Mesmo com leis que endurecem a ação da Justiça em casos de violência contra a mulher, os crimes seguem ocorrendo no país em volume considerado. De acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos, entre janeiro e julho de 2018, foram registrados pelo Ligue 180 mais de 79 mil casos de violência doméstica.
Para a socióloga Danúbia Barbosa, os números são alarmantes. “Foram registrados no país 27 feminicídios; 51 homicídios contra a mulher, 574 tentativas de feminicídio e 118 tentativas de homicídios. Casos de violência doméstica, agressões verbais, violência psicológica, esse numero real no Brasil é de 79.661 casos. É quase dado de guerra. Temos uma epidemia ligada à violência contra a mulher”.
Ela ressalta que a realidade pode ser pior por causa da catalogação dos crimes, pois nem todo assassinato de mulher é registrado como feminicídio. A socióloga apresenta outras tipificações para este tipo de crime. “O feminicídio é divido em três: o íntimo, quando se tem relação afetiva com a vítima; o não-íntimo, quando se tem violência ou abuso sexual, sem relação afetiva; e o por conexão, quando uma mulher tanta intervir na morte de outra mulher por um homem, ela é assassinada por ser mulher”, explica Danúbia Barbosa.
Leis
Para a socióloga, as leis Maria da Penha e do Feminicídio foram passos importantes para combater os crimes de violência contra a mulher, mas ainda não têm demonstrado resultado concreto em sua diminuição. Os fatores, segundo ela, são diversos.
“A Lei do Feminicídio, criada no governo Dilma Rousseff [PT], surge após se constatar que no país 40% dos assassinatos de mulheres estavam ligados à questão de gênero. O problema é que no Brasil se cria lei para estancar o problema de forma imediatista e não fazer planejamento ao longo dos anos. A lei ainda é muito nova e não se tem estudo de futuro. A gente não sabe como será o comportamento por causa dela. Mesmo com a lei, os crimes não diminuíram”, analisa. “A Lei Maria da Penha foi outra forma de tentar barrar as questões do feminicídio e tentar desnaturalizar a violência doméstica, mas ela também é muito nova e é preciso mais ações educativas. No mundo, a cada 6 horas uma mulher é vítima de feminicídio ”, completa Danúbia Barbosa.
Educação e políticas públicas
Um dos fatores que podem explicar o fenômeno de mulheres serem assassinadas por sua condição de gênero, é o fato de não se educar a população – especialmente os homens – sobre a necessidade de respeitar as diferenças e que elas não dão status de superioridade a ninguém. Para Danúbia Barbosa, isso é algo que tem de ser iniciado já na primeira infância. Ela também ressalta a ausência de políticas públicas para combater e atender as vítimas de violência contra a mulher.
“Esse processo educativo, que precisa começar na primeira infância, serve para barrar algumas situações; também não há uma rede complexa e especializada à mulher vítima de violência doméstica. Em Alagoas, só tem uma casa abrigo. A gente tem uma lei que prende agressores, mas não se tem o apoio à vítima, que fica fragilizada. Muitas vezes, as mulheres seguem vivendo com o agressor porque não conseguem nem se sustentar nem onde morar. Daí preferem ficar no rol da violência e multiplicar isso do que sair porque não tem apoio”, diz a socióloga.
Ela também destaca a lógica patriarcal da sociedade brasileira, presente no inconsciente coletivo da população que se traduz, entre outras coisas, no sentimento de posse dos homens em relação às mulheres.
“A educação machista no Brasil, apesar dos avanços recentes, ainda é uma realidade. Cabia às mulheres, antigamente, a vida privada e não pública. Os homens incutiram na cabeça que as mulheres são inferiores. Ainda há casos hoje de mulheres que não podem trabalhar, não podem ter vida pública, não podem estudar porque os companheiros impedem. Ou o sentimento de posse que, na maioria dos casos, principalmente nos feminicídios passionais, o homem não admite que a companheira tenha uma vida paralela a dele”, afirma Danúbia Barbosa. “Isso ocorre nos locais com menores índices educacionais, onde homens e mulheres são educados de forma inferior, sem uma educação de conscientização”, completa.
Tal característica, num estado como Alagoas que possui baixos índices educacionais e elevados de violência, a lógica patriarcal, de acordo com a socióloga, tende a ser maior.
“Aqui se configuram os piores índices em tudo. Seja na violência geral, seja contra a mulher, seja na educação. Somos um estado com cerca de 25% da população analfabeta, sem acesso ao conhecimento – até tem informação, mas não transforma isso em conhecimento. Certamente, isso vai gerar nível maior de violência, inclusive contra a mulher. Se vai ter mais casos de estupro e de espancamento. E hoje ainda temos a flexibilização da posse de arma de fogo, que pode reverberar num alto índice de violência doméstica”, diz Danúbia Barbosa.
Em sua avaliação, é preciso criar uma rede de apoio à mulher vítima de violência que atue desde o atendimento médico à proteção do agressor.
“Muitas vezes as mulheres se submetem à violência por questões psicológicas – ela não entende que a relação é abusiva –, por questões de renda, por ter filhos. Elas precisam ter uma rede de apoio e oportunidades, mas isso não exclui o trabalho educacional conscientizados para pôr fim à violência doméstica que desemboca no feminicídio e colocar o homem no papel de dono de casa, por exemplo”, analisa a socióloga.
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Fonte: Painel Alagoas