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11/03/2019 às 09h00

Geral

CRP: “Nota do MS é um samba do crioulo doido”

Laeuza Lúcia, presidente do Conselho Regional de Psicologia - Carlos Amaral

Por Carlos Amaral

Se as entidades médicas apontam os casos em que a ECT – ou eletrochoque – é recomendada e todo o aparato de cuidados com os pacientes o qual o procedimento é submetido, para a presidente do Conselho Regional de Psicologia (CRP) de Alagoas, Laeuza Lúcia, a nota do MS é uma bagunça total e representa retrocesso no tratamento de portadores de transtorno mental no país.

“A impressão que a gente tem é que ela tenta reconciliar o que é irreconciliável, coisas diferentes, de campos opos­tos. A nota é um samba do crioulo doido. Desde a Lei 10.216 – Lei Paulo Delgado – que reordenou o campo da assistência à saúde mental e do campo psiquiátrico no Brasil, a gente tem um fio condutor muito claro: o cuidado ao paciente com trans­torno mental. Qualquer um pode sofrer isso, haja vista a situação do bairro Pi­nhei­ro, em que as pessoas nunca imagi­naram que iam passar pelo que estão passando, que mexe muito com a saúde mental. O cuidado com o paciente é territorial, de acolhimento e em liberdade”, afirma a presidente do CRP.

Ela destaca o investimento, do próprio MS, em serviços substitutivos nos últimos anos que a recente nota técnica, em sua análise, vai ao encontro. “Se criou toda uma rede de serviços. Aqui em Alagoas, a gente já tem cerca de 60 CAPS habilitados a oferecer o cuidado em saú­de mental. Mais da metade dos municípios de Alagoas possui o CAPS tipo 1”, pontua Laeuza Lúcia.

A presidente do CRP também ressalta a estigmatização dos pacientes de transtorno mental, daí a crítica ao estímulo à hospitalização.

“Quando se fala que em cuidado em liberdade, de forma aberta, de reduzir o preconceito, o estigma – o doente mental é estigmatizado – pois, no final das contas, as pessoas chamam de doido. O preconceito é ainda muito forte e machuca muito mais que a doença. Há toda uma rede construída com essa lógica. Aí, de repente, se tem no MS a implantação de outro viés que aponta o hospital psiquiátrico como parte da rede, quando nos últimos anos o próprio MS fechou vários hospitais psiquiátricos porque o cuidados ali não são em liberdade”, completa Laeuza Lúcia.

Um caso recente de fechamento de hospital psiquiátrico em Alagoas foi o José Lopes, em dezembro de 2017 cujo anúncio da medida já se deu em 2015 quando ocorreram as primeiras demissões. O motivo, segundo versão de médicos e da instituição, foi o corte de recursos do SUS.

“O José Lopes fechou e tinha cerca de 40 usuários de longa permanência, não tinham mais vínculo familiar ou com a sociedade. Hoje eles estão nas residências terapêuticas. E nos demais hospitais também têm e muitos estão cronificados – que são aquelas pessoas que chegaram a um estágio de isolamento em que deixa de interagir com o mundo; com naturalização da internação, a preferem. Quando se retira o paciente do hospital e se coloca numa residência terapêutica, há a interação com outras pessoas. Ele passa a ter uma identidade. No hospital isso não é possível”, comenta Laeuza Lúcia.

Para ela, o hospital psiquiátrico é um local de exclusão social e por mais que se tente humanizá-lo, nada pode mudar essa característica.

“O hospital psiquiátrico passou a exercer papel de exclusão social. Se a pessoa se interna em qualquer outro hospital, para fazer qualquer que seja o procedimento, a reação é de normalidade. Se for num psiquiátrico, não. É da natureza dele”, afirma. “Já escutei algumas falas de pacientes que dizem o seguinte: você sabe o que há de comum entre os hospitais psiquiátricos? O cheiro. Cheiro de cigarro, de ambiente lotado. Por mais limpo que seja, sempre vai ter esse cheiro. O hospital é um local de exclusão e de castigo”, completa a presidente do CRP.

Aplicação

Laeuza Lúcia questiona a capacidade dos hospitais psiquiátricos de Alagoas em aplicar a ECT dentro dos parâmetros impostos pelo CFM. Em sua avaliação, em nenhum dos quatros hospitais psiquiátricos de Alagoas – Portugal Ramalho; Ulisses Pernambucano; Miguel Couto; e o ITA, em Arapiraca – além do manicômio judiciário; há condições para isso.

“A ECT tem recomendações bem específicas, mas quem vai aplicar tem as condições necessárias para fazer? Nos hospitais psiquiátricos de Alagoas, não. Há muitos anos não se aplica a ECT no

estado e quando os médicos a prescrevem, os pacientes são levados a outros locais. Por quê? Por que a conduta para se aplicá-la é parecida com uma cirurgia”, diz a presidente do CRP.

Motivação

Para Laeuza Lúcia, a nota técnica do MS sobre a ECT é reflexo do momento que o Brasil vive. Segundo ela, de desconstrução de avanços conquistados nas últimas décadas em diversas áreas.

“Tivemos várias conquistas nas últimas décadas que estão sendo jogadas na lata do lixo como se nada do que foi feito prestasse. E não é assim. Se precisa fazer correções em políticas públicas por não terem sido bem-sucedidas? Tudo bem, se faz. Mas é preciso avançar e não retroceder. Essa questão da ECT eu vejo como mais um retrocesso, entre vários que estão sendo colocados no Brasil nos últimos tempos. Com destaque aos Direitos Humanos, que foi o viés central da reforma psiquiátrica”, comenta a presidente do CRP.

Ela cita a visita de Franco Basaglia, expoente da reforma psiquiátrica italiana – na qual se baseou a brasileira – a um manicômio em Barbacena, interior de Minas Gerais.

“Ao chegar lá ele disse que o local parecia um campo de concentração nazista, o que foi um escândalo na época. E há vários documentários e livros que mostram isso”, destaca. “Fala-se que a discussão da reforma psiquiátrica é ideológica. Toda e qualquer discussão é ideológica. O Brasil está vivendo um momento de burrice. Se eu defendo isso ou aquilo é ideologia. Tudo é ideologia porque tudo é produção humana. Esse discurso traz prejuízos e retrocessos grandes a várias áreas e a gente não precisa disso e sim avançar”, afirma Laeuza Lúcia.

Residências terapêuticas

As sete residências terapêuticas de Maceió são geridas pela Prefeitura, atra­vés da Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Destas, quatro são masculinas e três, femininas. Cada uma delas conta com dois técnicos de referência – enfer­meiro e psicólogo –, um técnico em en­fer­magem, um cozinheiro e quatro cuida­dores, que se revezam entre os turnos.

“Cada residência é vinculada a um Centro de Assistência Psicossocial, que dá apoio nos cuidados os pacientes”, explica a assessoria de comunicação da SMS. “Hoje as residências atendem 70 pacientes. Cada casa dessas abriga 10 pessoas. Das sete residências, três são vinculadas ao Caps Rostand Silvestre (Jatiúca), duas ao Sadir Carvalho (Bebedouro) e duas ao Caps Noraci Pedrosa (Jacintinho)”, completa a SMS.

As residências terapêuticas têm por objetivo promover a desinstitucionalização dos pacientes com transtorno mental, lhes dá um ambiente mais humanizado para seu tratamento.

“Nas residências, eles aprendem a rotina de uma casa com a execução de tarefas domésticas como lavar pratos ou ir à padaria, com a supervisão e auxílio dos cuidador. Também participam de passeios coletivos e individuais a shop­pings ou feiras de artesanato para pro­mo­ver momentos de socialização e inser­ção social. Duas vezes por semana eles vão até o CAPS de referência para a realização das terapias e continuidade do tratamento”, relata a SMS.

Dos 70 pacientes das residências, 40 são oriundos do antigo José Lopes e 30 da Clínica Miguel Couto. O critério de in­gresso, ressalta a Secretaria, é ser paciente com internação de longa per­manência em hospitais.

“Cada residência recebe R$ 20 mil do Ministério da Saúde e o Município de Maceió dá um incremento de mais R$ 10 mil. Essas residências são gerenciadas pela Associação de Usuários e Familiares dos Serviços de Saúde Mental de Alagoas [Assuma]”, detalha a SMS que ressalta a previsão de construção de seis unidades na capital alagoana este ano. “Falta a sinalização por parte do Ministério da Saúde para a liberação do custeio”.

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Fonte: Painel Alagoas

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