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11/03/2019 às 08h52

Geral

Eletrochoque: tratamento ou castigo?

Governo Federal orienta compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia pelo SUS e prega abstinência para usuários de drogas e leitos psiquiátricos infantis

Reprodução

Por Carlos Amaral 

São Paulo, 1997. Rita (nome fictício), com mais de 20 anos internada, é levada do consultório da terapeuta ocupacional Mara Ribeiro num hospital para receber uma descarga elétrica no cérebro. No local, enfermeiras a levam para a sala onde o procedimento seria realizado, após decisão de um médico psiquiatra. “Não me deixa, Mara. Não me deixa”, gritava, urrava Rita, que aceitou ir com as enfermeiras porque Mara Ribeiro decidiu acompanhá-la mesmo sem fazer parte da equipe de psiquiatria daquele hospital.

Até aquele dia, a jovem terapeuta ocupacional jamais havia visto uma sessão de eletrochoque, como é conhecida a eletroconvulsoterapia (ECT). “Só em filme”.

No caminho, pelos corredores do hospital, os demais pacientes se agitavam e faziam muito barulho ao passar das enfermeiras, de Rita e de Mara Ribeiro no local, como se fossem cenas de filmes hollywoodianos sobre presídios com criminosos de alta periculosidade, quando um deles se dirige à cadeira elétrica – ou injeção letal.

“Até hoje tenho aquela cena em minha memória. Ainda me lembro daquilo e seguro a emoção ao falar sobre. A cena foi de uma pessoa indo e os demais pacientes eufóricos, gritando nos corredores. Era essa reação que o eletrochoque causava nos pacientes. Foi muito traumático para mim, por todo o entorno da situação” relembra Mara Ribeiro.

“Ela já estava se machucando, tal era o pavor que tinha de ir à sessão da ECT. Fui com ela e presenciei, inclusive a segurei, e quando se deu o eletrochoque foi traumático, tanto para mim quanto para ela”, completa a hoje pró-reitora Estudantil da Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal).

Mara Ribeiro seguiu naquele hospital por mais algum tempo, para ver se a ECT teve resultado positivo em Rita.

“Fiquei mais duas semanas naquele hospital em consideração à paciente, pois queria ver o resultado. Já que deu o choque, vamos ver. Mas só deram aquela vez porque ela estava 'rebelde'. Não teve motivo clínico. E o eletrochoque não é para dar só uma vez. Quando se faz assim, é só uma amostra que se está castigando. Ela já estava internada há muito tempo e tinha todas as características que indicavam os tratamentos alternativos, depois de tentarem os medicamentosos”, explica a professora da Uncisal. “Além desse caso, já presenciei médico aplicando ECT em quatro pacientes de uma vez. Chegava em um e 'puf'; no outro e 'puf'. Era como se marcasse gado”, completa.

A ECT, ou eletrochoque, é uma técnica usada para tratamento de pacientes com transtornos mentais cujo objetivo é provocar alterações na atividade elétrica do cérebro por meio de passagem de corrente elétrica, com o paciente anestesiado. O método foi desenvolvido por volta da década de 1930 e é voltado para pessoas com depressão grave e doença bipolar. Contudo, o eletrochoque foi muito usado no Brasil como método de tortura, especialmente no período da ditadura civil-militar de 1964.

O assunto voltou a ser debatido após o Ministério da Saúde (MS), através do então coordenador-geral de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, Quirino Cordeiro Júnior, divulgar nota técnica em que autoriza a compra de equipamento de ECT pelo Sistema Único de Saúde (SUS), no início de fevereiro deste ano.

“Quando se trata de oferta de tratamento efetivo aos pacientes com transtornos mentais, há que se buscar oferecer no SUS a disponibilização do melhor aparato terapêutico para a população. Como exemplo, há a Eletroconvulsoterapia, cujo aparelho passou a compor a lista do Sistema de Informação e Gerencia­mento de Equipamentos e Materiais [SIGEM] do Fundo Nacional de Saúde. Desse modo, o Ministério da Saúde passa a financiar a compra desse tipo de equipamento para o tratamento de pacientes que apresentam determinados transtornos mentais graves e refratários a outras abordagens terapêuticas”, diz a nota que, após a polêmica, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afir­mou que seu conteúdo seria revisto. Nas primeiras entrevistas que con­cedeu sobre o documento, ele disse desconhecer seu texto.

Mesmo em desuso após a chamada reforma psiquiátrica, a ECT nunca foi, de fato, abolida no país.

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Fonte: Painel Alagoas

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