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Vem aí a eleição da abstenção

06.10.2020 às 13:00

*Thomas Traumann

O maior adversário dos candidatos desta eleição municipal é uma função do aplicativo do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que, pela 1ª vez, vai permitir ao eleitor justificar pelo celular a sua ausência nas votações. Até agora, o eleitor que não comparecesse teria de pagar uma multa simbólica para regularizar o título. Ou, se estivesse fora da sua cidade no dia da eleição, enfrentar uma fila na agência dos Correios. Agora, ao alcance da ponta dos dedos, o eleitor pode resolver a pendência de forma simples e gratuita até dois meses depois da votação. Para muitos eleitores, será como se o voto deixasse de ser obrigatório.

A novidade faz parte de 1 pacote de medidas do TSE para tornar as votações de novembro mais seguras. Com a pandemia de coronavírus, os comícios estão proibidos e as aglomerações nas portas dos locais de votação serão limitadas. É 1 temor justificável, e o aplicativo do TSE é uma resposta para aqueles que não se consideram seguros para sair de casa mesmo com os cuidados como o uso de máscara obrigatório nos locais de votação, distanciamento social nas filas e higienização das urnas eletrônicas.

Em geral, a abstenção eleitoral nas eleições municipais fica abaixo das eleições gerais. Mesmo assim, a tendência é de alta. Foi de 16% no ano 2000, ganhando 1 ponto percentual por eleição até chegar a 19% em 2012 e 21% em 2016. No segundo turno da última eleição para prefeito no Rio de Janeiro, 26% dos eleitores não compareceram, índice similar ao de Porto Alegre, 25%. Em São Paulo, onde o resultado de 2016 saiu no primeiro turno, a abstenção foi de 21,8%, mas com tendência de alta. A ausência havia sido de 15,6% em 2008 e 18,5% em 2012.

Coloque na mesa uma tendência histórica de crescimento da abstenção, a comprovada desilusão do eleitor com a política, a facilidade de justificar ausência via aplicativo e o temor da contaminação e temos a receita de pavor para os políticos. Uma das consequências possíveis dessa nova circunstância será favorecer os candidatos com nichos de eleitores demarcados, seja por religião, ideologia ou atuação geográfica. Em tese, perde o candidato com eleitores menos fervorosos.

Não bastará apenas ter uma campanha que toque ao coração e mente do eleitor, será preciso convencê-lo a sair de casa. Não deverá chegar a ser como nos EUA, onde só a metade dos eleitores vota e os políticos mendigam pelo comparecimento, mas é 1 novo complicador para uma eleição que já será atribulada.


*Thomas Traumann, 53 anos, é jornalista, consultor de comunicação e autor do livro "O Pior Emprego do Mundo", sobre ministros da Fazenda e crises econômicas.


O Poder360 integra o

 

Postado por Painel Opinativo

“Governo trata meio ambiente como inimigo”

30.09.2020 às 11:05
O ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) disse considerar o Brasil 1 dos países "mais burocráticos em termos de leis ambientais" Foto:Sérgio Lima/Poder360

*Gustavo Karuse

Foi-se o tempo em que economia e ecologia tinham, em comum, apenas, a origem etimológica grega “oikos”, a casa, “nomos”, a norma, e “logos”, o estudo da casa. Ledo engano.

A emergência da questão ecológica produziu um impacto sobre a humanidade, em todas as dimensões, e desmontou a noção clássica de progresso segundo a qual crescer economicamente é sempre um bem e que os recursos naturais em abundância atenderiam às necessidades e à cobiça incontida do ser humano.

Em contraponto à grandiosa afluência material, juntaram-se dois enormes passivos: o ambiental, revelado pela agonia dos recursos naturais; o social, expresso nos vergonhosos indicadores da desigualdade de renda.

A grande lição ainda não aprendida: a natureza tornou-se assustadoramente escassa. Em “O contrato Natural”, Michel Serres foi certeiro: “O que está em risco é a Terra em sua totalidade e os homens em seu conjunto. A história global entra na natureza e a natureza global entra na história: isto é inédito”.

A partir da Conferência de Estocolmo sobre o Ambiento Humano (1972), o tema tornou-se definitivamente global e incorporado à agenda internacional. Com a suspeita original de que um novo colonialismo iria submeter os países pobres aos países ricos. Estavam semeadas a radicalização ideológica e a polarização política bem ao gosto do Brasil atual.

A catástrofe estava à vista: os ricos devoraram o meio ambiente, por ganância, e se comprometiam a uma reparação nem sempre sincera; o pobres comiam o meio ambiente por necessidade. O falso dilema era entre a oportunidade de crescer sem degradar o meio ambiente ou permanecer na pobreza já que a árvore se tornara mais importante do que a chaminé.

Foi assim que o tema assumiu centralidade global, porém, preocupação periférica dos governos. Um verdadeiro suplício para os gestores da área diante de pressões imediatas versus a ética de respeito intergeracional. Sofriam de solidão política. O futuro não fala.

O Brasil sempre foi olhado como um potencial protagonista ambiental. A Rio 92 foi emblemática. Não por conta dos apelos ufanistas, mas pelo que o mundo conhece do patrimônio natural brasileiro, sobretudo pela Amazônia. Lembro que, nos fóruns internacionais, adotava-se um silêncio respeitoso quando se anunciava a fala do Ministro da Amazônia Legal.

De outra parte, houve grandes avanços na cooperação internacional e na governança nacional, equipada com marcos regulatórios relevantes, instrumentos de comando e controle tecnologicamente eficientes e uma crescente noção do que chamo de ecocidadania.

No entanto, o atual governo trata o meio ambiente como se ele fosse inimigo do desenvolvimento (sustentável, para mim, é pleonasmo). A questão é grave, porque palavras e gestos de desapreço demonstram o negacionismo conceitual, visão superada na sociedade, na academia, entre economistas de vários matizes e o empresariado. Restam precários instrumentos de comando e controle, reiteradamente enfraquecidos. A retirada da proteção dos manguezais e restingas é uma agressão abominável aos berçários da fauna marinha é um exemplo.. Como a imagem do Brasil é um ativo e, cada vez mais, os processos da cadeia de produção são limpos, o exigente mercado global tem argumentos suficientes para dificultar nosso comércio exterior.

Na academia, foram Nicholas Georgescu-Roegen, Herman Daly e seus seguidores, entre os quais destaco o presidente de honra da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, Clóvis Cavalcanti, que, utilizando a arma de diálogo como argumento celebraram a relação entre a economia dominante e a economia ambiental, como preferem alguns.

Recentemente, o espaço de convergência do diálogo ECO-ECO resultou numa carta de 17 ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central, sob a coordenação do Instituto Clima e sociedade, a caminho da descarbonização; os três maiores bancos privados do Brasil, Bradesco, Itaú e Santander, divulgaram um plano integrado para contribuir com a conservação da Floresta Amazônica; sob o título “Concertação”, mais de uma centena lideranças de diversos segmentos defendem a ampliação do consenso sobre o desafio da Amazônia.

A propósito, os ex-Ministros do Meio Ambiente divulgaram documento com expressiva conclusão: “Reafirmamos que o Brasil não pode desembarcar do mundo em pleno século XXI. Mais do que isso, é preciso evitar que o país desembarque de si próprio”.

Se a sociedade contemporânea emite sua voz, vale recorrer à lúcida antevisão de José Bonifácio, o Patriarca da Independência, no belo artigo do Professor José Augusto Pádua na Revista Brasileira de Ciências Sociais (out/2000): “ A Natureza fez tudo ao nosso favor, nós porém pouco ou nada temos feito a favor da Natureza […] Como pois se atreve o homem a destruir, em um momento e sem reflexão, a obra que a Natureza formou em séculos, dirigida pelo melhor conselho? Quem o autorizou para renunciar a tantos e tão importantes benefícios? A ignorância, sem dúvida”.


*Gustavo Krause, 74 anos, é advogado. Foi secretário da Fazenda de Pernambuco, prefeito do Recife, vice-governador e governador de Pernambuco (complementando o mandato de Roberto Magalhães), deputado federal, ministro da Fazenda e ministro do Meio Ambiente.

Postado por Painel Opinativo

Conquistando e ampliando espaços

O ano de 2020 pode se tornar um marco por aumentar a representatividade feminina nas Prefeituras e Câ­maras Municipais

14.09.2020 às 12:29

Por Adriana Toledo*

O ano de 2020 pode se tornar um marco por aumentar a representatividade feminina nas Prefeituras e Câ­maras Municipais. Iniciativas no mun­­do todo e no Brasil demonstram que sem mulheres no espaço de poder, não há mudanças nas questões de gênero, não há transformações na equi­­dade de oportunidades para as mulheres. Somente com a pre­sença do público feminino nesses es­paços, a mulher poderá ser contemplada com políticas públicas planejadas para elas.


Nas últimas eleições municipais, em 2016, 25% dos municípios brasileiros não elegeram sequer uma mu­lher vereadora. Foram eleitas 649 pre­feitas para 5.568 municípios e 7.808 vereadoras, o equivalente a 11,6% das prefeituras e 13,6% do Legislativo municipal, segundo dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), apesar das mulheres serem aproximadamente 52% do eleitorado no Brasil.


Para projetar uma mudança nesses números, estão surgindo várias iniciativas e movimentos para realizar um trabalho de estimular e viabilizar candidaturas femininas, treinar candidatas e promover o voto em mulheres, com objetivo de reduzir a desigualdade em espaços de poder.


A Secretaria da Mulher da Câmara dos Deputados, por exemplo, lançou a Guia Acessível para Candidatura das Mulheres, produzido em parceria com a Associação Visibilidade Feminina. Uma ferramenta para que as mulheres possam entender o que é preciso para que as suas candidaturas sejam possíveis e ajudar no crescimento da participação na política.


Além das iniciativas, mudanças nas regras eleitorais deste ano, promovidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) garantem mais recursos pú­blicos destinados a candidaturas femininas. Em 2020, esses recursos terão de ser proporcionais ao número de mulheres na disputa, tanto do Fundo Eleitoral quanto do Fundo Partidário. De 2018 até agora, era obrigatório que ao menos 30% do Fundo Eleitoral fossem para candidatas, mesmo patamar mínimo de candidaturas.  


Não só no Brasil, mas outras par­tes do mundo estão comprometidas na ampliação da participação das mu­lheres nos espaços de poder, inclusive no Vaticano. O Papa Francisco, em uma decisão inédita, nomeou seis mu­lheres para o conselho que fiscaliza as finanças do Vaticano, uma das instituições mais importantes da Santa Sé. O papa já havia prometido me­lhorar o equilíbrio de gênero na administração da cidade-Estado e está disposto a cumprir suas palavras.


Voltando ao Brasil, o movimento suprapartidário Vamos Juntas, liderado pela  deputada Tábata Amaral (PDT-SP), está voltado à seleção e trei­­namento de candidatas para as eleições de outubro, através da mentoria de mulheres com mandato.  O Ins­tituto Free Free também se uniu ao movimento e lançou um vídeo com a participação de mulheres artistas e nomes de sucesso para apoiar a re­presentatividade feminina na política.


Além disso, o Tribunal tem sempre mostrado a importância da ocupação desse espaço por mulheres por meio da campanha “Mulheres na Po­lítica”, que incentiva as mulheres a par­ticiparem da vida política e a se candidatarem, com a proposta de que a mulher defenda seus direitos, e estimule as outras a fazerem o mesmo.


O PSDB – Partido da Social De­mocracia Brasileira, lançou, através do PSDB-Mulher, uma plataforma di­gital de capacitação e interação para mu­lheres com generoso conteúdo in­for­mativo para candidatas. Apresentou o Manual Voto Legal e uma cartilha com Bandeiras Eleitoras para sub­sidiar os discursos e os compromissos com po­líticas de gênero. Esse trabalho de ca­pacitação das mulheres é rea­lizado pelo segmento desde a sua cria­­ção. A maioria dos cursos de forma­ção política foram promovidos em parceria com a Fundação Alemã Konrad Adenauer e já mostrou êxito na eleição passada dobrando o número de deputadas federais eleitas pelo partido. 


Em Alagoas, conquistamos uma importante vitória nesse sentido. A eleição do diretório municipal do PSDB Maceió, a frente a deputada federal Tereza Nelma, rompeu mais uma barreira e elegeu um diretório composto por 70% de mulheres e 30% de homens. E decidimos indicar uma mulher para compor a chapa majoritária em Maceió. Como vice presidenta do partido no âmbito municipal, me orgulho de fazer parte desse pioneirismo no cenário político da capital de Alagoas. Espero que essa mudança se multiplique por mais cidades do país, assegurando maior participação feminina na política.
Todas essas iniciativas, e tantas outras que estão em andamento no Brasil e no mundo, são fundamentais para consolidar uma sociedade mais equitativa, e apresentar um novo modelo de fazer política, garantindo inclusão e dando voz às mulheres.


Devemos abraçar esse momento de esforços mundiais para garantir que a mulher participe mais ativamen­te do poder. As eleições de 2020 abrem uma possibilidade para que todos os cidadãos votem por mais jus­tiça de gênero e escolham ter mais mulheres na política. E quanto maior o número de mulheres alcançando es­paço de poder, mais a nova geração feminina se sentirá representada e terá confiança de que é possível lutar para chegar lá. 

*Adriana Toledo é pedagoga, especialista em Pedagogia Empresarial e Administração Pública. Vice Presidenta do PSDB em Maceió e membro do Secretariado Nacional do PSDB-Mulher

*Publicado originalmente na edição 40 da Revista Painel Alagoas
Postado por Painel Opinativo

Desemprego cresce na pandemia, aponta IBGE

Na média nacional, a taxa desemprego subiu para 13,3% no 2º trimestre

14.09.2020 às 12:26

A taxa de desemprego aumentou em 11 estados no 2º trimestre de 2020, na comparação com os três primeiros meses do ano, segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no final de agosto passado. Em outros 14 estados, se manteve estável. Já no Amapá e no Pará houve queda. 


As maiores taxas foram observadas na Bahia (19,9%), Sergipe (19,8%), Alagoas (17,8%), enquanto as menores em Santa Catarina (6,9%), Pará (9,1%), Rio Grande do Sul (9,4%) e Paraná (9,6%).


Na média nacional, a taxa desemprego subiu para 13,3% no 2º trimestre, conforme já divulgado anteriormente pelo IBGE, atingindo 12,8 milhões de pessoas. Em 3 meses, o país perdeu 8,9 milhões de postos de trabalho em meio aos impactos da pandemia de coronavírus que provocou uma queda recorde no número de brasileiros ocupados ou à procura de emprego.
Já os maiores avanços na taxa de desemprego foram observados em Sergipe (4,3 pontos percentuais), em Mato Grosso do Sul (3,7 p.p), em Rondônia (2,3 p.p) e no Rio de Janeiro (1,9 p.p.). 


Na média nacional, a taxa desemprego subiu para 13,3% no 2º trimestre, conforme já divulgado anteriormente pelo IBGE, atingindo 12,8 milhões de pessoas. Em três meses, o país perdeu 8,9 milhões de postos de trabalho em meio aos impactos da pandemia de coronavírus que provocou uma queda recorde no número de brasileiros ocupados ou à procura de emprego.  


Já na comparação com o 2º trimestre de 2019, houve aumento do desemprego em 12 estados. Sergipe (4,5 pontos percentuais), Rondônia (3,9 p.p.) e Minas Gerais (3,4 p.p.) tiveram as maiores altas. O Pará apresentou queda neste índice, de 2,1 p.p. Nas demais unidades da federação houve estabilidade.
O nível da ocupação caiu em todas as grandes regiões. E a queda recorde no nível da ocupação no segundo trimestre foi mais intensa entre os homens; as pessoas de 18 a 24 anos e, por nível de instrução, as que têm até o ensino médio. Com relação a cor e raça, as pessoas de cor preta e parda, também tiveram quedas bastante acentuada em todo o Brasil”, destacou a pesquisadora do IBGE Adriana Beringuy. 


Segundo o IBGE, 2,5 milhões de brasileiros ou 19,2% dos desempregados do país buscavam trabalho há pelo menos 2 anos. Apesar do número elevado, houve queda de 26,5% em relação ao segundo trimestre de 2019 (3,3 milhões). No trimestre encerrado em março, eram 3,1 milhões nessa situação. No 2º trimestre, outros 1,4 milhão buscam emprego há mais de 1 ano e menos de 2 anos, queda de 22,2%. Ou seja, 3,9 milhões de brasileiros procuram trabalho há mais de 1 ano. 


Já a faixa de 1 mês a 1 ano de procura, a maior, somou 7,4 milhões de pessoas, aumento de 27,9%. 


A queda do chamado desemprego de longa duração está relacionada com a redução da força de trabalho, e um número menor de pessoas buscando emprego em meio às medidas de isolamento social. Pela metodologia do IBGE, só é considerado desempregado o indivíduo sem ocupação e que tenha procurado trabalho no último mês. 


*Publicado originalmente como editorial na edição 40 da revista Painel Alagoas

Postado por Painel Opinativo

Censura vs. liberdade de expressão

11.09.2020 às 11:38

*Rogerio Nery

Constituição Federal é clara. Seu artigo 220 estabelece que não sofrerão qualquer restrição a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo.

Seu 2º parágrafo é ainda mais explícito: é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.

Entretanto, temos observado que o disposto na Carta Magna, aparentemente, não tem sido levado em conta ao pé da letra.

Nunca é demais recordar que um dos pilares da democracia reside na liberdade de imprensa. E que, em democracias modernas, a censura é inaceitável.

O pleno acesso a informações de qualidade é fundamental para que a população possa exercer aquele seu papel legítimo: o de autoridade máxima em relação a gestores (eleitos via sufrágio) e funcionários públicos (remunerados com o pagamento de tributos).

Essa vigilância, que visa evitar o abuso de poder, também se estende ao setor privado, de quem a população compra direta ou indiretamente produtos e serviços.

Tal atributo exige dos profissionais de imprensa e dos veículos de mídia, naturalmente, uma responsabilidade imensa. Sempre bom recordar que o ofício de jornalismo profissional sempre deve ser pautado por um processo que envolve a busca de fontes confiáveis, a checagem e rechecagem de dados e informações antes que estes venham a ser difundidos e divulgados e o direito ao contraditório (o chamado “outro lado”).

Erros, claro, são factíveis –e os próprios canais têm o dever de se corrigir e de abrir o devido espaço para que os envolvidos possam dar a sua resposta, afora os canais judiciais (se não usados com litigância de má fé).

A lei já protege a sociedade. Ela não nos permite que possamos, impunemente, difamar, ultrajar, agredir ou caluniar pessoas, instituições, autoridades, empresas ou poderes constituídos, bem como condenar pessoas antes do transitado e julgado ou mesmo expor pessoas a riscos que não possam ser reparáveis.

Além disso, a própria sociedade, em tempo real, exerce controle dos meios. Qualquer falha, qualquer excesso, qualquer edição mal feita podem cobrar um preço alto na reputação dos veículos.

É essa dinâmica, orgânica, que joga luz sobre temas relevantes e vitais.

Afinal, a pluralidade de informação, e de visões, viabiliza a tomada de decisões. Seja sobre questões mais abrangentes e filosóficas; seja sobre a vida prática, como a volta ou não às aulas nas escolas; seja sobre a qualidade dos serviços em hospitais públicos. Nesse sentido, qualquer interdição, intimidação e constrangimento se configuram como lesivos ao interesse das pessoas.

E isso deveria ser encarado como algo extremamente benéfico para a melhoria da qualidade da gestão pública e das instituições. A sociedade só tem a ganhar em um ambiente onde prosperam a liberdade de informação e de opinião.

Essas liberdades, no entanto, não podem ser confundidas com o direito de transmitir as chamadas fake news. O tema está na ordem do dia no Congresso Nacional, onde tramitam vários projetos de lei.

O Projeto de Lei 2630/20 é um exemplo. Apresentado pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) e já aprovado pelo Senado, o PL institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Conforme aponta a Agência Câmara de Notícias, o texto cria medidas de combate à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram, excluindo-se serviços de uso corporativo e e-mail.

Esse debate ganha premência quando pensamos em casos como o da menina de 10 anos, grávida após estupro, que teve seu nome revelado por uma ativista em uma rede social. Um ato injustificável, que nada tem a ver com liberdade de expressão.

E um exemplo cabal de que a questão merece uma atenção especial do Congresso, na direção de instituir ferramentas legais mais assertivas, que sejam capazes de proteger a sociedade.

Uma frase famosa do líder espiritual do povo tibetano, Dalai Lama, diz que a falta de transparência resulta em desconfiança e um profundo sentimento de insegurança.

Hoje, como o advento do ESG, o que temos visto é que a qualidade da governança tende a ser um valor precificado no mercado, separando as boas das más práticas.

Em um mundo assim, a falta de transparência não será recompensada.


*Rogerio Nery de Siqueira Silva é CEO do Grupo Integração, diretor regional da Associação Mineira de Rádio e Televisão (Amirt) e conselheiro da Associação Comercial e Industrial de Uberlândia (Aciub).

Postado por Painel Opinativo

Religião na política e seus efeitos danosos para a democracia

07.09.2020 às 12:00
Fernando Frazão/Agência Brasil

*Thales Guaracy

Jornalista e cientista social, formado pela USP.


Dois casos rumorosos, envolvendo pastores evangélicos, vêm mostrando por motivos diferentes o efeito venenoso da infiltração da religião na política brasileira.

No Rio de Janeiro, o pastor Everaldo, da Assembleia de Deus, presidente do PSC, foi preso no último dia 28 na mesma operação que afastou do cargo o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel.

Segundo delação do ex-secretário de Saúde do Rio de Janeiro, Edmar Santos, também preso, Everaldo seria o chefe do esquema de corrupção que levou à compra superfaturada de respiradores na pandemia do covid-19, que expôs todo o governo eleito sob a égide moralizadora de Witzel.

Não menos espantoso é o caso da deputada Flordelis (PSD-RJ), fundadora da sua própria igreja, o Ministério Flordelis, apontada pela Polícia Civil e o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro como mandante do assassinato do marido, o pastor Anderson, com 30 tiros, em junho do ano passado.

Seis dos seus filhos e uma neta estão presos e ela só se encontra em liberdade porque, como parlamentar, só pode ser presa depois de afastada do cargo por decisão da Justiça ou da própria Câmara Federal.

São casos diferentes, sem nenhuma relação entre si, mas revelam uma coisa só. Levam a pensar sobre a crescente participação da religião na política e seus efeitos danosos para a democracia e o país.

Religiosos entram para a política com base num discurso moralista –não apenas contra os maus políticos, como o que seriam os maus costumes em geral. Apresentam-se como restauradores da ordem, infensos à corrupção e aos pecadilhos humanos. E, a partir do seu próprio exemplo, querem impor seus dogmas em todos os campos, como salvadores diante do apocalipse.

Aí está a contribuição dos casos de Everaldo e Flordelis. Religiosos na política não são garantia de bom comportamento, muito menos de solução para a moralidade, na política ou na vida. Ao contrário. Os políticos que se apresentam como bastiões da moral podem cair nos mesmos pecados de outros mortais. Com o agravante da farsa, escondendo o pé de barro, para vender-se como santos, caso de Flordelis, que já foi idealizada até mesmo em filme.

Ninguém pode dizer que os políticos religiosos representam os interesses de sua comunidade de fé.

Existe no Congresso Nacional a chamada bancada evangélica, um bloco informal, cujos integrantes supostamente se unem em votações com posições de interesse em comum. Na maior parte das vezes, porém, esses políticos usam sua identificação com a comunidade religiosa mais para eleger-se. Uma vez no poder, como ilustra o caso de Everaldo, defendem mais os interesses próprios.

Ninguém é proibido de participar da política e a religião é livre. Porém, usar o proselitismo religioso para impulsionar a carreira política, ou apresentar-se como representante político de uma religião, são desvirtuamentos da democracia.

A religião na política vai contra os princípios do Estado laico, conforme está registrado na Constituição de todas as democracias do mundo, incluindo a brasileira. Não existe bancada religiosa no Congresso de democracia nenhuma no mundo inteiro, exceto nas falsas, como no Irã dos aiatolás.

Ao defender interesses de partidários de uma religião específica, contraria-se o princípio da igualdade, segundo a qual todos os brasileiros são iguais perante a lei, independentemente de raça, cor e, diga-se, religião. Não há nenhuma razão para que se tome decisões em favor de membros desta religião ou daquela, sendo todos os crentes tratados igualmente, como cidadãos, com os mesmos direitos e deveres.

O destino dos moralistas é serem desmoralizados. Porém, há algo a melhorar na democracia brasileira, para que se extingua o voto de natureza religiosa. É preciso proteger os princípios humanistas da igualdade entre todos os cidadãos, independente de suas escolhas pessoais, seja de religião, seja dos costumes.

Um dos grandes dilemas da democracia é como tratar pessoas diferentes como iguais, e ao mesmo tempo como tratar pessoas como iguais, respeitando suas diferenças. O certo, porém, é que a democracia é o único regime onde isso pode chegar o mais perto possível do ideal.

Para isso, deve surgir a partir do eleitor uma reação contra a infiltração da religião no poder, seja no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário –como quer o presidente Jair Bolsonaro, que colocou Deus no slogan de Estado e prometeu nomear um ministro “terrivelmente evangélico” na sua próxima indicação ao Supremo Tribunal Federal.

Com a partidarização da religião, o que se fomenta no Brasil é apenas a intolerância, e com ela a defesa e tentativa de imposição de interesses de um grupo sobre o de outros, com a natural reação em contrário dos prejudicados.

O clima de intolerância só interessa aos ditadores de plantão, que só podem fazer o que quiserem se passarem por cima do respeito ao pluralismo e da diversidade. A verdade é que, sem liberdade, não há nenhum progresso real. Quando as ditaduras dão errado, é por liberdade que se clama, porque deram errado. Quando elas dão certo, pede-se também por liberdade, para que se possa desfrutar do progresso.

Só há um caminho, que é o caminho da liberdade, mas para chegar lá é necessário neutralizar as forças insidiosas que se nutrem da intolerância, promovidas por pessoas que agem em interesse próprio. No Brasil, esses agentes parecem já ter se esquecido dos males que as ditaduras fazem a todo mundo. E que somente a democracia permite a um país fazer sua própria crítica, corrigir erros e melhorar.

A história, porém, não se esqueceu. E só depende dos defensores da liberdade e da igualdade não perdê-las, para que possamos chegar mais depressa e orgulhosamente a um bom lugar.

Postado por Painel Opinativo

Pandemia da Covid longe do fim

24.08.2020 às 11:17


A Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou no início deste mês de agosto, que a pandemia do novo coronavírus será provavelmente "muito longa". Seis meses depois de declarar a emergência internacional, o comitê de emergência da OMS destacou que "continua avaliando como muito elevado o nível de perigo global [provocado] pela covid-19".


O comunicado foi anunciado no último dia 31 de julho, após a quarta reunião do comitê de emergência da OMS. A nota da entidade também reforçou "o perigo de que a resposta diminua em um contexto de pressões socioeconômicas". Está previsto que o comitê volte a se reunir em três meses.


A pandemia provocou a morte de pelo menos 680 mil pessoas no mundo e infectou mais de 17,6 milhões, segundo contagem feita pela AFP com base no levantamento da Universidade Johns Hopkins, dos EUA.


Em todo o mundo, três países já superaram a marca de 1 milhão de diagnósticos: Estados Unidos (4,5 milhões), Brasil (2,6 milhões) e Índia (1,6 milhão).


A vacina ainda está longe de acontecer, apesar de todos os esforços empreendidos para isso.


Ao menos nove países que trabalham para desenvolver uma vacina eficaz contra  o coronavírus Sars-Cov-2 já testam em humanos, segundo a atualização mais recente da Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas apenas o Reino Unido, a China e os Estados Unidos chegaram à terceira e última etapa.


Além desses países, a Índia é responsável por mais três candidatas nas fases 1 e 2. A Austrália e a Alemanha têm mais duas promissoras vacinas ainda em estágios iniciais dos ensaios, assim como a Rússia e o Japão, com uma cada, diz  a OMS.


Segundo a agência de saúde da ONU, são atualmente 164 pesquisas em desenvolvimento. Destas, 25 já em estágio clínico mas apenas cinco na Fase 3. É somente depois desta prova, em um número maior de participantes, que uma vacina pode ou não ser licenciada e liberada para a comercialização.


Ou seja, enquanto esperamos a vacina, a prevenção continua sendo o distanciamento social e as recomendações do uso de máscara e higienização das mãos com água e sabão ou álcool em gel.


*Publicado como editorial da edição 39, da Revista Painel Alagoas

Postado por Painel Opinativo

Um dia de cada vez

Quando a vida normal foi suspensa, no início de março de 2020, eu tinha uma homenagem a receber no dia 26, uma pré-estreia a assistir no dia 17 e uma reunião de trabalho marcada para o dia 18

24.08.2020 às 11:13

Elen Oliveira*

Quando a vida normal foi suspensa, no início de março de 2020, eu tinha uma homenagem a receber no dia 26, uma pré-estreia a assistir no dia 17 e uma reunião de trabalho marcada para o dia 18. Para um pouco mais adiante, eu agendara uma viagem para acompanhar minha filha a um show em São Paulo. Havia ainda férias programadas e um encontro com amigos para comer um hambúrguer vegano e atualizar a conversa, fora a rotina de trabalho, caminhadas diárias respirando a maresia Cruz das Almas/Ponta Verde/Cruz das Almas e inúmeros abraços, que eu adoro abraçar.
Chegando em casa, na noite da sexta-feira 13 de março,  depois de um dia em que já havíamos programado uma escala de trabalho metade presencial/metade teletrabalho, vi que a vida já havia mudado no curso de algumas horas.
Estava assistindo ao telejornal noturno, quando uma notificação do Whatsapp me chamou de volta ao trabalho. Toda a agenda estava automaticamente suspensa e naquela noite, as reuniões nos grupos se estenderam até a madrugada, intensificando-se no sábado e no domingo seguintes. Era preciso reorganizar a sistemática de trabalho.
Não havia precedentes para aquela situação, então passamos a viver um dia por vez e aprendendo, com cada demanda que se interpunha, a lidar com ela e a programar a resposta às próximas. A primeira semana, assim como o primeiro decreto normativo do meu trabalho e do cotidiano dos demais viventes de Maceió, foram destinados à aprendizagem e à adaptação. Suspenderam-se eventos e qualquer programação que ensejasse aglomeração, enquanto recebíamos, entre o medo e o pesar, as notícias da Ásia e da Europa enlutadas.
Na segunda semana foi oficializado o teletrabalho para as atividades adaptáveis ao modelo e estabeleceram-se normas para aquelas cuja presença física nos locais de trabalho fosse imprescindível. Regras de segurança e higiene, protocolos de atendimento e funcionamento de estabelecimentos comerciais, condutas sociais, tudo foi reformatado.
O chamado isolamento social redimensionou também a vida privada. As telenovelas deram espaço ao jornalismo em tempo integral, estabelecendo uma dinâmica diferente do tempo e da vida, agora restritos ao espaço doméstico.
Nos primeiros dias, considerei racional correr ao supermercado e à farmácia, como se estivesse me preparando para um longo inverno, em pleno verão maceioense. Nas prateleiras, a clara demonstração de desapreço ao bem-comum. Grande parte dos itens recomendados à prevenção do coronavírus, o agente da pandemia, havia desaparecido. Os que restaram estavam bem mais caros. Foi necessário o poder público estabelecer regras de controle e fiscalização de preços para conter abusos e a sanha dos acumuladores. Com a situação regulada, os estoques foram restabelecidos e os preços voltaram a patamares aceitáveis.
As teleaulas também afetaram o espaço doméstico. Além de local de trabalho e espaço de moradia, a casa também tornou-se sala de aula, dispositivo de telepresença para reuniões e cultos religiosos. Os encontros pessoais também foram acondicionados às telas do celular e do computador. Abraços partidos, saudade manifesta, incertezas. Pelo que se observa na parte do mundo onde o fechamento e a reabertura começaram, a vida normal não voltará a ser sem novas regras e protocolos de contenção e controle.
No novo mundo que agora se descortina, a proteção envolve distância, máscaras e rigorosos protocolos de higiene pessoal e convívio social. Os encontros se darão sem apertos de mão, sem abraços, sem beijinhos.
Durante a pandemia, vi um ex-governador partir sem solenidade. Guilherme Palmeira, em cuja biografia cabiam o deputado, o governador, o senador, o prefeito e o ministro de Tribunal Superior, partiu sob silenciosos aplausos e moções manifestos pelas redes sociais. Vivêssemos tempos normais, muitos seriam os que cancelariam agendas para lhe prestar homenagens e presenciais condolências aos familiares enlutados, especialmente ao prefeito Rui Palmeira, seu filho e gestor nesse momento distópico que se abateu sobre o mundo e o Brasil em pleno ao eleitoral.
É de incertezas que vivemos. Até aqui, todos perdemos alguém para o novo coronavírus. Seja amigo, parente conhecido ou desconhecido, há muitos milhares de pessoas a prantear. Contam-se mortos, enquanto planejamos a vida e o futuro sem nem sequer intuirmos o que será.   Do ponto de vista do meu trabalho, a vida em tela tem similaridades com o mundo real, do trabalho presencial . No entanto, os artifícios da procrastinação são muito mais intensos, assim como as atividades paralelas. Ao mesmo tempo em que participo de uma reunião por vídeo ou audioconferência, interajo com outros grupos de trabalho e a atenção pode ser desviada a um clic para uma das infinitas janelas dos hyperlinks que tanto informam quanto desinformam e nos instigam. Nesse aspecto, os limites temporais se diluem em jornadas inacabáveis.
No hiperconectado universo da teleinformação, estruturas como horários de trabalho são fluidas e variáveis, assim como as pontas dos dedos, que chegam a arder nos dias mais dinâmicos em atividades profissionais, vida pessoal e hiperinformação. É cansativo o mundo em tela. Há dias que ele suplanta o espaço físico, por exíguo que ele nos pareça. Tenho esperança na resposta da ciência e rezo para que se abrandem os corações endurecidos. É entre incertezas e esperança que vivemos. Um dia por vez.

*O texto integra o projeto Memória da Pandemia nas Alagoas,coordenado pelo Professor Luiz Savio  Almeida, e foi publicado originalmenteno blog Campus do Savio e no Suplemento Campus, do jornal O Dia e, posteriormente, na edição 39 da revista Painel Alagoas.


Postado por Painel Opinativo

Celso Furtado, a educação e o desenvolvimento

13.08.2020 às 12:27


*Ponto de Vista - Conjuntura Econômica

No centenário de nascimento do nosso mais influente economista, é oportuno investigar um tema de sua obra que tem sido pouco debatido. Trata-se do papel da escolarização fundamental de qualidade da população como um pré-requisito para o desenvolvimento econômico. O assunto já foi tratado de passagem na coluna em outras oportunidades e carece de olhar mais detido.

Celso Furtado, como ele mesmo afirmou, casou-se com a questão do subdesenvolvimento brasileiro. Assim, sua preocupação maior sempre foi entender o fenômeno do nosso atraso. Fato estranho, portanto, é que nosso brutal atraso na escolaridade formal nos níveis iniciais – o que antigamente era nível primário e ginasial e hoje se conhece por fundamental 1 e 2 – não foi tema relevante de sua obra. Nunca esteve no foco central das preocupações de Furtado, embora, como esta coluna irá mostrar, o pensador tenha, aqui e ali, tratado protocolarmente do tema; e, em algumas poucas, mas significativas, vezes deu à educação o peso que hoje se lhe atribui no desenvolvimento econômico. O que aumenta o enigma: por que Furtado chegou a se aproximar, em poucas ocasiões, dessa que é uma das maiores causas do subdesenvolvimento brasileiro, mas não incorporou o problema nas suas obras mais importantes?

Em sua obra magna, Formação econômica do Brasil, que analisa a história econômica brasileira até a década de 1950, o economista não elabora sobre o tema da educação. Analogamente, suas duas obras de teoria do desenvolvimento econômico, o volume Desenvolvimento e subdesenvolvimento, de 1961, e Teoria e política do desenvolvimento econômico, cuja primeira edição é de 1967 e a última edição, revista pelo autor, é de 2000, tampouco tratam da questão. Não há seção ou capítulo dedicado ao tema, e os trabalhos acadêmicos que trataram do assunto, de Jacob Mincer, Theodoro Schultz, Gary Becker e tantos outros, não são mencionados. Tomando-se esses livros centrais da sua obra, tanto do ponto de vista da teoria quanto daquele da experiência concreta das nações, a escolarização da população como um todo não foi para Celso Furtado um pré-requisito para o desenvolvimento, e, portanto, a sua carência não parece ter sido para ele impedimento para um país se desenvolver.

Também surpreende que Celso Furtado não tenha dialogado com os trabalhos de Carlos Geraldo Langoni nos anos 70, que documentou a importância da educação para explicar o crescimento econômico brasileiro do pós-guerra e a piora da desigualdade de renda observada nos anos 60.

A experiência histórica de que a escolarização de qualidade da população precede as experiências de crescimento – Inglaterra, EUA, Japão, Suécia, Alemanha e Coreia do Sul, por exemplo – é volumosa.

No entender da coluna, o pouco peso do tema da educação em Celso Furtado deve-se à ideologia básica que sustenta seu pensamento: o subdesenvolvimento depende da relação que o país tem com a economia global, isto é, com as demais nações, especialmente as mais desenvolvidas; e depende menos das características intrínsecas das sociedades.

Essa ideologia não explica o subdesenvolvimento da Argentina, por exemplo, e o desenvolvimento da Austrália ou do Canadá. As três sociedades tinham renda elevada no início do século XX e possibilidades de desenvolvimento muito próximas. O subdesenvolvimento argentino explica-se pelas escolhas que a sociedade fez; o resto do mundo tem muito pouco a ver com o atraso platino.

Não obstante a pouca importância da educação e de suas conse­quências para o desenvolvimento econômico na obra central de Furtado, vale a pena rever como o tema foi tratado nos escritos do mestre e nas suas ações como homem público.

É verdade que o Plano Trienal do governo João Goulart, escrito integralmente por Furtado, que era ministro do Planejamento, priorizou a educação no orçamento. Difícil saber se, em meio à inflação e a toda a restrição fiscal do período, haveria espaço para implantar as ambiciosas metas educacionais. Sabe-se que o Plano Trienal não se distinguia muito, no grau de ortodoxia, do PAEG implementado nos primeiros anos da ditadura militar. Já quando Furtado foi formulador de política econômica na Sudene, a educação fundamental não foi prioritária.

Há várias menções de Furtado ao tema da educação, mas elas parecem ter um caráter mais protocolar (afinal, dificilmente um grande intelectual não seria a favor da educação de qualidade para toda a população). Por exemplo, no Plano Trienal, ele escreveu que “a muito custo chegamos, afinal, à compreensão de que a escola não é apenas o feliz coroamento ornamental de uma sociedade, mas a sua instituição básica, a mantenedora da sua cultura e a promotora de sua dinâmica de desenvolvimento”.

Há diversas outras passagens dessa natureza, com um tom algo genérico, em seus escritos. Por exemplo, Um projeto para o Brasil, de 1968, apontou que “abundantes estudos hoje disponíveis demonstram que o nível de desenvolvimento de um país é função da massa de investimento incorporados no fator humano”. Ou ainda em Raízes do subdesenvolvimento, reedição em 2003 de A hegemonia dos Estados Unidos e o subdesenvolvimento da América Latina, cuja primeira edição é de 1973, Furtado escreveu, referindo-se à melhora da qualidade de vida dos trabalhadores dos países centrais: “Por outro lado, os investimentos feitos diretamente na própria população trabalhadora, tanto pela iniciativa privada como pela ação governamental, crescem com rapidez considerável. Da ação conjugada desses fatores resulta uma tendência persistente à melhoria das condições de luta da classe trabalhadora (...)”.

Mesmo se acreditarmos que, com essas menções, Furtado estava, entre os anos 60 e 70, revendo o papel da educação no desenvolvimento econômico, essa abertura parece ter sido interrompida. Nos dois volumes que publicou logo em seguida, Análise do “modelo” brasileiro e O mito do desenvolvimento econômico, quando discute o caso nacional, novamente o atraso educacional não desempenha nenhum papel relevante. Como já apontado, as menções anteriores parecem ser, ao menos para a experiência brasileira, protocolares. Não se deriva delas nenhuma implicação para o entendimento de nosso subdesenvolvimento e para a política pública.

Mas existem, ao longo da obra de Furtado, duas menções ao tema que, me parece, não são simplesmente protocolares, mas estabelecem um vínculo real e contundente entre desenvolvimento e escolaridade da população. No volume Brasil, a construção interrompida, de 1992, nas páginas 49 até 54, ele discorreu sobre como, nos países asiáticos, o processo de homogeneização social, fruto de uma política de reforma agrária e um pesado investimento educacional, que atingiu a “plenitude na escolarização e a total alfabetização da população adulta”, foi essencial para o desenvolvimento desses países “de matriz cultural confuciana”. À página 56, Furtado escreve que “para o conjunto da população, o ativo de mais peso na distribuição da renda é aquele que está incorporado como capacitação no próprio fator humano”. Segundo o economista, é impossível pensar o desenvolvimento dos países do Leste Asiático sem pensar no processo de escolarização da população.

Mas merece destaque o magnífico texto de Furtado (que somente veio a público em 2008) sobre a economia venezuelana, escrito em 1957, um ano antes, portanto, de Formação econômica do Brasil. Nesse trabalho, o economista faz um diagnóstico sobre aquela economia, e trata a escolarização da população como pré-requisito para a continuidade do processo de desenvolvimento da Venezuela. O tema é repisado diversas vezes, no contexto da diversificação produtiva, das páginas 60 até 64. 

Um dos maiores enigmas da história do pensamento econômico brasileiro, portanto, é o que teria ocorrido em Cambridge, em 1958, quando a mesma pessoa que enxergara, um ano antes, para o caso venezuelano, o atraso educacional como o maior obstáculo à continuidade do desenvolvimento, deixou o tema completamente de lado quando foi olhar para o seu próprio país, na elaboração de Formação econômica do Brasil. E também por que Furtado, décadas mais tarde, quando entendeu a fundamental importância da educação de qualidade no fenomenal desenvolvimento do Leste Asiático, não reviu, durante seus anos maduros, a sua interpretação do subdesenvolvimento brasileiro à luz de nosso atraso educacional.

Postado por Painel Opinativo

O bom exemplo do cooperativismo financeiro na pandemia

25.07.2020 às 11:13


*Carlos Melles - Presidente do Sebrae


Desde o início da pandemia do coronavírus no Brasil, o Sebrae vem monitorando o impacto da crise econômica no setor dos pequenos negócios por meio de pesquisas nacionais, 1 termômetro que ajudou a avaliar o alcance da crise econômica provocada nos últimos meses, com queda do faturamento, demissões e fechamento de unidades. Nos sucessivos levantamentos, um obstáculo se destacou como crucial na busca de soluções emergenciais: as dificuldades de obtenção de empréstimos bancários para a sobrevivência imediata e manutenção das atividades.

Nesse quadro de adversidades ainda em andamento, uma novidade positiva despontou nos resultados das pesquisas: a força do cooperativismo financeiro como instrumento de acesso ao crédito para micro e pequenas empresas (MPEs).

Quando considerada a taxa de sucesso na busca por empréstimos, o ranking das instituições que proporcionalmente liberam mais crédito para os pequenos negócios coloca o Sicoob e o Sicredi à frente dos 2 maiores bancos públicos do país, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, bem como dos gigantes privados Bradesco, Itaú Unibanco e Santander. Na enquete realizada de 25 a 30 de junho, o Sicoob apresentava taxa de sucesso de 20%, ao passo que o Sicredi, de 17%.

Essa taxa de sucesso se reflete no resultado do crescimento das carteiras de crédito das cooperativas no período da pandemia. Segundo dados obtidos junto ao Sistema Sicredi, no período de janeiro a maio deste ano a concessão de crédito para os pequenos negócios foi de R$ 2,7 bilhões, representando um aumento de 21,3% em relação ao mesmo período de 2019. Já no Sistema Sicoob houve um aumento de 27,7% na quantidade total de operações de crédito para o segmento. Somente na carteira de empréstimo e financiamento o aumento no volume de concessão no Sicoobfoi de 71,7%, atingindo o volume de R$ 6,6 bilhões de janeiro a maio de 2020, frente aos R$ 3,8 bilhões no mesmo período de 2019.

De imediato, essa realidade pode indicar um caminho alternativo para as MPEs que tiveram seus pedidos de crédito rejeitados ou que ainda venham a apresentá-los. A mesma pesquisa do Sebrae constatou que 57% dos pequenos negócios não haviam conseguido empréstimo, 25% aguardavam resposta e apenas 18% tiveram o pedido atendido. Os bancos de maior porte são exatamente os mais procurados pelos pequenos negócios, por já terem conta e por desconhecimento das possibilidades das cooperativas. Dito de maneira clara às MPEs: tentem também as cooperativas nessa hora de tantos apertos.

Uma explicação para ajudar a entender porque há mais facilidade para essa aprovação está no próprio objetivo das cooperativas, que visam a geração de valor compartilhado para os seus cooperados. Elas oferecem os mesmos serviços de uma instituição financeira tradicional, com o diferencial de ser mais simples, mais vantajoso e mais justo para o conjunto de seus associados. Se a cooperativa for do tipo livre admissão, qualquer pessoa física ou jurídica pode fazer um pedido para compor o quando de associados. Tradicionalmente, já trabalham com juros mais baixos do que o mercado e com menos burocracia. Ao mesmo tempo, zelam pela saúde de suas operações, submetidas aos mesmos rigores das normas do Banco Central, como integrantes do SFN (Sistema Financeiro Nacional).

Dessa maneira, as cooperativas priorizam a colaboração e a associação de pessoas ou grupos com os mesmos interesses, visando a obter benefícios comuns em suas atividades econômicas. Praticam uma política de finanças de proximidade, ou seja, conhecem melhor o cliente. Possuem, portanto, uma afinidade natural com as empresas de menor porte e servem de canal com interlocução de igual para igual para os pequenos empreendedores.

O cooperativismo financeiro ocupa posição estratégica na agenda do Sebrae, por considerá-lo opção bastante consistente para que as MPEs tenham acesso ao crédito saudável e a serviços financeiros eficientes. O suporte do Sebrae se dá mediante a prestação de serviços tanto para empreendedores já associados ou com potencial para se associar, quanto para gestores e lideranças cooperativas.

Já em 2003, foi instituído o Programa Sebrae de Apoio ao Cooperativismo de Crédito, que atualmente se encontra em seu 4º ciclo de apoio ao segmento. De 2008 até agora, o balanço soma 22 unidades da Federação contempladas e cerca de 400 cooperativas participantes. Foi prestado atendimento com soluções de capacitação e consultoria a mais de 5.000 empresas cooperadas. As ações contribuíram para a adesão de  mais de 220 mil novos pequenos negócios e o incremento acima de R$ 8 bilhões no saldo da carteira de crédito de pessoa jurídica das cooperativas integrantes.

O Sebrae também dá suporte às SGC (Sociedades de Garantia de Crédito), que fornecem o aval necessário para obtenção de empréstimos. O FRL (Fundo de Risco Local) reúne R$ 33 milhões, destinados exclusivamente para amparar garantias a MPEs junto a instituições conveniadas às SGC. Mais de 80% das operações de créditos avalizadas pelas SGCs são em cooperativas de crédito.

Diante dos prejuízos causados pela pandemia da covid-19 à economia brasileira, o cooperativismo vem demonstrando que cumpre um papel vital de sustentação às MPEs. São 857 cooperativas e mais de 6.000 pontos de atendimento em todo o país, contribuindo de maneira significativa para a retenção de renda nos municípios e para o desenvolvimento das comunidades locais. Com seu espírito de solidariedade, servem de exemplo a ser seguido por todo o sistema financeiro nacional, público e privado, na ajuda tão necessária aos pequenos negócios na atualidade.

Postado por Painel Opinativo


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