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18/02/2019 às 09h27

Geral

“Delegacias da Mulher precisam funcionar 24 horas por dia”

Andrea Alfama: mulheres não pedem para ir à casa abrigo por desconhecimento - Evellyn Pimentel
Por Carlos Amaral e Evellyn Pimentel 


A advogada Andrea Alfama atua com diversos casos de violência contra a mulher. O de maior repercussão é o assassinato de Joana Mendes, morta com mais de 30 facadas no rosto pelo ex-marido, Arnóbio Henrique Melo. Ela é assistente de acusação neste processo, que está na fase das alegações finais antes de o juiz decidir se o caso vai a júri. Para a advogada, o primeiro problema a ser resolvido é manter as delegacias da Mulher abertas por 24 horas.

Painel Alagoas – Em sua avaliação, quais são os principais problemas a serem enfrentados em Alagoas no combate ao feminicídio e à violência contra a mulher, em geral?

Andrea Alfama – O primeiro deles, que eu acho o mais urgente de resolver, é ter delegacias da mulher funcionado por 24 horas. Essa é uma pauta que precisa ser posta com a máxima urgência porque essas delegacias só funcionam em horário comercial. E Alagoas só tem três: uma no Centro de Maceió, uma no bairro Salvador Lyra e outra em Arapiraca. É muito pouco perto da quantidade de crimes contra a mulher que ocorre no estado. Houve uma diminuição nos casos de feminicídio, mas os índices de violência doméstica continuam altíssimos e isso ocorre, segundo estatísticas, nos fins de semana e à noite. É exatamente quando as delegacias estão fechadas. Esse é o primeiro problema. O segundo é falta de preparo das equipes para atender essa mulher que está em situação de vulnerabilidade. Falo pela minha experiência profissional, a gente percebe que não há preparo adequado para recepcionar essa mulher que está numa situação de vulnerabilidade, de fragilidade. Tem de ter toda uma equipe voltada para esse atendimento imediato, mas às vezes não é o que a gente percebe. Falo como advogada. A terceira coisa é a rede de casas de apoio. Muitas vezes a mulher que sofre violência tem filho, muitas vezes está numa condição de dependência econômica e você tem que retirar essa mulher da residência dela com seu filho para que ela não morra. Aí você não tem essa rede consolidada como deveria ser. Eu já atendi casos em que as mulheres tiveram de sair de casa com a roupa do corpo e levar filho para se esconder, e eu não consegui esse apoio. Porém, justiça seja feita, temos a Patrulha Maria da Penha que, de fato, tem efetividade. Isso é um avanço, mas tem muito que caminhar ainda nessa rede protetiva para a mulher que está em situação de violência doméstica.

Painel Alagoas – Temos duas leis federais voltadas ao combate à violência contra a Mulher, a Maria da Penha e do Feminicídio. Mesmo assim, parece que esses crimes não param de ocorrer. Ou seja, o Estado não consegue intimidar os agressores. Por quê?

Andrea Alfama – Os agressores apostam na impunidade, acham que não vai acontecer nada. Mas a partir do momento em que acontece – e a lei nesse sentido é bem clara, tem consequência para o ato de agressão – ele percebe que o Estado pode funcionar. Contudo, até isso acontecer, se percorre um caminho. A mulher passa por vários episódios de violência. Num primeiro momento não se quer acreditar, se releva, perdoa por ter filho ou mora com a pessoa, tem história de vida, dependência econômica, medo. São vários fatores e o agressor aposta, de fato, na impunidade.

Painel Alagoas – Muitas mulheres seguem com os companheiros mesmo depois de terem sido agredidas, até mesmo quase mortas. A senhora atua em vários casos de violência contra mulheres, em sua avaliação qual o motivo desse comportamento?

Andrea Alfama – Cada caso é um caso, mas pela minha experiência, a partir de casos que acompanho, a mulher não quer acreditar que esse homem seja capaz de um ato extremado como tirar sua vida ou de seus filhos. Ela quer sempre acreditar na capacidade de arrependimento, perdoa e releva. Isso são alguns casos, em outros elas sabem o risco, mas o medo, a dependência economia, dependência emocional são barreiras que impedem a mulher de romper com o ciclo de violência. É muito delicado e, para nós que atuamos na defesa dessas mulheres, num primeiro momento, é um trabalho frustrante porque a gente acompanha, conversa, explica, cita casos, mas muitas vezes a mulher não quer acreditar que aquele companheiro de uma vida inteira seja capaz. Qualquer ser humano é capaz de matar, seja para se defender ou porque tem distúrbios e acha que a violência é um método de solução de conflitos. Simplesmente por conta da sociedade patriarcal e machista em que vivemos, os homens acham – sem generalizar – que têm poder de decisão de vida e morte sobre as mulheres. Isso é fruto de nossa sociedade. A posse. Achar que pode decidir sobre a vida dessas mulheres, que se não ficar com ele não fica com mais ninguém, a ponto de matar. 

Painel Alagoas – A senhora é assistente de acusação no processo da Joana Mendes e já fazem mais de dois anos que o crime foi cometido, mas até agora o julgamento ainda não teve um desfecho, mesmo com a repercussão que o caso teve. Acredita que se a vítima fosse homem tudo já estaria concluído?

Andrea Alfama – Eu não tenho elementos para avaliar se o processo andaria mais rápido se não fosse uma mulher assassinada. Por conta da Lei do Feminicídio, o que percebo – e isso é uma tendência em nível nacional – e que há maior agilidade nos desfechos desses casos. Há, inclusive, diretrizes da ONU [Organização das Nações Unidas] sobre isso. E como houve uma explosão de casos de violência doméstica e de feminicídio, há essa diretriz. Há um direcionamento, também do CNJ [Conselho Nacional de Justiça] de dar mais agilidade em relação aos processos. Acho que a Lei do Feminicídio foi importante porque deu mais visibilidade aos casos de violência doméstica que culminam com o assassinato dessas mulheres. Fora a Lei Maria da Penha, que vai fazer 13 anos de vigência. É uma das leis mais avançadas do mundo, mas o problema é a sua efetividade. O que o Estado faz para que essa lei, de fato, funcione? A gente tem um Juizado de Violência Doméstica aqui em Maceió que tem um passivo de 10 mil processos, e falta funcionário. Se avança de um lado, mas recua do outro. É complicado. O processo da Joana está caminhando e, para os padrões da Justiça brasileira, dentro da normalidade. Não vejo morosidade aí.

Painel Alagoas – O caso da Joana Mendes pode servir como instrumento de combate ao feminicídio? 

Andrea Alfama – O caso teve uma grande repercussão por conta da brutalidade do crime. Estamos falando de uma mãe de família, que deixou dois filhos órfãos. Este é um entre vários casos porque, todos os anos, a gente tem conhecimento de casos assim. Mas a gente não pode deixar passar e tem de se lutar para fazer justiça. Seja no caso da Joana, seja nos demais. Acho que a denúncia em relação à violência doméstica, ao feminicídio, tem de ser cotidiana porque é um dos instrumentos que temos para combater isso. Também é preciso conscientizar os homens para que entendam que não são os donos dos corpos e das vidas dessas mulheres. Isso parte desde a formação da criança. Formar pessoas que respeitem a mulher, homens que respeitem as mulheres. Nossa batalha é para que o caso da Joana não caia no esquecimento, assim como vários outros e sempre procuro trazê-los à tona. A sociedade precisa debater isso. Estamos com uma geração inteira de crianças órfãs, de pais e mães que choram porque essas mulheres têm família, têm uma vida e papel na sociedade. Não é justo que suas histórias terminem assim. Nenhuma mulher merece passar por uma situação brutal, extremada, como foi a da Joana. 

Painel Alagoas – Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) emitiu um decreto de facilita a posse de armas de fogo. Acredita que isso pode causar mais feminicídios?

Andrea Alfama – Sem dúvida. Metade das mulheres que foram assassinadas foi por arma de fogo. Essas mulheres, em grande maioria, morrem em casa. Eu não tenho dúvida de que esse decreto é uma aberração. Social, inclusive. A saída não é armar o cidadão comum. O cidadão comum não tem preparo para usar uma arma, isso é comprovado. Tem de ter preparo físico e psicológico. Para ter ideia, a maioria dos policiais que foram assassinados estava de folga e foram vítimas de arma de fogo. Um policial que, em tese é extremamente preparado para usar uma arma, pode ser vítima. Então, imagine um cidadão comum. Temos uma sociedade machista e imagine um cidadão sem preparo para usar uma arma, tendo ali uma facilidade para ter acesso a essa arma. Num contexto de violência doméstica, isso é uma combinação explosiva. É você facilitar o cometimento de mais crimes contra a mulher. Minha esperança é que isso seja revertido na via judicial.

Painel Alagoas – Antes mesmo de ser candidato à Presidência da República – e mesmo durante a campanha –, Jair Bolsonaro sempre atacou o debate sobre o direito das mulheres, inclusive o discurso de proteção e combate à violência contra elas. Em sua opinião, há a possibilidade de retrocessos na legislação que protege a mulher durante o atual governo? 

Andrea Alfama – É um risco que a sociedade corre. Veja, a legislação muda de acordo com as demandas do processo evolutivo da sociedade. É uma coisa abso­lutamente natural e faz parte do processo histórico, mas tendo em vista o perfil do atual governo, acredito que haja esse risco. A partir do momento em que se diz que não se pode discutir feminicídio, femi­nismo, questões de gênero na escola e não se permite que se preparem moças e rapazes para conviver de forma saudável em sociedade, em busca de igualdade, está permitindo retrocessos também. Está per­mitindo que essa situação de patriarcado e machismo se perpetue. A juíza Andrea Pachá, do Rio de Janeiro, tem uma fala fan­tástica sobre o feminismo: ‘o femi­nismo não é pauta comunista, é pauta do pro­cesso civilizatório’. Os casos de violên­cia doméstica e feminicídio estão aumentando, então é importante discutir o fe­mi­nismo, que não é o contrário de machismo. Fe­minismo é buscar igualdade na socie­dade, é uma luta constante por igual­dade, para que as mulheres não morram, não sofram violência doméstica. Essa é a questão. Discutir o feminismo é discutir o processo civilizatório da humanidade. Pa­rece que estamos vivendo uma involução nesse sentido. Neste ano, nos primeiros 15 dias, foram 19 casos de feminicídio no país. A cada duas horas uma mulher morre pelo fato de ser mulher no Brasil. Somos o quinto país do mundo em feminicídio e se continuar essa tendência vai piorar. Se mata muita mulher pela condição de ser mulher no Brasil.

Painel Alagoas – Ainda é muito difícil para as mulheres denunciarem as agressões ou seguirem em frente com os processos... 

Andrea Alfama – Tem uma lei, a do Minuto Seguinte, que é importante men­cionar. Hoje, quando uma mulher sofre violência sexual, ela não precisa mais pas­sar primeiro pela delegacia e fazer exame de corpo de delito. Se ela chegar na rede pública – acho que particular também – informando que foi vítima de violência, ela tem direito prioritário... receber medicação... vocês não tem ideia da via crucis que é para uma mulher quando ela sofre violência sexual ou física, o transtorno que é passar por todo processo, de ir a uma delegacia, ao IML para só depois ter atendimento médico. É muito torturante. 

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Fonte: Painel Alagoas

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