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18/02/2019 às 08h57

Geral

“Eu perdi a minha vida e ele vive a dele normalmente”

PXHERE/Edição Painel Alagoas
Por Carlos Amaral e Evellyn Pimentel 


O perfil do agressor na maioria dos casos se assemelha. No início a mulher é envolvida por uma paixão avassaladora, da­quelas que a maioria das mulheres sonha. Só que aos poucos o sonho de prin­cesa vira um pesadelo. Foi assim com D.H. de 29 anos.  Para não se tornar mais uma Joana, ela precisou fugir de Alagoas. 

Atualmente, D.H. está sem contato com a família, amigos, sem renda, dependendo da ajuda de pessoas pró­ximas para se manter. Tudo isso para evitar que o homem com quem tem uma filha não tire sua vida. 

“Eu perdi a minha vida e ele está em Maceió. Não foi preso e vive a vida normalmente, fazendo faculdade de Odontologia. Ele segue fazendo tudo o que fazia, quem perdeu a vida fui eu. Eu não tenho mais renda, vivo do que parentes me dão. Não tenho mais amigos, pois tenho de ficar escondida porque ele pode me achar a qualquer momento. Eu perdi muito da minha vida. Meus amigos não sabem nem o que aconteceu comigo, perdi a convivência da minha filha mais velha e estou tentando reconstruir minha vida, tentando reco­meçar”, lamenta D.H. 

Eles se conheceram no ambiente de trabalho em 2015, à época ela era supervisora dele. O jeito carinhoso e os atributos físicos encantaram D.H. Só que ao contrário do conto de fadas ficcional, o dela não teve maçã envenenada, muito menos bruxa. O terror era o próprio “príncipe encantado”, que tirou sua liberdade, sua paz e sua dignidade. 

“Ele era um homem encantador. Fisicamente atraente, educadíssimo, muito prestativo. E isso me encantou muito. Naquele momento eu tinha saído de um relacionamento de quase dois anos e ele tinha saído também de um relacionamento meses antes. A gente engatou um namoro, ele me pediu em namoro numa praia. Aquilo me encantou demais. Ele abria a porta do carro, sempre me surpreendia com flores…eu acabei acreditando que seria muito maduro, que seria o homem ideal, o homem dos sonhos que eu sempre idealizei para mim”, conta D.H. 

O fato de ela já ter uma filha e ele duas, fez com que D.H. se sentisse ainda mais atraída pelo homem. Até começar a desconfiar do comportamento dele e descobrir diversas traições, ainda no primeiro ano de relacionamento. 

“Ele passava muito tempo no telefone e isso me incomodava. Até que descobri que ele estava me traindo, descobri diversas traições. Ele me traía com menina da faculdade, com ex-mulher, ex-babá. Foi aí que quis terminar. No primeiro término ele demonstrou que não vivia sem mim, começou a me perseguir, me ligava ‘trocentas’ vezes durante o dia. Dizia que ia se matar, que ia morrer porque a vida dele não tinha sentido sem mim”, lembra D.H.

Com a chantagem emocional, ela decidiu reatar o relacionamento. Foi a primeira de muitas idas e vindas, marcadas por tortura psicológica, ameaças e, mais tarde, agressões. 

“Até o momento ele nunca havia me agredido. Era dramático. Dizia que ia se matar, aí a mãe dele me ligava. Esse era o primeiro sinal de exagero, só que eu não percebia. Ele dizia que se arrependia das traições e eu voltava. Aí ele começou a ficar muito ciumento. Me privar do meu círculo de amizade, dizia que minhas amigas eram safadas e meus amigos davam em cima de mim. Por ele ser ex-militar, lutador, eu temia. Achava que se saísse, ele poderia arrumar confusão, brigar com as pessoas, porque ele ameaçava que faria, então eu parei de sair. Comecei a me afastar, ter medo de sair com meus amigos. Dizia que ia sair com as pessoas, mas nunca ia. Só saía com ele”, lembra D.H. 

Em 2017, a jovem engravidou. Deste momento em diante o terror tomou conta de sua vida. Ele queria o aborto. Ela se sentia presa a um relacionamento que a levou ao fundo do poço. 

“Ele sempre me traindo e me acusando das coisas. Quando eu descobria ele gritava muito, dizia que era mentira. Ele era explosivo, até que em 2017 eu engravidei. Quando eu engravidei ele começou a querer que eu abortasse. Num primeiro momento eu fiquei muito triste, até pensei em fazer. Após terapia, eu disse a ele que não iria abortar e foi quando ele começou a ficar violento, quebrar minhas coisas, celular, notebook. Aí começaram as agressões verbais”, relata D.H. 

Com a insistência na ideia de aborto, veio mais um término de relacionamento. Semanas depois, eles reataram mais uma vez e foram viver sob o mesmo teto, mesmo após D.H. ter sido ameaçada de morte. 

“Ele ficava insistindo para eu abortar, então eu terminei. No começo, quando a gente terminava, ele dizia que ia se matar. Depois da gravidez ele começou a me ameaçar de morte. A mim e a minha família. Então, terminei. Nisto, ele fez uma viagem ao Peru. Quando voltou me pediu desculpas, trouxe presentes. E tentou me convencer a morar com ele. E aí começaram as agressões verbais, que eu era vagabunda, que o filho não era dele e que iria fazer DNA. Eu pedia para ir embora, mas ele não deixava. Começou a trancar a porta e eu só podia sair com ele. Fui perdendo amigos, ninguém mais acreditava em mim”, conta D.H.

A violência sofrida começou a deixar marcas profundas, não apenas físicas, mas emocionais. Silenciada pela dor e pela vergonha, a mulher encobria os vestígios. 

“As pessoas não percebiam, eu não falava. Minha mãe começou a perceber manchas no braço. Eu escondia. Minha mãe perguntava e eu dizia outra história, inventava. Ele também inventava. Pedia para eu usar roupas mais compridas para esconder. Nisso eu comecei a me cortar, porque tinha raiva de mim porque não conseguia terminar com ele. Eu sempre voltava. Já me joguei do carro em movi­mento no meio das brigas”, revela D.H. 

Ela teve depressão durante a gravidez porque passou a rejeitar a ideia de ter um filho daquele homem. 

“Ele dizia que ia me matar, me trancava, me ameaçava de morte. Dizia que se eu fosse para casa dos meus familiares, mataria todo mundo. A gravidez foi bem turbulenta. Eu nem queria comprar enxoval, tive depressão. Quando minha bebê nasceu, ele não deixou ninguém ir me ajudar. No hospital, ele gritou comigo, me xingou na frente de todo mundo porque não queria cuidar da bebê. Eu pedi ajuda e ele não quis, esta­va com raiva porque a criança fazia barulho. A psicóloga pediu para ele se retirar e eu tive uma crise de choro. Ela perguntou se eu queria denunciá-lo, mas ele dizia que se eu fizesse isso, eu morreria”, enfatiza D.H.

Em meio a tantas ameaças e uma constante tortura psicológica, D.H. temia por sua vida, mas as ameaças não eram apenas dirigidas a ela. 

“Ele dizia que já tinha matado muita gente e mais uma não faria diferença. Que mataria minha mãe quando ela saís­se do trabalho, que ia matar meu ex-ma­rido para ver minha filha sofrendo; que ele tinha dinheiro e advogado. O caos que os términos causavam eram tão grandes que eu acabei aceitando ficar ”, lembra D.H. 

Com o nascimento da filha, o relacionamento se tornou insustentável. Eles passaram a dormir em quartos separados. E as desconfianças em torno da paternidade aumentaram.

“A bebê nasceu com sangue tipo O, que é normal com os pais de tipo sanguíneo A, mas isso foi só um pretexto para ele tirar minha paz, me agredir e me humilhar. Com um mês de vida da minha filha, ele me agrediu com ela nos braços. Porque eu tentei ir embora. Quando ele chegou da academia eu tinha pedido um Uber para ir embora. Ele me bateu no meio da rua. As pessoas diziam que ele ia me matar. Aí veio a primeira denúncia, o primeiro B.O., em abril de 2018”, relata D.H. 

Depois de mais uma agressão, eles reataram. O ciclo de violência continua até setembro de 2018. Quando ele novamente agride D.H, desta vez na frente das três meninas e com a bebê nos braços, num local público.

“Ele me agrediu no Lindoya, na frente das duas filhas dele e da minha. Eu estava com a bebê nos braços. Fomos expulsos do local com as meninas chorando. Quando chegamos em casa, minha outra filha disse que não era mais para ele bater em mim e que iria denunciá-lo. Ela tinha onze anos de idade e chorava muito. Ele disse que se ela fizesse isso, no outro dia seria o meu caixão e o do pai dela. Foi aí que eu percebi que a coisa ia se tornar pior, que ele ia concretizar o que ameaçava”, conta D.H.

Porém, foi o fato de a filha de onze anos enfrentar o agressor que despertou em D.H. a vontade de sair daquela condição. O pai da pré-adolescente chegou a questionar a guarda por conta do comportamento do homem. Daí ela procurou ajuda no Centro Especializado de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (CEAM), mantido pela Secretaria de Estado da Mulher e Direitos Humanos (Semudh). Até ir embora, D.H. passou por diversos imóveis alugados, pois os vizinhos se incomodavam rotineiramente com o barulho das agressões sofridas por ela. 

A jovem conta que ainda continuou com o agressor até o episódio fatídico de tortura, que motivou sua fuga.

“Ele me algemou, me agrediu, me deixou trancada por horas. Segurava minha boca para eu não gritar. Pegou minha bebê e a prendeu no carrinho, ela passou duas horas chorando e ele não me deixava pegá-la. Eu percebi que ele ia me matar, que aquilo não ia acabar bem. Até que eu me acalmei e ele me soltou. Depois eu decidi que, quando ele saísse para faculdade, eu ia procurar ajuda. Passei quinze dias agindo normalmente para que ele não percebesse. Cada saída era calculada”, conta D.H. 

Atualmente D.H. vive fora de Ala­goas. Fugiu para não morrer. Entre outu­bro e dezembro do ano passado ficou nu­ma casa abrigo, local destinado a mu­lheres em situação de violência que pre­cisam ser retiradas de seus lares para se manterem vivas. 

“Precisei tirar segunda via de docu­mentos, ir a conselho tutelar. Daí deci­di­ram que eu iria para a Casa Abrigo para que ele não pudesse me achar. Passei dois meses. Eu tinha uma creche, a qual deixei uma funcionária para que ela to­masse conta. Como forma de represália, ele levou tudo. Hoje eu só tenho contato com a minha mãe e assistentes sociais. Não tenho redes sociais, estou longe da minha filha mais velha, que está com o pai. E estou tentando recomeçar a minha vida. Estou aguardando a medida prote­tiva, mas é uma demora muito grande. A Justiça brasileira nesses casos não é ágil. A medida protetiva deveria sair na hora, te­nho dois B.O.s, mas ele nunca foi intima­do. A vida dele continua a mesma”, reclama D.H. 

D.H. diz que tem buscado forças para se manter lutando. “É um dia por vez, um dia de cada vez. Hoje sei que o homem que eu venerei, tinha se transformado naquele monstro. Na verdade, quem eu amava era aquele monstro ”, finaliza. 

Saiu de casa só com a roupa do corpo 

Num dos casos atendidos pelo CEAM, a mulher buscava tratamento para o companheiro usuário de drogas e que a agredia. A situação chegou a tal ponto que ela saiu de casa com a filha apenas com a roupa do corpo, tamanho era o medo das agressões e ameaças. 

Para preservar sua identidade, usaremos o nome fictício de Lúcia para identificá-la. Lúcia conta que começou o relacionamento em 2009, o qual sem­pre foi marcado por muitas brigas até que as agressões começaram. 

“Ele tinha muito ciúme de mim, vivia com desconfiança, achava o tempo todo que eu o estava traindo. E aí vieram as agressões, muitas agressões. Tentei tratamento para ele, procurei o Centro pra isso. Eu tive medo e procurei o Centro. Depois de um ano voltei lá porque tinha conseguido me separar dele”, lembra Lúcia. 

Apesar do relacionamento marcado pela violência, após seis meses do início do processo contra o ex-companheiro, Lúcia decidiu reatar a união. Ela afirma que acredita que ele não irá agredi-la novamente.  “Hoje ele tem consciência do que fez e sei que ele não vai fazer de novo, que ele entendeu que discussões existem e são normais, mas agredir não”, garante Lúcia. 

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Fonte: Painel Alagoas

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