Por Carlos Amaral
O setor financeiro é o grande beneficiário da reforma da Previdência, na avaliação do economista Cid Olival, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), porque ela se soma a outras medidas que achatam o poder de compra dos trabalhadores e tirou do Estado parte de seu poder indutor da economia.
“Antes de mais nada, é preciso entender a reforma da Previdência dentro de um conjunto mais amplo de reformas, dentre elas, a aprovação da PEC 55/2016, que limita os gastos do setor público por 20 anos; a reforma trabalhista, já aprovada em 2017, que tem promovido uma ampla precarização do trabalho e não gerou os empregos prometidos; e os ataques à educação e à saúde públicas, com corte de verbas e uma ampla campanha difamatória para com esses setores”, elenca. “Essas medidas têm em comum o resgate de um projeto ideológico que busca estabelecer um Estado mínimo, no qual o setor público se exime das suas responsabilidades sociais e as repassa ao setor privado. Quem ganha com isso são as grandes empresas, os bancos, as seguradoras, o setor financeiro”, completa o economista da Ufal.
Cid Olival aponta que as medidas que cita afetam os mais pobres porque descontroem o Estado social inserido na Constituição de 1988, cujo objetivo é garantir condições socioeconômicas mais favoráveis a toda população, com serviços essenciais e atuando na redução das desigualdades.
“A título de ilustração, estudos da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe, órgão vinculado à ONU) mostram que, no Brasil, a Seguridade Social é o principal mecanismo de proteção, de redução da desigualdade de renda e de combate à pobreza. Então, a aprovação da reforma da previdência promoverá um aumento da pobreza e da miséria em todo o país, e em especial, em Alagoas”, diz o economista.
Cid Olival ressalta a campanha pró-reforma que, segundo ele, impôs medo à população.
“Tanto o governo quanto a grande mídia têm se empenhado em distorcer alguns fatos, querendo passar a ideia de que a reforma da Previdência trará benefícios à população. Além disso, empreenderam uma campanha enganosa dizendo que se a reforma da Previdência não passasse, o país iria quebrar. É uma grande mentira!”, afirma o economista.
Como contra-argumento à campanha oficial da reforma da Previdência, o professor da Ufal destaca que as mudanças contidas no texto aprovado na Câmara dos Deputados não atuam diante da realidade brasileira. Como base, ele usa um estudo da Anfip.
“Estudos realizados pela professora Denise Gentil mostram que os trabalhadores que se aposentam por idade só conseguem contribuir, em média, com 5,1 parcelas por ano, em função do desemprego, da informalidade e da rotatividade. Agora, imagine um trabalhador do comércio, que passa horas em pé, uma faxineira ou um motorista de ônibus ter que contribuir por 40 anos ou mais para receber um salário mínimo? Além de ser muito difícil contribuir por tanto tempo, provavelmente, aos 60 anos esse trabalhador já foi mandado embora, para que as empresas recrutem gente mais jovem, não conseguindo se aposentar”, diz Cid Olival.
Para ele, isso é mais agravante na realidade alagoana devido a seus indicadores sociais e econômicos.
“Se pegarmos a realidade alagoana, em muitos lugares, sobretudo no interior do estado, os valores recebidos com aposentadorias constituem a única renda da família, dada a elevação do desemprego, baixa qualificação e condições locais de trabalho. Em muitos casos, coabitam em uma mesma residência três ou quatro gerações que dependem unicamente da renda da aposentadoria. Estamos falando da população que receberá, em média, até um salário mínimo”, diz Cid Olival que destaca a situação dos trabalhadores rurais. “Embora a idade mínima seja de 60 anos para homens e 55 para as mulheres, os 15 anos de contribuição obrigatórios são aviltantes. Imagine um cortador de cana que precisa de 15 anos de contribuição previdenciária e 60 anos de idade para se aposentar? Na maioria das vezes, esse trabalhador não tem registro formal contínuo de trabalho e as condições degradantes da atividade poderão promover adoecimento antes da aposentadoria. Certamente, muitos morrerão sem se aposentar”, completa.
Ele também questiona o argumento de que os servidores públicos seriam privilegiados por terem um regime previdenciário próprio e que seu teto ultrapassaria o do INSS, pois estes são equiparados aos demais trabalhadores.
“O servidor público civil federal foi objeto de três grandes reformas da previdência. Uma em 1998, com a Emenda Constitucional [EC] 20/1998, que instituiu o fator previdenciário; depois, com a EC n. 42/2003, que acabou com a integralidade e a paridade; e as ECs n. 45/2005 e 70/2012, que determinaram o teto do INSS para o servidor que ingressou na carreira a partir de 2012. O que isso significa? Que quem entrou no serviço público federal a partir de 2012 e que, provavelmente, se aposentaria em 2045, receberá o teto de R$ 5.839,45, promovendo uma redução das despesas com previdência de 1,26% do PIB, em 2018, para 0,32% do PIB, em 2060”, relata. “Então, o argumento de que o servidor público civil federal no longo prazo vai quebrar a previdência também é mentiroso, uma vez que desde 2012 há equiparação das aposentadorias do setor público e do setor privado, que estabelece o teto do INSS como valor máximo a ser pago aos beneficiários”, afirma Cid Olival.
À Painel Alagoas, o professor da Ufal elenca uma série de pontos, para ele, nocivos à população, nas novas regras previdenciárias. Desde a desvinculação da pensão por morte e o salário mínimo às mudanças no abono salarial, passando pelas aposentadorias por invalidez e para pessoas com deficiência.
“Levando em consideração que cerca de cerca de 70% dos aposentadas pelos INSS recebem um salário mínimo, a proposta de reforma da Previdência aprovada na Câmara dos Deputados penaliza grande parte da população brasileira ao criar dificuldades e impedimentos aos benefícios previdenciários, mas essa mesma proposta se mostra muito branda com os militares e parlamentares e não toca no Judiciário. Aos militares, por exemplo, não se exige idade mínima e o tempo de contribuição para aposentadoria é de 30 anos. Ademais, a alíquota de contribuição de ativos e inativos é de 7,5%, muito inferior aos demais trabalhadores e as suas aposentadorias, ao contrário dos servidores civis, possuem integralidade e paridade em relação ao salário da ativa”, relata. “No caso dos parlamentares, praticamente não haverá qualquer mudança para aqueles que já têm mandato, modificando apenas para aqueles que forem eleitos a partir de 2022, que deverão se submeter ao teto do INSS. O Judiciário, por sua vez, sequer aparece na proposta de reforma da Previdência. Como se vê, a reforma da previdência não ataca setores privilegiados, mas apenas a população mais pobre. Suas mudanças promoverão graves consequências econômicas e sociais no médio e longo prazo ao privar parte da população idosa do direito à aposentadoria”, completa Cid Olival.
Segundo ele, as medidas terão um efeito recessivo daqui algum tempo e em Alagoas a reforma pode provocar paralisia na economia do estado.
“Sob o ponto de vista estritamente econômico, as medidas apresentarão um efeito recessivo para o conjunto do país, agravando as desigualdades sociais e regionais. No caso de Alagoas, que em 2018 concedeu 531.340 benefícios previdenciários pelo RGPS, segundo dados do INSS, totalizando 6,9 bilhões de reais injetados na economia, algo em torno de 15% de toda a renda gerada no estado, a reforma da previdência representa a possibilidade de paralisia econômica de municípios cuja dinâmica produtiva é muito baixa, uma vez que parte da renda circulante provém de recursos de aposentadorias e pensões, agravando as condições de pobreza e miséria do estado”, afirma Cid Olival.
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Fonte: Painel Alagoas