Por Carlos Amaral
Há dez anos como diretor-geral do Hospital Escola Portugal Ramalho – e 37 anos trabalhando no local –, Audenis Peixoto destaca que a ECT deixou de ser usada há muitos anos em Alagoas porque a técnica era recorrida “indiscriminadamente”, inclusive em pessoas sem transtorno mental algum e sem os cuidados necessários para sua aplicação. Contudo, ele pondera haver indicações para tal.
“Hoje foi tudo mudado e ela é feita com muito profissionalismo, com muito respeito ao paciente e de forma e locais bem adequados, com anestesista e com todos os cuidados que se precisa ter, mas não é coberta pelo SUS. Então, muita gente já questiona isso, pois acaba se tornando um procedimento muito caro porque o local de aplicação é específico e com profissionais habilitados para fazê-la”, pontua.
“É uma técnica para um estímulo, usada por muitos e muitos anos, e parece retrocesso para a gente essa aprovação, mas deve ser colocada com os devidos cuidados e orientações médicas – sabendo que é um procedimento caro e que ninguém vai fazer hoje como era feito no passado. Entrou em desuso porque era aplicada indiscriminadamente, como castigo, e até para quem não era doente mental”, completa o diretor-geral do único hospital psiquiátrico público de Alagoas, que é ligado à Uncisal.
Antigamente, de acordo com Audenis Peixoto, a ECT era realizada como se vê em filmes, com o equipamento ligado à tomada e com voltagem da própria rede elétrica.
“No passado, a ECT era usada como nos filmes, com o equipamento ligado na tomada e voltagem na própria energia. Hoje não. É feita com todo um aparato. Aqui [no Portugal Ramalho] a gente não tem, por isso não sei dizer os detalhes atuais, mas o que a gente vê na literatura é que há todo um sistema de acompanhamento médico. Mesmo como era feito no passado, os pacientes poderiam ter algum retorno se fosse aplicado com as recomendações adequadas. Só que a forma era agressiva. Agressiva de se ver, agressiva ao paciente que podia relembrar daquilo”, relata.
Hoje o Portugal Ramalho conta com 160 leitos, sendo 95 para homens e 65 para mulheres, cuja média de ocupação é de 80%. O tempo de permanência depende do quadro clínico do paciente.
“Os que demoram mais de 25 dias são aqueles com problemas judiciais ou familiares, que a gente interna muito paciente de forma compulsória por ordem da Justiça”, ressalta Audenis Peixoto. Entretanto, ele destaca que, muitas vezes, as famílias abandonam os pacientes no Hospital. “Temos pacientes que estão aqui há mais de 20 anos. Ou foram abandonados ou já chegaram sem vínculo familiar ou sem estrutura familiar”.
O Portugal Ramalho conta uma equipe de enfermeiras, psiquiatras, assistentes sociais e psicólogos.
Rotina
Os pacientes do Portugal Ramalho possuem uma rotina simples. No período da manhã eles realizam atividades internas na enfermaria, como banho, palestras e orientações, recebem medicação e vão para a recreação, numa área reservada para este fim. Nesse momento, eles praticam esportes ou exercem atividades artísticas. Depois voltam à enfermaria e almoçam no refeitório. À tarde, alguns voltam a ser medicados e atendidos por médicos ou psicólogos, a depender da indicação individual; outros voltam à recreação. À noite, todos voltam à enfermaria, tomam outro banho e assistem à televisão, jantam, são medicados e vão dormir.
O dia a dia parece com o que se tem nos presídios e é essa a crítica que se faz à hospitalização – ou institucionalização – dos pacientes com transtorno mental. Segundo Audenis Peixoto, desde o advento do SUS, a ideia era que a hospitalização fosse o último recurso de tratamento, mas até hoje não se conseguiu estruturar a rede de saúde mental no país. Ele cita o exemplo do Portugal Ramalho.
“A gente continuou a diminuir o número de leitos até que veio o advento do SUS, em 1990, e das conferências nacionais de saúde mostrando que havia outros tipos de tratamento, que não precisava ser o hospitalar. Que esse ficasse como última alternativa e que se desse fim ao fato de pacientes morando nos hospitais. Só que hoje, quase 30 anos depois, ainda não se conseguiu estruturar essa rede de proteção para que esses pacientes todos possam ser atendidos lá fora. Muitos deles continuam vindo se hospitalizar por falta de locais, medicamentos e profissionais em alguns municípios ou bairro de Maceió, por exemplo. Eles terminam vindo para cá porque deixaram de tomar a medicação, de ter o acompanhamento psicológico ou pela própria falta de estrutura das famílias”, relata Audenis Peixto.
“O primo pobre”
Nunca, ou muito raramente, o tema da saúde mental consta nos discursos de presidentes, governadores, prefeitos ou secretários de saúde. Quando se fala em melhorar os serviços nesta área, a saúde mental é relegada a segundo, terceiro, quarto, ou até quinto plano.
“A saúde, de um modo geral, é deficiência de todos os governos, seja federal, estadual ou municipal. É uma coisa que não se consegue acompanhar. Não se consegue acompanhar a epidemiologia, o aumento populacional, e as variações que vão acontecendo. E a saúde mental, que tem crescido muito em termos epidemiológicos e no prejuízo laborativo que dá, termina sendo vítima de incompreensão. E também existe, ainda, o estigma e discriminação. Se priorizam outras áreas da saúde, seja do ponto de vista político ou de cobrança da sociedade. As outras áreas são mais cobradas ou mais vistas”, comenta Audenis Peixoto.
Porém, o diretor-geral do Portugal Ramalho destaca avanços conquistados na saúde mental desde a década de 1990, como recursos sendo destinados diretamente aos hospitais psiquiátricos.
“A gente conseguiu na década de 1990 muitos avanços, quando os recursos passaram a chegar direto aos hospitais. Por exemplos, os primeiros CAPS [Centro de Atenção Psicossocial] de Alagoas foram daqui, mas até hoje eles não foram habilitados. Não recebem recursos do MS porque nunca saíram do hospital para serem municipalizados ou habilitados como instituição independente. Mesmo saindo, há algum tempo saiu o CAPS Casa Verde, que foi para o Pinheiro, e infelizmente voltou para cá por causa da situação do bairro, e o CAPS AD que foi para Bebedouro, ainda não foram habilitados. Ou seja, a alimentação e medicação são mandadas daqui.
Todas essas situações de avanço ainda não se concretizam porque a rede segue deficiente”, relata Audenis Peixoto. Ele aponta as campanhas – Setembro Amarelo (suicídio) – e as residências terapêuticas, como avanços na área e saúde mental, mas pondera faltar mais institucionalização.
“Isso é mais esforço de alguns lutadores, do que institucional. De governo vem bem menos verba para a saúde mental do que para outras áreas. Tem se trabalhado muito com comunidades terapêuticas, às vezes sem médicos, sem psicólogos, para trabalhar na recuperação de drogaditos apenas com viés religioso e laborativo. Não existe, dentro da concepção geral, uma rede que a gente possa garantir a assistência a esse pessoal todo que busca ajuda”, afirma Audenis Peixoto.
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Fonte: Painel Alagoas