Dora Nunes,
De Milão
A instalação “Sixty Years of Vogue Italia - Sessant’anni di futuro”, expondo capas icônicas do arquivo de Vogue Italia celebrou as seis década da revista, no Palácio Citterio, em Milão, de 19 a 21 de setembro. Este evento, realizado durante a prestigiada Semana de Moda, mais que uma simples comemoração representa um tributo à uma revista que sempre esteve à frente de seu tempo, tanto em termos de moda quanto de cultura. Reunindo 60 capas que marcaram a história da publicação, a instalação homenageou o poder da imagem, reafirmando a capacidade da Vogue Italia de moldar tendências e influenciar debates contemporâneos.
De acordo com Vogue Italia, esse evento teve a intenção de ser a expressão máxima da celebração. Organizado em parceria com a Provincia da Lombardia (cuja capital é Milão), Pinacoteca de Brera e patrocinado pela Prefeitura de Milão e pela Camara Nacional da Moda Italiana festejou junto ao público, as revoluções que atravessaram a história da revista e os processos criativos dos quais emergiram obras e talentos.
Fundada em 1964 foi, desde o início, uma publicação destinada a redefinir o conceito de fazer moda. Segunda os arquivos da Vogue Itália, sob a liderança de seu primeiro editor, Franco Sartori, a revista rapidamente se tornou uma força criativa no cenário editorial europeu. No entanto, foi com a chegada da lendária editora-chefe Franca Sozzani, em 1988, que a publicação passou a ser reconhecida como uma das revistas de moda mais inovadoras e ousadas do mundo. Franca não apenas ampliou os limites da fotografia de moda, mas também utilizou a revista como plataforma para discutir questões sociais, culturais e políticas, algo inédito na época. Sob sua direção, a Vogue Italia se destacou ao transformar a moda em uma manisfestação social.
Nestes sessenta anos, grandes fotógrafos, artistas e autores escreveram juntos as páginas de uma revista que hoje, através de todas as suas plataformas, fala a uma comunidade de mais de 16 milhões de seguidores e leitores através do seu site, redes sociais e jornal mensal. “Hoje como então, ano após ano, capa após capa, a Vogue mantém intacta a mesma vontade de contar e fotografar a evolução do gosto, com criatividade e estilo, olhando sempre para o futuro e comprometendo-se a promover o talento em todas as suas formas, através da linguagem universal da moda", declarou Francesca Ragazzi, Chefe de Conteúdo Editorial da Vogue Italia.
Para Lele Acquarone, editora da Vogue Itália por mais de 30 anos, a revista foi “capaz de dar o espaço certo à moda italiana no cenário internacional. Uma revista que «valorizou a personalidade da mulher, que usa a moda em vez de se submeter a ela”, afirmou. Essas características fizeram da Vogue Italia uma das publicações mais icônicas e influentes no mundo da moda.
Durante a instalação comemorativa no Palazzo Citterio, cada uma das 60 capas expostas parecia contar uma história própria. Muitas delas destacaram-se não apenas pela qualidade estética, mas pela maneira como desafiaram convenções e ampliaram o campo de atuação da moda.
Entre as capas mais memoráveis, um ícone inescapável é Madonna , que estrelou várias edições da Vogue Italia ao longo dos anos. A Rainha do Pop, conhecida por seu espírito transgressor e sua capacidade de se reinventar, sempre encontrou na revista uma plataforma ideal para expressar sua personalidade multifacetada e sua paixão pela moda. Uma das capas mais icônicas foi a de 1991, quando Madonna apareceu fotografada por Steven Meisel, encarnando um visual inspirado no glamour das divas de Hollywood dos anos 1940. Sua presença forte e provocadora, com lábios vermelhos e olhar intenso, fez daquela edição uma referência atemporal.
Outra colaboração inesquecível entre Madonna e a Vogue Italia ocorreu em 2018, quando a artista celebrou seu aniversário de 60 anos com uma capa igualmente icônica. Fotografada por Mert Alas e Marcus Piggott , a capa retratava uma Madonna madura, confiante e sensual, em uma celebração não apenas de sua longevidade artística, mas também de seu contínuo impacto cultural. Para muitos, essa capa foi um símbolo do poder da transformação e da capacidade de Madonna — assim como da própria Vogue Italia — de se manter relevante e provocadora, mesmo após décadas de carreira.
Outras capas foram igualmente impactantes, como a "Black Issue" de 2008, que trouxe apenas modelos negras, e a edição polêmica de 2010, que abordou os desastres ambientais com modelos cobertas de petróleo, são exemplos de como a Vogue Italia soube mesclar moda com crítica social.
Essas edições memoráveis não chamaram atenção só no mundo da moda, mas também foram amplamente debatidas nos círculos intelectuais. Franca Sozzani compreendia que a moda, muitas vezes subestimada, tinha o poder de provocar reflexões profundas sobre o mundo em que vivemos. Ao destacar problemas como o racismo, a destruição ambiental e as crises econômicas, a revista transcendeu a ideia de que as capas de uma publicação de moda devem apenas retratar o glamour e o estilo, promovendo, em vez disso, discussões importantes e atemporais.
As capas reunidas na exposição foram cuidadosamente selecionadas para representar cada fase dessa evolução, desde o início modesto da publicação até seu status atual como uma das revistas mais respeitadas do mundo. Ao caminhar pela instalação, os visitantes foram transportados para diferentes épocas, cada uma representada por sua estética, seu contexto cultural e seu impacto social. As capas dos anos 60 e 70, por exemplo, refletiram a explosão de liberdade criativa e experimentalismo que definiu o período. Já as capas das décadas de 80 e 90, marcadas pela direção de Franca Sozzani , trouxeram uma sofisticação editorial e um engajamento com temas que iam muito além do universo da moda.
Um dos destaques da exposição foram as colaborações da Vogue Italia com grandes fotógrafos, como Mario Testino, Peter Lindbergh e Paolo Roversi , cujas lentes capturaram não apenas a beleza das modelos, mas a essência do momento em que aquelas imagens foram criadas. Cada fotógrafo trouxe uma visão única, transformando as capas em obras de arte que transcendem o tempo. O poder dessas imagens é tão forte que, mesmo anos ou décadas após sua publicação original, elas ainda provocam reações e reflexões.
O evento de aniversário realizado em Milão também serviu como uma celebração da cidade, que ocupa um lugar central no cenário global fashion. Com sua rica história e cultura, a cidade sempre foi um terreno fértil para o desenvolvimento de grandes estilistas, marcas e, claro, publicações como a Vogue Italia. A Semana de Moda de Milão, uma das mais importantes do mundo, é um reflexo do papel da considerada capital da moda, e a escolha de integrar a instalação à essa semana foi uma decisão natural, que apenas reforçou a simbiose entre a publicação e a cidade.
O Palazzo Citterio, por sua vez, foi o cenário perfeito para abrigar a instalação. Localizado no coração de Milão e famoso por sua arquitetura histórica, o palácio está em processo de restauração há muitos anos, o que cria um interessante paralelo com a própria revista, que, mesmo depois de seis décadas, continua a se reinventar sem perder sua essência. A Vogue Italia é uma obra em constante evolução, adaptando-se às mudanças da sociedade e da moda, mas sempre preservando seus alicerces de criatividade, ousadia e relevância.
Além de celebrar o passado glorioso da Vogue Italia, a exposição também olhou para o futuro. Sob a atual direção de Emanuele Farneti , a revista busca reafirmar a sua condição de inovadora no mundo da moda, explorando novos formatos e plataformas digitais para manter-se relevante em um cenário de mídia em rápida transformação. Ao longo dos últimos anos, a publicação tem apostado em uma abordagem mais inclusiva e diversificada, refletindo as mudanças na sociedade e na própria indústria da moda.
A edição de abril de 2020, por exemplo, apresentou uma capa completamente branca, uma decisão simbólica em resposta à pandemia da COVID-19, que naquele momento assolava o mundo. A capa branca, que inicialmente parece um gesto simples, na verdade continha camadas de significados, representando tanto o luto quanto a esperança de um novo começo.
Outro aspecto que merece destaque é o impacto duradouro da Vogue Italia na construção da carreira de modelos e designers ao longo dos anos. Nomes como Naomi Campbell, Linda Evangelista e Kate Moss devem parte de seu estrelato global às capas da revista, que, além de definir tendências, também catapultou talentos para o estrelato internacional. Da mesma forma, estilistas como Giorgio Armani – que esteve presente à inauguração da exposição - , Gianni Versace e Prada encontraram na Vogue Italia uma veículo para expressar suas visões e criar diálogos com um público global.
Em tempos onde o digital fala mais alto que as publicações impressas, a relevância da Vogue Italia é inegável. Poder desfrutar de tantas de suas capas reunidas em um só espaço físico relembrou o poder duradouro da mídia impressa e de como uma capa bem construída pode não apenas capturar o espírito do tempo, mas também definí-lo. O evento no Palazzo Citterio foi capaz de fazer uma celebração a esse legado, mas também explicitou um convite a olhar para frente, para os próximos anos dessa inovação e ousadia que marcam a publicação.Ao final da exposição, o sentimento era de inspiração.
E para o editorial da edição comemorativa de setembro foram produzidas 6 capas (e entrevistas) com estrelas, protagonistas também de outras edições da revista. Todas fotografadas por Steven Meisel: Linda Evangelista, Vittoria Ceretti, Deva Cassel, Isabella Rossellini, Mariacarla Boscano e Maty Fall.
A Vogue Italia celebrou seis décadas de história, mas demonstrou estar longe de ser um veículo preso ao passado. Pelo contrário, continua a reinventar-se, olhando sempre para o futuro da moda e para o seu papel no cenário global. Esta celebração além de uma retrospectiva, pareceu uma afirmação do compromisso contínuo da revista com a criatividade, a diversidade e a relevância cultural. Afinal, a moda, como a própria revista demonstrou tantas vezes, é muito mais do que roupas – é uma forma de expressão que reflete e molda o mundo em que vivemos.
*Publicado originalmente na edição 85 da revista Painel Alagoas
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