Por Carlos Amaral e Carlos Victor Costa
São 11h da manhã, da quinta-feira, 9 de maio de 1996, quando um Opala de cor bege chega a um posto de gasolina na Via Expressa – hoje Avenida Menino Marcelo – para ser metralhado por policiais à paisana assim que o veículo encostou numa das bombas para abastecer. Um atirador se aproxima pelo lado do motorista; outro pelo frente. Após descarregarem suas armas – metralhadoras e espingardas calibre 12 –, mais dois homens surgem e completam o serviço. Foram, segundo dados da Polícia Civil à época, 41 tiros. Destes, 21 atingiram o alvo: José Gonçalves da Silva Filho, mais conhecido como Cabo Gonçalves. Seus algozes: membros da famigerada “gangue fardada”, liderada pelo ex-tenente-coronel da Polícia Militar de Alagoas, Manoel Cavalcante.
O crime teria sido encomendado porque a vítima, anos antes, teria se negado a cometer um assassinato. Até hoje, 23 anos depois, ninguém foi condenado.
De acordo com acusações do ex-tenente-coronel, o crime fora fruto de um acordo entre, à época, os deputados estaduais João Beltrão, Francisco Tenório e Antonio Albuquerque. O motivo teria sido a negativa de Cabo Gonçalves em assassinar, a mando de João Beltrão, o então prefeito de Coruripe, em 1988, Enéas da Costa Gama, falecido em 2012 aos 96 anos de idade.
Para puxar o gatilho, ainda segundo o ex-tenente-coronel, pelo menos quatro policiais militares – à época – foram usados: Jaires da Silva Santos, o Jairo; Talvanes Luiz da Silva; cabo “João Fuba”, assassinado em Pescaria, Maceió; e Daniel Luiz da Silva Sobrinho. Jairo esteve lotado no gabinete de João Beltrão na Assembleia Legislativa Estadual (ALE) até 2015; Talvanes esteve preso em Tocantins pelo assassinato de Pedro Arapiraca e só deixou o corpo do Polícia Militar em 2016.
Tanto o ex-tenente-coronel Manoel Cavalcante como Jairo foram inocentados em primeiro grau. Já Talvanes Luiz da Silva e Valdomiro dos Santos Barros; e o ex-sargento Daniel Luiz da Silva Sobrinho seguem com julgamentos inconclusos.
Entretanto, dos três políticos acusados pelo ex-tenente-coronel Cavalcante, nenhum foi condenado. Um deles, Antonio Albuquerque, sequer foi processado e até mesmo o Ministério Público Estadual (MPE) pediu que isso ocorresse. João Beltrão foi inocentado, no último mês de fevereiro, pelo Tribunal de Justiça de Alagoas (TJ-AL) por insuficiência de provas; e Francisco Tenório, que teve seu processo desmembrado por ter sido eleito deputado federal em 1998, segue sem ter sido julgado.
A Painel Alagoas reconta essa história e buscou ouvir pessoas próximas ao Cabo Gonçalves e os acusados de envolvimento com o crime.
Doze anos para prisões e processo iniciarem de fato
O crime contra o Cabo Gonçalves ocorreu em 1996, mas somente em 2008 os envolvidos começaram a ser presos e tiveram seus processos legais iniciados. O juiz da 7ª Vara Criminal e da 17ª Vara Criminal da Capital, à época, Maurício Breda, colocou a Polícia Federal no encalço dos suspeitos: os militares e os parlamentares João Beltrão, Antonio Albuquerque e Francisco Tenório.
O ex-tenente-coronel Manoel Cavalcante foi apontado como um dos mentores do plano para assassinar o ex-colega de farda. Em troca do benefício da delação premiada, ele quebrou o silêncio e apontou aqueles que, supostamente, seriam os mandantes e os executores da morte do Cabo Gonçalves. Um agravante, Antonio Albuquerque era, na época do crime, o presidente da ALE.
Antonio Albuquerque e João Beltrão foram presos pela Operação Ressugere, da Polícia Federal, em 2008. Já Francisco Tenório foi preso em Brasília, em fevereiro de 2011, após perder o mandato de deputado federal. Ainda naquele mês, o então procurador-geral de Justiça de Alagoas, Eduardo Tavares, denunciou os três pela autoria intelectual do assassinato.
Dos três, Francisco Tenório é o que está com o processo mais atrás em seu andamento, ainda sem julgamento. Antonio Albuquerque sequer respondeu a processo e o próprio MPE, na pessoa do procurador de Justiça Luciano Chagas da Silva, pediu que seu nome fosse retirado do rol de acusados pela morte do Cabo Gonçalves, que o TJ-AL não recebesse a denúncia.
Segundo o advogado Welton Roberto, que defendeu Antonio Albuquerque neste processo, não se encontrou qualquer indício de seu envolvimento na trama para matar o Cabo Gonçalves.
“Ele [Antonio Albuquerque] sequer chegou a ser denunciado. Contaram uma história de que, supostamente, uma reunião teria acontecido na fazenda dele. E aí é uma reunião que ele nem estava presente, entendeu? Na época fizeram a investigação, chegaram a prendê-lo, mas ao aprofundar as investigações não encontraram nenhum indício de que ele participasse de qualquer coisa nesse sentido”, diz o advogado. “É apenas a fala do Manoel Cavalcante, mas ele nem participou de reunião nem sabia do que se tratava. A gente não sabe qual a intenção do tenente-coronel em acusar o deputado. Só ele que pode dizer isso. A prisão ocorreu mais por conta da fala do Manoel, mas não foi encontrado nada contra ele”, completa Welton Roberto.
Já João Beltrão obteve julgamento favorável no TJ-AL. No início deste ano, ele foi absolvido por “insuficiência de provas” pelos desembargadores. O MPE recorreu ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A reportagem contatou José Fragoso, advogado de João Beltrão, que reafirma a inocência de seu cliente. “Ele [João Beltrão] não é o mandante do crime e o recurso aviado pelo MPE é risível, como, aliás, foi todo esse processo”.
Procurado pela Painel Alagoas, o juiz Maurício Breda não quis dar entrevista. “Não comento mais casos que julguei”, resume o magistrado.
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Fonte: Painel Alagoas