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10/09/2025 às 19h00

Geral

Do chão batido de Saramém à posse como servidor federal – conheça a história de Victor Guilherme

Matheus 70 / IBGE-AL

Numa noite de dezembro de 2023, do sofá humilde da casa onde cresceu, Victor Guilherme dos Santos, 27 anos, viu na TV o anúncio que mudaria sua vida: o Concurso Público Nacional Unificado (CPNU) teria seu edital oficialmente lançado. A notícia reacendeu uma última chama de esperança dentro daquele rapaz que conhecera de perto o peso de uma juventude marcada pela adversidade.

Natural de São Bernardo do Campo (SP), Victor chegou ainda criança ao povoado Saramém, em Brejo Grande, interior de Sergipe, uma vila de pescadores às margens do Rio São Francisco. "Era uma comunidade muito humilde. Fome a gente não passou, mas nunca sobrou nada", recorda-se. Ao lado da mãe, avós e irmã, cresceu cercado por dificuldades, mas também por valores simples, como o respeito, a fé e a vontade de aprender – mesmo quando quase nada era oferecido.

A infância foi marcada por livros emprestados e telejornais assistidos à base de racionamento de energia elétrica. Era o gosto pela leitura que o fazia sonhar com um futuro que não tivesse que cruzar descalço vielas enlameadas do povoado até a escola, como tantas gerações antes dele fizeram. 

"Fui da primeira turma a concluir o ensino fundamental no Saramém. Mas o ensino médio já foi fora, no Brejão dos Negros. Eu estudava só com o que o professor dizia e os livros didáticos que tínhamos."

O primeiro grande golpe veio ainda no segundo ano do ensino médio: uma aprovação precoce em Pedagogia que nunca se concretizou. A falta de diploma escolar impediu a matrícula e o sonho foi adiado antes mesmo de começar.

O segundo baque veio logo após concluir o ensino médio. Victor conquistou a primeira colocação em Enfermagem na melhor universidade particular de Aracaju, com bolsa integral pelo ProUni – uma vitória que parecia definitiva. Mas esbarrou em um obstáculo cruel: a burocracia. A informalidade da mãe, a ausência de comprovante de residência e dificuldades documentais o impediram de comprovar a baixa renda, e a vaga escorreu pelas mãos.

O terceiro golpe foi o mais devastador: aos 19 anos, já abatido pelas frustrações, Victor enfrentou a depressão e recebeu o diagnóstico de diabetes tipo 1. "Eu me senti sentenciado, como se tudo tivesse acabado. Foi como cair num abismo e não ver saída."

Entre quedas e pequenas vitórias, Victor reencontrou forças ao se tornar agente comunitário de saúde em sua própria comunidade, em 2018. Ali, conheceu a dor do outro, a realidade das casas vizinhas, a importância de um servidor público que não julga, mas acolhe. "Foi o início da minha reconstrução."

E foi no sofá da sala, ao lado da mãe, que viu no CPNU uma nova chance. "Eu falei pra ela: é agora ou nunca." Com R$ 48 mensais investidos em uma plataforma de estudos e uma internet simples paga com o salário do SUS, Victor traçou sua missão: 7 horas líquidas de estudo por dia, noites em claro, domingos sem descanso. Intercalou estudo com trabalho, conviveu com dores físicas e crises glicêmicas, sobreviveu à rotina exaustiva e não desistiu.

A prova veio. E com ela o resultado que superou qualquer expectativa. "Quando vi meu nome entre os aprovados, chorei feito criança. Era o grito sufocado de anos de frustração se transformando em vitória. Eu não venci sozinho. Era minha mãe, meus avós, toda a minha comunidade vencendo comigo."

Victor não apenas foi aprovado: foi o primeiro servidor federal concursado do povoado de Saramém. Um feito que ecoou entre professores, vizinhos e jovens da região. Escolheu como destino a agência do IBGE em Penedo (AL), a cidade mais próxima da sua comunidade. "Era mais que um emprego. Era um resgate da dignidade, um divisor de águas."

No último dia 7 de julho, emocionado, Victor cruzou as portas da sede da Superintendência do IBGE em Alagoas, na capital do estado, para iniciar sua jornada como servidor público federal.

Durante o Programa de Integração dos Novos Servidores (PINS), participou de palestras, conheceu colegas oriundos de outros estados, ouviu o presidente do IBGE falar sobre o papel social do Instituto – e, com a voz embargada, também deixou seu recado: "Sou fruto de políticas públicas. O Bolsa Família garantiu a sobrevivência minha e de minha família. O SUS me tratou quando eu pensei que ia morrer. E hoje estou aqui para retribuir ao Estado tudo que ele me deu".

Victor é hoje a prova viva de que a educação transforma, de que a luta vale a pena, e de que nenhuma origem humilde é sinônimo de destino traçado. Na comunidade de Saramém, o menino que cresceu sem acesso à internet e sem desenhos animados na TV,  agora inspira jovens que sonham em seguir os mesmos passos.

"Eu sempre me lembro daquela frase: 'Uma longa jornada começa com o primeiro passo'. O meu primeiro passo foi acreditar que eu podia."

Bate-bola com Victor Guilherme

Você cresceu sem assistir a desenhos na infância. Por quê?

Victor Guilherme — Por conta do racionamento de energia. Lá em casa, televisão era reservada a dois momentos: quando passava o telejornal e quando começava a novela. Fome a gente não passou, mas era uma vida bem apertada. A prioridade sempre foi sobreviver.

Foi assistindo a um telejornal que você soube do CNU?

VG — Exatamente. Vi a reportagem ao lado da minha mãe, no sofá de casa. Quando a matéria acabou, a gente se olhou e eu disse: é agora ou nunca. Ela me apoiou desde o primeiro instante, assim como meus amigos, colegas de trabalho e o pessoal da igreja. Todo mundo me encheu de palavras de esperança, me impulsionou a tentar.

E o dia da aprovação, como foi? Onde você estava?

VG — Eu estava no trabalho, um dia calmo, sem muito movimento. Liguei o computador só para conferir, sem muita expectativa. Quando vi meu nome entre os aprovados, não consegui segurar o choro. Era o peso de uma vida inteira sendo arrancado das costas.

Você teve alguma referência de servidor público que te inspirou a seguir esse caminho?

VG — Não tinha referência próxima, sabe? Na minha comunidade ninguém nunca tinha passado num concurso dessa magnitude. Alguns seguiram carreira militar, mas não estudando a vida toda lá na comunidade. Eram pessoas com condições melhores, que buscaram outros caminhos, outras cidades. 

O que o trabalho de agente comunitário pode somar para sua função atual no IBGE?

VG — Trabalhando como agente comunitário de saúde, eu via a diferença que o serviço público fazia na vida das pessoas. E aí eu pensei: quero dar essa mesma contribuição, só que em outra escala. Acho que agora no IBGE terei essa oportunidade.

Como foi a sua rotina de estudos durante a preparação para o concurso?

VG — Foi puxada. Trabalhava o dia todo na rua, chegava em casa, comia rápido e já ia para o computador. Teve fase que eu estudava até meia-noite, e depois, na reta final, cheguei a acordar de madrugada para estudar. Meu cargo foi o segundo mais concorrido do CPNU. Eu sabia que para vencer as dificuldades tinha que me esforçar o dobro.

Qual foi o momento mais difícil da sua trajetória?

VG — Quando perdi a bolsa do ProUni. Eu era muito jovem, foi um baque enorme. Depois veio a depressão, o diagnóstico de diabetes... eu achei que minha vida tinha acabado ali. Por isso, estar aqui hoje tem um gosto ainda mais especial.

Como foi a recepção no PINS do IBGE em Alagoas?

VG — Foi incrível. Me senti acolhido, valorizado como servidor e respeitado como pessoa. Nessa semana de treinamento e aprendizado, eu tive a certeza que estou no lugar certo.

O que você diria hoje ao Victor de 10 anos atrás?

VG — Diria: aguenta firme. Você ainda vai se orgulhar da sua história. Porque eu consegui transformar minha dor em força, e cada lágrima em combustível para vencer.


Fonte: Matheus 70 / IBGE-AL

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