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16/07/2018 às 08h09

Geral

O Brasil vai reviver 1964?

Golpe de Estado acaba com liberdade de expressão e ditadura viola direitos humanos em torturas, prisões ilegais e assassinatos de centenas de brasileiros

Beto Macário

Carlos Amaral

Entre 1964 e 1985 o Brasil foi governado por membros das Forças Armadas por meio de um golpe de Estado executado com apoio civil – empresários e grandes grupos de comunicação – sob o falso discurso de que o país estaria se transformando numa “república sindicalista”. O presidente da República na ocasião era João Goulart e sua principal bandeira era as chamadas “reformas de base”, cujas diretrizes davam mais acesso à edu­cação, à terra e à moradia, com aumento de salários e diminuição dos alugueis. Esses foram os 21 anos mais sombrios da história brasileira, com mais de duas mil mortes pelo regime detectadas pela Comissão Nacional da Verdade, entre elas crianças menores de 1 ano.

Mesmo assim, há quem defenda a volta dos militares ao poder sob o slogan de “intervenção militar” (alguns colocam a palavra “constitucional” nesta frase). Não é possível precisar o tamanho desse gru­po, mas o barulho que faz chama a aten­ção. Desde, pelo menos, 2013, essas pes­soas têm ganhado destaque nas redes sociais. Começaram a aparecer nas mani­festações pelo impeachment da ex-pre­si­denta Dilma Rousseff (PT) e mais recentemente na greve dos caminhoneiros, no último mês de maio.

O discurso tem por base o combate à corrupção e a defesa da família sob valo­res cristãos. Bem parecido com as pala­vras de ordem das marchas pela família com Deus e pela liberdade, usadas para legitimar o golpe cívil-militar de 1964. En­tre­tanto, a Igreja Católica discorda dessa pauta.

Para Dom Muniz, arcebispo da Arqui­diocese de Maceió, “a democracia nos cus­tou muito a conquistar e qualquer pro­blema que haja em um regime democrático, deve ser resolvido para a melhoria do regime e não para desacreditá-lo. Somos contrários a qualquer movimento que vise fazer voltar a estrutura não democrática, ou seja a ditadura. Lutemos para melhorar ainda mais a democracia, pois ela é instrumento de comunhão entre as pessoas, sempre na vida e no bem comum de todos, este é o posicionamento da Igreja”.

Ainda em maio deste ano, um grupo de pessoas realizou uma manifestação em frente ao 59º Batalhão de Infantaria Motorizado (Bitmz), na Avenida Fernandes Lima, em Maceió, clamando ao Exército que interviesse no Governo Federal. Ape­sar de se deixarem fotografar, nenhum deles concedeu entrevistas à imprensa, assim como ninguém do Exército. O ato ocorreu sem maiores problemas e até agentes da Superin­tendência Municipal de Trânsito (SMTT) ajudaram a desviar o fluxo dos carros. No segundo dia de manifestação, policiais militares foram ao local e conseguiram retirar os manifestantes sem o uso da força.

A reportagem da Painel Alagoas tentou contatar o 59º Bitmz para comentar o assunto, mas sem sucesso. No dia do ato pró-intervenção, sua assessoria de comunicação disse à imprensa que não comentaria o teor da manifestação e que não interviu – o local é área de segurança nacional – porque as pessoas na porta do quartel não atrapalhavam suas atividades.

Muita gente tem se questionado se diante a não reação das Forças Armadas a essas manifestações, há a possibilidade de um novo golpe de Estado com a participação direta dos militares voltar a ocorrer no Brasil. Entre as pessoas ouvidas pela reportagem, não há consenso sobre isso.

Para o sociólogo Carlos Martins, um novo golpe com militares pode ocorrer no país, desde que uma candidatura de esquerda – especialmente a do ex-pre­si­dente Lula (PT) – logre êxito nas eleições de outubro próximo. Porém, ele ressalta que não seria nos mesmos moldes de 1964.

“Acredito que há o risco de o país pas­sar por isso de novo, e já venho dizendo isso há um bom tempo. Acredito que não será igual a 1964 porque vão tentar criar um governo misto entre civis e militares com foco no combate à corrupção. Você elege um inimigo comum, consensual. Quem é que defende a corrupção?”, apon­ta. “Segundo, há o processo eleitoral. Se ele apontar na direção de que forças de esquerda vencem, não tenha dúvida, haverá sim golpe militar. Vamos trabalhar com a seguinte hipótese: volta o Lula. Supremo Tribunal Federal [STF] vai lá e o solta. Isso vai gerar nos setores conservadores a volta das manifestações. A maioria da imprensa virá com tudo. Vai se construir um sentimento de imoralidade no Supremo, sobre o discurso de ter soltado o grande corrupto e tal. Daí o Lula vence a eleição. Teremos durante todo o processo eleitoral uma carga negativa construída de que não existe respeito pela Constituição. Os caras vêm e articulam um golpe militar, com toda a direita apoiando”.

Mas o que diz a lei?

Segundo o advogado, e professor de Direito Constitucional, Othoniel Pinheiro esse discurso não passa de manifestação de quem defende o uso da violência para resolver os problemas do país.

“Pelas vias constitucionais é impossível, até porque as Forças Armadas são subordinadas ao Presidente da República. O que há por trás desse  discurso é a vontade de se resolver as coisas através da violência, da transgressão constitucional, através de maneiras ilícitas. Coisas que o sistema democrático não pode permitir”, afirma Othoniel.

Ainda de acordo com ele, os manifestantes não devem ser punidos por pedirem a volta dos militares ao poder no Brasil, entretanto, caso alguém tente executar essa ideia deve sofrer punição.

“Essas pessoas, no meu entendimento, têm a liberdade de falar o que quiser. A democracia permite isso, inclu­sive que se grite pelo seu fim. Ninguém pode ser punido, em princípio, por manifestação de pensamento. Exceto quando atinge a honra de outras pessoas, aí há alguma limitação. Defender um golpe militar, já que não existe intervenção constitucional, o nome é golpe mesmo pois se defende o fim da Constituição, não é crime. Mas enquadrar alguém que defende isso é complicado”, comenta. “Porém, quem for efetivar esse tipo de transgressão, aí muda a conversa. Defender pode, executar, não. É o preço que a gente paga. A democracia permite isso, inclusive defender seu fim”, ressalta o advogado.

Carlos Martins diverge do professor de Direito Constitucional. Para ele, cabe punição aos defensores da volta dos militares ao poder devido à Lei 7.170, de Segurança Nacional. 

“A lei 7.170, no artigo primeiro, diz que se você produzir qualquer tipo de excitação que detone lesão ao presidente da República, à integridade Nacional ou ao regime democrático, você comete crime de segurança nacional. Assim como defender mudança de regime de governo. Por isso, a palavra certa não é 'intervenção' e sim 'golpe'. Uma das coisas que os defensores do golpe militar dizem é que a lei brasileira não é cumprida. Se fosse, essas pessoas estariam presas em nome da segurança nacional”, diz o sociólogo.

Devido à intervenção federal no Rio de Janeiro, com a presença das Forças Ar­madas nas ruas, muita gente acredita se tratar do mesmo tipo de ação defendido por quem quer a volta dos militares ao po­der. Othoniel Pinheiro aponta a diferença.

“No Rio não é intervenção militar, mas uma intervenção federal feita pelo Governo. O estado do Rio de Janeiro, assim como todos os demais, é subordinado ao poder central que é o Governo Federal. Em situações excepcionais, a Constituição permite a intervenção federal no poder público. Nesse caso pontual, achou por bem o presidente Michel Temer [MDB] utilizar as Forças Armadas, mas esse tipo de ação pode ocorrer de outras formas”, explica o advogado.

OAB

Para Fernanda Marinela, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Alagoas, as manifestações em favor do retorno do militares ao poder é obra de setores minoritários da sociedade.

“As manifestações acompanhadas em Alagoas e outros estados são puxadas por uma minoria. Não correspondem aos desejos da nação. As instituições e a sociedade, de uma forma ampla, sabem que o retrocesso não é o caminho para a resolução da grave crise política, econômica, moral e ética que vivenciamos nos anos recentes”, afirma a presidente da OAB.

Ela ressalta que as divergências existentes numa democracia não podem ser usadas para desestabilizar a ordem jurídico-constitucional “e o enfraquecimento da soberania popular, traduzida no livre exercício do direito de voto. O regime democrático se traduz em uma grande conquista histórica do processo civilizatório e, com isso, da garantia dos direitos fundamentais. É preciso união para enfraquecer e solucionar os problemas que afetam a nação. A solução destes desafios só se dará por um único caminho: o absoluto respeito às disposições constitucionais e legais”.

MPF

A reportagem da Painel Alagoas contatou o Ministério Público Federal (MPF) em Alagoas para saber o posicionamento do órgão a respeito do assunto. Sua assessoria de comunicação encaminhou nota da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) por ser um tema geral e já haver manifestação sobre o tema.

O texto foi publicado quando o general Antônio Mourão defendeu a possibilidade de intervenção militar no Brasil. “Nem mesmo em situações de exceção constitucional, como o Estado de Sítio ou o Estado de Defesa, as Forças Armadas podem assumir um papel fora de seus limites constitucionais. […] A conformação das Forças Armadas nos termos do artigo 142 da Constituição é uma conquista democrática e expurga do cenário brasileiro o risco de golpes institu­cionais. O papel desempenhado nas últimas décadas pelas Forças Armadas tem notoriamente reforçado a consolidação do Estado Democrático de Direito e é incompatível com a valorização do período passado no qual o País enveredou pelo regime ditatorial e a violação de direitos humanos”, afirma o MPF.

MPE E TJ-AL

A reportagem contatou o Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL) e o Ministério Público Estadual (MPE) para comentar o tema, mas até o fechamento desta edição não houve resposta.

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Fonte: Painel Alagoas

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