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11/03/2019 às 09h02

Geral

"ECT era usada como castigo", resgata pró-reitora da Uncisal

Mara Ribeiro, pró-reitora da Uncisal: "Eu sei que nos porões de muitos hospitais psiquiátricos, até hoje, tem muita violência e desrespeito" - Ascom Uncisal

Por Carlos Amaral

Além da parte técnica, é preciso discutir outros fatores em torno da ECT, como seu uso indiscriminado e sobre a hospitalização de pacientes portadores de transtorno mental. Esse é o centro das ponderações de Mara Ribeiro, terapeuta ocupacional e pró-reitora da Uncisal.

“No final da década de 1970 se inicia o movimento pela reforma psiquiátrica. Antes disso, a gente tem um período em que o ECT foi usado no Brasil como castigo, principalmente para presos políticos, mas também muito utilizado em pessoas com transtorno mental. A partir da década de 1980, passou a serem criadas novas portarias – antes da lei que a gente chama de Lei da Reforma psiquiátrica, de 2001 – e várias leis estaduais e municipais, inclusive Maceió foi uma das primeiras capitais a ter uma lei dessas em que já indicava a diminuição de leitos hospitalares e o uso da ECT”, relata Mara Ribeiro.

A terapeuta ocupacional ressalta, assim como Fernando Pedrosa, Audenis Peixoto e Laeuza Lúcia, que a ECT tem sua necessidade dentro de situação específicas e com uma série de cuidados a serem considerados. Contudo, ela destaca o uso como método de castigo e tortura.

“A ECT nunca chegou a ser abolida, mas entrou em desuso. Ela não é, por si só, equivocada. Tem uma serventia dentro de um enquadre bastante limitado e bem assessorado clinicamente. Passado o momento em que não se tinha nenhuma recomendação, passou a se criar recomendações clínicas porque não havia tal indicação. Era, sim, comportamental, disciplinatória. A ECT era usada nos hospitais psiquiátricos de forma indiscriminada e não era uma ação técnica”, diz Mara Ribeiro.

Ela explica que a ECT serve para provocar uma convulsão, mas há uma série de medicamentos que produzem o mesmo efeito, sem a brusquidão física e os efeitos colaterais.

“A pessoa perde a memória por um tempo, sente dores. Claro que com a modernidade, isso vai sendo diminuído, mas a gente tem relatos, inclusive, artigos científicos, que mostram que os pacientes seguem tendo essa perda de memória”, comenta. “O problema da ECT nessa nota técnica do MS, é que traz isso com um aparelho que será comprado com recursos do SUS, disponibilizado pelo serviço público a todos os hospitais que solicitarem. Quem vai controlar seu uso? A gente sabe que a saúde mental – e a saúde como um todo – nesse país está cada vez mais sendo vendida como mercadoria. Fico pensando, um dono de hospital que ganha pelo SUS – a maior parte de seus rendimentos vêm do SUS –, mesmo que a medicação oral não seja tão cara, com certeza será mais cara que a ECT. Ainda mais com os aparelhos modernos, que puxam menos energia”, completa Mara Ribeiro.

De acordo com ela, o uso da ECT é preciso ser repetido em duas ou três sessões por semana, daí vem a necessidade de internação. Por isso, essa discussão também tem de abordar a institucionalização dos pacientes com transtorno mental.

“A ECT precisa de duas ou três sessões por semana, daí a recomendação é que a pessoa fique internada por três ou 4 semanas. Olha o custo disso? Tirá-la do desuso traz essa interrogação técnica. Não tem nenhum dado concreto que justifique isso. São para necessidades pontuais. Estou há 25 anos trabalhando na saúde mental e encontrei pouquíssimos casos com a necessidade dela. Não estou defendendo sua abolição, mas sim seguir com os critérios. Quando se amplia isso, quem garante que os hospitais psiquiátricos não vão usar indiscriminadamente?”, questiona a pró-reitora da Uncisal.

A professora já fez parte da equipe do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares (PNASH/Psiquia­tria) e, de acordo com as avaliações que ajudou a produzir, os hospitais psiquiátricos locais possuem melhores condições que muitos Brasil afora. Contudo, ela ressalta que ainda existem locais em que pacientes são amarrados em camas ou transitando nus pelos corredores das unidades hospitalares.

“Como se vai fiscalizar o uso do eletrochoque dentro desses hospitais, quem vai garantir que – do mesmo jeito que deixam uma pessoa com problema de movimentação de braço – não começar a utilizar a ECT por não se comportar bem?”, questiona. “Não sei à noite, nos hospitais, que o uso se faz do eletrochoque. Eu sei que nos porões de muitos hospitais psiquiátricos, até hoje, tem muita violência e desrespeito. Na época do fechamento do José Lopes foi levantado um número grande de mortes inexplicáveis, de pessoas de 25, 35 e 50 anos”, completa Mara Ribeiro.

Para ela, a nota técnica do MS e seu estímulo à ECT e à institucionalização de pacientes com transtornos mentais afronta a construção do atual modelo, cuja base é a reforma psiquiátrica do país, iniciada no final da década de 1970.

“A reforma psiquiátrica foi uma luta pelos direitos de cidadania e sociais das pessoas que sofrem algum transtorno mental. A reforma vem para garantir esses direitos porque, durante anos, essas pessoas foram trancafiadas e com pouquíssimo con­trole do que acontecia dentro dos manicômios, com pouquíssimo res­peito à dignidade humana. Hospitais grandes, cujos pátios, às vezes, com 100-150 pacientes, com muito uso da ECT. A partir do final da década de 1970, a gente começa a ter um movimento no Brasil para transformar essa política de saúde mental e criar novos serviços que pudessem favorecer essa troca social a essas pessoas”, relata Mara Ribeiro.

Ela também destaca, assim como Laeuza Lúcia, o estigma em relação a pessoas com doenças mentais e afirma que a internação é, por vezes, cárcere privado.

“Que história é essa em que pessoas são trancafiadas por uma doença que não é contagiosa, trazida de uma história de periculosidade quase que tatuada na pela das pessoas com transtorno mental para justificar seu cárcere privado? Criou-se um estigma de periculosidade quando a gente vê que a violência está na humanidade. Pesquisas realizadas envolvendo pessoas com transtorno mental, são elas quem levam a pior. São mais agredidas do que agrediram”, afirma a terapeuta ocupacional.

Para ela, quem defende a ampliação da ECT – ou eletrochoque – é quem não consegue enxergar o paciente por trás da doença, assim desconsiderando uma série de fatores que agridem mais do que a patologia em si.

“Esse grupo que defende o re­torno massivo do eletrochoque é formado por pessoas que percebem somente a doença, mas ela não existe sozinha. E aí, a questão é essa, se prioriza a internação, o confinamento, o eletrochoque, sem considerar o estigma de quem toma um eletrochoque, que passa a ser grande. Se senta uma pessoa ao seu lado e começa a retorcer o ombro, por exemplo, em princípio você vai achar que se trata de um tique nervoso e nem dará bola. Mas se alguém disser que ela tomou um eletrochoque, você se afasta. Como se vai garantir a qualidade de trânsito, de cidadania, a uma pessoa que tomou eletrochoque”, argumenta Mara Ribeiro.

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Fonte: Painel Alagoas

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