Por Carlos Amaral
Os grandes personagens, os heróis da História brasileira, são brancos, de Pedro Álvares Cabral ao proclamador da República Marechal Deodoro da Fonseca, até a pessoa que “libertou” os negros da escravidão, a princesa Isabel. A ocultação dos personagens históricos negros da narrativa oficial do Brasil é fruto de um projeto de embranquecimento do país. É assim que pensa o sociólogo Carlos Martins. À Painel Alagoas, ele afirma que desde a chegada dos europeus por essas bandas a lógica sempre foi o de eliminar qualquer traço cultural dos povos indígenas e negros.
“Na Historia do Brasil há duas narrativas, ideais, de sujeito. Quando se entende o país pelo viés das relações raciais, deliberadamente, a sociedade brasileira cria duas narrativas. Tem o sujeito branco, dominador, hegemônico, invasor, e que se constrói como o tipo ideal. E o sujeito negro, cujos elementos foram negados e tido como algo negativo”, afirma. “O decreto 528 de 1889 abre os portos brasileiros para a imigração de europeus para cumprir o papel de embranquecer o país. Eles receberam terras e condições para se estabelecer. O resultado disso tudo, por exemplo, é que não tem negro na elite econômica brasileira, industriais. Entre os maiores concentradores de renda do país não há negros”, completa Carlos Martins.
Ele destaca o termo “descobrimento” em relação à chegada dos portugueses ao Brasil em 1500 como um instrumento do projeto de embranquecimento.
“Dentro dessa narrativa se tem a projeção das personalidades brancas, os heróis. Isso desde Cabral. O cara vem invade território, mata muita gente, destrói cultura, mas a narrativa é positiva. E se nega a população indígena como ser. Ora, se ele descobriu é porque ninguém sabia. E a população negra é trazida apenas para o trabalho na produção escravocrata e tem sua identidade negada, desumanizada. A Igreja Católica dizia que o negro não tinha alma. Portanto, era um animal. Ao longo da História isso vem tomando outros formatos, mas o processo de invisibilização de todos os elementos que compõem a identidade negra é contida deliberadamente no Brasil. É um projeto colocado em prática”, argumenta o Sociólogo.
Outro elemento desse projeto, segundo Carlos Martins, é a forma como a sociedade lida com as religiões de matriz africana, como se fora “coisa do demônio”, enquanto as religiões cuja origem está em países com população branca não sofrem esse tipo de negação.
“O Candomblé é marginalizado até hoje. Quem é o brasileiro mediano que consegue dar uma narrativa positiva ao Candomblé? Nenhum. Para ele é coisa do demônio. Mas ninguém chama Zeus [mitologia grega] de demônio, ou o Thor [mitologia nórdica]. Já a narrativa africana é do demônio. Isso serve para tirar a identidade cultural dos negros”, diz o sociólogo.
Como resultado histórico desse processo, Carlos Martins cita um experimento realizado pelo governo do Paraná. A dois grupos com pessoas que trabalham em recursos humanos foram exibidas imagens de pessoas brancas e negras nas mesmas situações e roupas. A interpretação dada a cada conjunto de fotos foi esclarecedora.
Com os negros disseram que era alguém fugindo da polícia, empregada doméstica ou motorista. Com as pessoas brancas, era alguém atrasado para o trabalho, uma dona de casa e alguém dirigindo o próprio carro. “Isso é resultado desse projeto que falei”, comenta o sociólogo.
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Fonte: Painel Alagoas