O Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA), da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), vinculado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), promove a segunda edição da exposição 'Onde estão as pretas do HU?', uma iniciativa de valorização e visibilidade das mulheres negras que atuam na unidade. A mostra fotográfica, idealizada no contexto do Julho das Pretas, reúne imagens e relatos de servidoras, terceirizadas, residentes e profissionais de saúde autodeclaradas pretas. Iniciado nesta quarta-feira (30), o projeto segue aberto à visitação até o dia 6 de agosto, nas dependências do hospital.
A segunda edição da iniciativa registrou um aumento expressivo na participação: o número de mulheres negras envolvidas triplicou, passando de 17 para 51 neste ano. Além disso, em apenas um dia, a exposição recebeu 182 visitantes. "Elas se sentiram prestigiadas e valorizadas. A autoestima foi lá pra cima. Algumas, que no ano passado não quiseram de jeito nenhum participar, este ano nos procuraram espontaneamente", relata Maria Helena, assistente social e preceptora da residência multiprofissional no HUPAA-Ufal.
A exposição foi pensada como um gesto afirmativo dentro de espaços sociais tradicionalmente silenciadores quanto ao enfrentamento do racismo. "Muitas mulheres não sabiam como seriam vistas, não queriam se olhar como mulheres negras. É um processo de autodescoberta e empoderamento", diz Maria Helena. As fotografias são acompanhadas de falas das próprias retratadas sobre identidade, pertencimento e trajetória.
Além do impacto visual, a ação provocou reflexões em diferentes setores do hospital. Segundo a assistente social, muitas pessoas desconheciam o significado do Julho das Pretas e os motivos que justificam sua celebração. "Fizemos marcadores de página, produzimos textos e organizamos rodas de conversa. A própria gestão solicitou que a exposição permanecesse por mais tempo. Foi uma mobilização muito bonita", conta.
A iniciativa também teve desdobramentos práticos: após a primeira edição, foi promovida uma oficina de turbantes que incentivou a expressão da identidade estética no ambiente hospitalar. "Muitas mulheres passaram a soltar os cabelos, a deixar de alisar. Foi emocionante. Elas diziam que se libertaram", compartilha.
NegrHU: movimento antirracista no HUPAA com ações afirmativas e formação crítica
A exposição integra as atividades do NegrHU — movimento antirracista institucional criado dentro do HUPAA/Ebserh. O grupo surgiu a partir da escuta de relatos de residentes que sofreram episódios de racismo durante práticas de estágio. O movimento se estruturou com base nos quatro eixos da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra: ingresso, acolhimento, permanência e formação.
O NegrHU também nasceu em sintonia com o compromisso do Programa de Residência Multiprofissional com as ações afirmativas e a democratização do acesso, considerando que mais de 66% da população alagoana se autodeclara negra, conforme dados do IBGE. "Não podemos ignorar essa realidade. Formamos profissionais para o SUS, e o SUS é feito para uma população majoritariamente negra. É nosso dever discutir o racismo institucional", defende Maria Helena.
Com essa base, o NegrHU já conseguiu inserir o debate sobre racismo na semana de acolhimento de novos residentes, além de incluir o tema na grade curricular da residência multiprofissional. "Isso foi um grande avanço. Não havia esse espaço. Hoje, isso já faz parte do nosso planejamento anual", destaca.
Espaços de permanência, campanhas educativas e pesquisa integram estratégia antirracista
Outro ponto importante foi a adequação dos espaços de permanência para todos os residentes: salas de descanso, estudo e alimentação foram reorganizadas para promover inclusão e bem-estar. Além disso, o grupo realiza reuniões quinzenais de estudo sobre relações raciais, com leitura de autores de referência e produção de conhecimento científico. "Já apresentamos relato de experiência em congresso e organizamos três grandes eventos aqui no hospital", pontua.
O movimento também desenvolve campanhas educativas permanentes, com frases sobre racismo espalhadas pelos corredores do hospital. Alinhada a esses esforços, a Ouvidoria do HU participa de alguns eventos promovidos pelo grupo e estimula a formalização de denúncias por meio dos canais institucionais. Atualmente, o setor recebe manifestações relacionadas a episódios de racismo, contribuindo para o fortalecimento do enfrentamento institucional a essas violências.
Sobre os desafios do movimento, Maria Helena é realista, mas segue motivada: "Vivemos num país racista, isso é inegável. Transformações sociais não ocorrem do dia para a noite. Mas vale a pena. Ver essas mulheres se descobrindo, se empoderando, nos mostra que é possível, sim, avançar", finaliza.
Serviço
A exposição 'Onde estão as pretas do HU?' segue aberta à visitação até o dia 6 de agosto, no Hospital Universitário Professor Alberto Antunes (HUPAA-Ufal/Ebserh), em Maceió. A visitação é gratuita.
Fonte: Assessoria