federal para apurar a responsabilidade da montadora em “graves violações de direitos humanos”. A investigação foi iniciada após representação assinada pelas centrais sindicais brasileiras, sindicatos e ex-trabalhadores da empresa, em setembro de 2015. O pedido foi feito com base nas conclusões da Comissão Nacional da Verdade, que apontam a colaboração da empresa com a repressão, além de discriminar trabalhadores com atuação sindical.
Entre as condutas da empresa investigadas estão, por exemplo, permitir a prisão de funcionários no interior de suas unidades; perseguir trabalhadores por atuação política e sindical, criando “listas negras” para impedir contratação desses profissionais; produzir informações para encaminhamento aos órgãos de repressão; colaborar financeiramente com o regime e permitir práticas de tortura na sede da montadora.
Fonte: Agência Brasil